O estado decadente da direita portuguesa não suscita investigações, reflexões, desabafos ou tremeliques na comunicação social profissional – o que diz muito, ou tudo, dos poderes fácticos que moldam esse mesmo sistema. Nem mesmo quando essa direita decadente chega ao poder através de campanhas de ódio, conspirações judiciais, perseguições jornalísticas e golpadas belenenses – com isso arrastando o País para o seu período mais desgraçado desde o 25 de Abril – aparece alguém a sugerir que os protagonistas deveriam ser… como é que é mesmo a palavra?… ah, já me lembro… responsabilizados. O secular respeitinho que a oligarquia impõe numa sociedade de pobreza material e miséria cívica endémicas continua a ser muito bonito.
Nesta paisagem, Pedro Marques Lopes brilha à distância e ofusca os seus pares ideológicos. Não se conhece mais ninguém dos que deram o voto a Cavaco e Passos com o seu presente fervor na defesa do Estado de direito, da decência e da comunidade. Mais ninguém, é devastador. Não sendo (ainda?) um político partidário, a sua actividade profissional como comentador dá força aos pilares da democracia que são a inteligência e a coragem. Em simultâneo, essa atitude de tolerância zero para com as pulhices, venham de onde vierem, em nada o impede de promover a sua visão onde Portugal deveria ser governado à direita. Precisamente ao contrário: quão maior o carácter, maior a relevância.
Ora, este nosso amigo ainda tem mais para nos dar, como se ouve em dois brevíssimos espasmos:
No primeiro, rotula como desonestidade intelectual estar a repisar os idos de Março de 2011 pois a queda de Sócrates era inevitável naquele contexto. No segundo, dilui a acção de Cavaco recorrendo a Sócrates a propósito do tema Europa. Em qualquer dos casos, podemos e devemos dar-lhe razão – mas não a razão toda, e não a melhor das razões.
Se é verdade que não havia condições para a continuidade do Governo minoritário do PS após o discurso da tomada de posse de Cavaco e subsequente ataque do PSD ao PEC 4, e não havia, tal não impede que se comparem os cenários possíveis. E tal não impede que se avaliem as decisões tomadas pelos agentes políticos. E ainda, e mais decisivo para o que mais nos importa, tal não impede que se retirem ilações sobre o que não aconteceu e poderia ter acontecido. Aqueles poucos, raríssimos, que justamente não se calam a respeito do PEC 4 não estão em modo de birra, antes expõem abundante argumentário. A conclusão, para quem prezar a honestidade intelectual, só pode ser esta: não era uma fatalidade ter-se escolhido o pior dos caminhos para Portugal, esse desfecho nasceu pelo arbítrio de alguns. Já quanto à temática da Europa, e continuando nas boas práticas da honestidade intelectual, comparar o silenciamento de Cavaco, o qual estava ao serviço da diabolização de um primeiro-ministro, de um Governo e de um partido, com a suposta ausência da temática nos discursos de Sócrates (o qual ou ainda não tinha apanhado com as crises pela frente ou tinha especiais responsabilidade governativas que lhe condicionavam a expressão verbal) só se desculpa porque tu, Pedro, és mesmo um excelente rapaz.
O que estas notas permitem pensar é relevante para a compreensão da reacção de tantos. É que muita gente moralmente íntegra, e nada parva, aceitou dar o seu voto a um Cavaco que vinha com a Inventona de Belém nos braços e ao casal Passos-Relvas que vinha com o pote na cabeça. São fenómenos que nascem da peculiar constituição da natureza humana, onde a racionalidade é sempre secundária no páreo com a identidade. Porém, a construção da identidade é absolutamente racional, de uma racionalidade já inscrita na biologia. Logo, vale a pena dialogarmos a partir das nossas diferenças, e quem mais apostar na inteligência do interlocutor é quem mais terá a ganhar.
O que nos leva para o corolário supremo daqueles que estão apaixonados pela cidade: a luta continua – ou seja, seremos quem nos inventarmos.
brilhantes – os apontamentos em jeito de conclusão.
O que Pedro Marques Lopes alude é ao facto de o PS de José Sócrates, na altura do PEC-4, estar politicamente muito enfraquecido. Como se chegou a essa situação? Em primeiro lugar, como resultado da consolidação orçamental de 2005-2007, o Governo de José Sócrates hostilizou a importante base social de apoio que o PS tem no funcionalismo público; muito embora tenha conseguido, com isso, conquistar um importante espaço eleitoral ao centro-direita.
A política de austeridade de 2005-2007 — cujo alvo directo foi o funcionalismo público — resultou, é certo, da opção anterior de adesão ao euro. Havia a errada ideia de que o toda a sociedade portuguesa (excepto, como vimos, a FP) beneficiava com essa adesão. A verdade é que a adesão ao euro — nos moldes em que foi planeada por Cavaco Silva — levou a enormes perdas de competitividade da nossa economia e obrigou, desde Durão Barroso, à imposição de limites no crescimento da despesa pública. Mais ainda, por via das deslocalizações, Portugal perdeu na década de 2000-2010 muitos empregos na indústria e viu o desemprego começar a subir pela primeira vez desde a adesão à CEE.
Depois disso, a crise do subprime apanhou o país — economicamente falando — em situação vulnerável. A resposta foi, numa primeira fase, investimento público; mas, a partir de 2009, as ordens que vinham da Europa mudaram e passou-se aos PECs; e com isso o desemprego voltou a subir, o que levou a uma erosão da popularidade do Governo de José Sócrates. Como se havia optado, em 2009, por um governo minoritário, ficou-se à mercê de uma iniciativa de derrube por parte do PSD e de Cavaco Silva.
O PSD, que via como assustadora a penetração do PS no centro-direita, necessitava de derrubar Sócrates para poder disputar esse espaço eleitoral. Através de uma campanha eleitoral fraudulenta, o PSD de Passos Coelho conseguiu, em conjunto com o CDS, uma maioria parlamentar. Curiosamente, tem usado essa maioria não para consolidar o seu apoio junto do eleitorado do centro, mas para executar um programa neoliberal que nunca sufragou.
Há explicação cientifica e o autor é agora amigo do John Cleese.
http://youtu.be/7G_zSos8w_I