Cortar a direito

«[o PSD] não admite, em qualquer circunstância dialogar e negociar com forças populistas e extremistas. Consideramos esta uma questão central neste processo de clarificação interna. Em tempo útil, de forma praticamente isolada, o primeiro subscritor desta Moção alertou para os riscos da nossa ambiguidade na relação com o Chega. O resultado das eleições legislativas confirma que tinha razão. Lamentamos que, em 2020, muitos tenham ficado convenientemente calados e, ainda pior, venham agora definir o PSD como “a casa comum dos não socialistas”. Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas.»

Jorge Moreira da Silva – Moção de Estratégia Global

A direita portuguesa está numa encruzilhada que o trecho acima citado ilustra quanto ao fundamental da questão. Trata-se de ir escolher entre quem quer continuar o passismo – o qual criou e lançou Ventura, e está disposto a levar esse lúmpen de variegadas patologias para o poder – e quem quer salvar o partido de uma anomia que já leva 18 anos de continuada degradação intelectual e ataque à Constituição e ao Estado de direito.

Para se medir o tamanho da façanha que este simpático Jorge abraçou, qual forcado numa pega sem ajudas, basta lembrar as declarações de Cavaco, Passos, Ferreira Leite e demais dirigentes do PSD a favor do acordo feito nos Açores entre o PSD e o Chega. A fina flor deste entulho laranja não só fez pressão para Rui Rio se autodecapitar no meio do Atlântico como se mostraram entusiasmados com o crescimento do Chega. Figuras paradigmaticamente anedóticas da oligarquia reaça, como Maria João Avillez e Jaime Nogueira Pinto, olham para Ventura e vêem uma marioneta ao serviço da sua vingança contra o maldito 25 de Abril.

Até agora, não apareceu ninguém de ninguém no PSD a responsabilizar Passos pela introdução da extrema-direita no Parlamento. Moreira da Silva também não o irá fazer, por todas as razões e mais algumas. Tal não impede que, continuando o que já mostrou em relação ao Chega, venha a ter acções e gestos que o consagrem como vero republicano e insigne estadista. Uma forma de o testar quanto a esse destino é básica: basta pedir-lhe a sua opinião a respeito de Sócrates. Se vier com a tanga da “bancarrota” e for mais um a pôr lenha no auto-de-fé poupa-se tempo e ficamos logo com o retrato pronto para ser arquivado.

O verbo “refundar” aparece cinco vezes na moção deste promissor candidato a presidente do PSD e, portanto, a líder da oposição. E o caso não é para menos, dada a decadência do PSD desde a fuga de Barroso para Bruxelas e para os corredores da alta finança. Porém, como vimos com Rio, declarações de arrebimbomalho e foguetório esperançoso são fáceis de colocar no papel e na pantalha mas tendem a rebentar como bolhas de sabão quando aparece a realidade a reclamar lideranças autênticas. Veremos.

One thought on “Cortar a direito”

  1. quando alguém pretende que um partido, com o qual se identifica, seja refundado poderá estar a querer dizer duas coisas absolutamente opostas que deixam a interpretação à vontade da freguesa que está a ler, a ler só para poder dizer, claro, que será um absurdo grande acreditar que alguém que se identifica com o partido o queira construir de novo, anulá-lo para edificá-lo. então a freguesa aqui interpreta que quer aprofundá-lo, ir-lhe às vísceras, para perceber o que será isso de ter direito ao futuro. e eis que, de repente, percebo outra coisa: que o foco não está no partido mas no governo, ou seja, o marinheiro não está, afinal, preocupado com a sua embarcação mas com o imprevisível mar, esse mar tragicamente adiado em ondas de hipotecas gigantes que deambulam pelo sonambulismo ininterrupto por culpa do governo fingidor e sem rumo. ora estamos perante um faroleiro, afinal, nadinha poético, os faróis têm de ser poéticos, olha que carago, ou não passarão de cimento ao alto que fazem alianças com sebosos racistas, xenófobos e populistas. falta saber se é mesmo disto que o partido é feito, e é preciso refundar, ou se, pelo contrário, navegar no estado de direito é preciso e, por isso, é preciso, recomeçar esfaqueando o passismo e o cheguismo – as duas caras da mesma moeda.

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