Aveiro Disconnection

Em qualquer democracia, a imputação de factos criminosos praticados pelo PM no exercício das suas funções é matéria de interesse público.

Paulo Pinto de Albuquerque

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Devemos fazer coro com os pulhas: o procurador e o juiz em Aveiro não são loucos, pelo que é inquestionável terem encontrado algo nas escutas a Sócrates que é do foro criminal, daí as certidões – logo, nós precisamos de saber o que se passou. Embora seja um infame sofisma, o argumento é inatacável. De facto, não é crível que os magistrados em Aveiro tenham enlouquecido aos pares, pelo que tem de existir uma racionalidade que justifique a tão grave decisão de imputar a um Primeiro-Ministro indícios de crime contra o Estado de direito. É neste ponto que os pulhas pretendem interromper o pensamento, apelando a que se faça o julgamento sumário do suspeito, com a consequente execução na praça pública.

Contudo, só ranhosos e imbecis vão na conversa dos pulhas. Há muito mais à espera de ser pensado. Por exemplo, os magistrados também sabiam que as escutas estavam a ocorrer num ano eleitoral, pelo que uma qualquer acusação a Sócrates poderia ter decisiva influência no resultado das três eleições, em especial nas Legislativas. Daqui se presume que terão sido ainda mais rigorosos, escrupulosos e cuidadosos, se tal fosse possível, do que normalmente. A esta exigência de fundamentação acrescia o inaudito melindre de se estar a suspeitar de um Primeiro-Ministro, situação original e inevitavelmente polémica pela complexidade jurídica e contaminação política inerentes. Finalmente, e adentro desta extraordinária situação, os magistrados estavam também cônscios das consequências de se atribuir relevância criminal a factos cuja ambiguidade material não garantiria plena evidência para terceiros.

Pois é. 3 semanas depois das eleições Europeias, 26 de Junho, chegavam a Pinto Monteiro as primeiras certidões que envolviam Sócrates. Diziam respeito a escutas ocorridas durante vários meses, as quais não tinham sido autorizadas pela única entidade com autoridade para tal: o Presidente do Supremo. Primeira conclusão: independentemente da existência de indícios criminais, o processo já se constituía como um imbróglio jurídico que, ele sim, atentava contra o Estado de direito. Segunda conclusão: a não haver relevância criminal, o processo constituía-se como manobra política, tendo em conta as suas consequências e a impossibilidade destas não terem sido previstas, medidas e pesadas.

Os mais assanhados no ataque a Sócrates através das escutas, como Pinto de Albuquerque ou Pedro Lomba, são especialistas em direito. Não se trata de um acaso, pois a armadilha em que apanharam o Primeiro-Ministro é obra de juristas. Trata-se de uma manobra que garantiria sempre um ganho para o atacante. No 1º cenário, Pinto Monteiro teria validado a suspeita e aberto processo-crime. Aqui, o PS teria perdido as eleições Legislativas para o PSD independentemente do desfecho do caso. No 2º cenário, Pinto Monteiro não validava a suspeita, mas seria obrigado a revelar as escutas, dessa forma conseguindo atingir-se Sócrates e provocar o seu afastamento do Governo ou extrema fragilidade política para Governo e PS.

O que defendo nesta reflexão é a tese de uma intencionalidade política na existência de escutas ilegais a um Primeiro-Ministro em ano com três eleições – escutas essas que estão sujeitas a fugas para a imprensa, partidos e particulares – e as quais permitiram uma exploração difamatória que chegou ao Parlamento pela voz da Presidente do maior partido da oposição. Os ataques sem vergonha a Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento, pelos publicistas do PSD, exibem um assanhamento ressabiado que só intensifica a hipótese. O sustentáculo dos meus raciocínios é exactamente o mesmo que os pulhas apregoam: os magistrados em Aveiro não estão loucos nem são parvos. Ora, os de Lisboa também não. E como estes desdizem os outros, e estes têm maior autoridade – logo, maior responsabilidade – do que os primeiros, só resta seguir o rasto dos beneficiários com a tramóia.

Pinto de Albuquerque, ao invocar o interesse público para destituir o Presidente do Supremo e o Procurador-Geral da sua tutela, tentando até à última que se exponha a intimidade de Sócrates, está a preparar o terreno para que estas casos se repitam. A fazer jurisprudência a possibilidade de se violar a privacidade do Primeiro-Ministro a partir de ilegalidades com chancela de um qualquer tribunal, tal levará a que um dia a devassa lhe toque a ele ou a alguém do seu partido, família, amizade, profissão ou negócio. Mas que todo o mal fosse esse.

13 thoughts on “Aveiro Disconnection”

  1. o ppa é militante activo do ppd e aquilo que faz actualmente é distorcer o direito para o usar no seu combate (à la ppereira) político. e isso cumpre inteiramente os objectivos de alguns como o semanário sol que faz caixas com a opinião do dito professor de direito (nunca identificado como militante ppd, não vão os leitores desconfiar).
    creio, pelo que ouvi no prós e contras, que a decisão inicial sobre as escutas ao sócrates é apenas da responsabilidade do delegado do ministério público de aveiro, não tendo o juiz nada a ver com isso. será mesmo assim? esclareçam-me…

  2. Mas há aqui uma maldade de base – o escutado não era o PM era o Armando Vara, o PM era apenas o interlocutor. Conheço um pouco do TRibunal de Menores desde 1993 o suficiente para saber que os TRibunais são feitos por pessoas, logo seres humanos com inclinações e partidos. Não me espanta muito embora me revolte também pelo seu ilícito pois num certo sentido transbordam do curso normal. Há aqui uma óbvia tentativa de derrube político atraves do judicial. E há-de haver sempre um comentador disposto a alinhar nesse coro. Mas ai de nós se tomássemos muito a sério os tais comentadores e não formássemos a nossa propria ideia. Seria o caos.

  3. A integridade:

    Não nego a minha origem, humilde, educado, sempre solicito com os meus deveres e obrigações. Julgava que eram predicados bastantes para uma vida correcta e de bom cidadão.

    Sei que acima de mim existem pessoas com mais saber e outras aptidões que lhe foram ensinadas nas escolas, liceus e universidades. O que tive foi a escola primária e a da vida. Aí tive de aprender à minha custa. Com as quedas que dei sempre me levantava pelo meu pé e tirava as ilações devidas.

    Mais tarde, mas muito mais tarde, é que tive oportunidade de fazer a sexta classe.
    Sou um curioso, gosto de ler, sei decifrar um texto, – em português, claro – gosto de escrever, aqui tenho mais dificuldades, mesmo assim arrisco, se não sei fazer a pontuação certa, os parágrafos, quem me lê que tenha paciência.

    O que nunca pensei é que quem tiver muitos estudos, bastantes doutoramentos, são os mais íntegros e verdadeiros, julgava que a integridade e a verdade não se alcançam, mas sim nascem com a pessoa. Ao ver grande parte de advogados – estes defendem interesses – e juízes – deviam defender o direito e não interesses como muitos se prestam – serem os paladinos da dessa dita integridade e verdade é que fico alarmado.

    Conheci alguns juízes por quem nutro uma certa simpatia, mas numa grande parte, vejo os seus interesses e os dos seus a estarem em primeiro lugar. E como o ditado diz: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro, ou não tem arte.

    Por tudo isto quando morrer e se houver encarnação quero nascer juiz.

  4. Bom dia Manuel Pacheco,
    Para que conste : um “canudo” é apenas um certificado de habilitações e não de inteligência, dizia um colaborador meu há anos.
    Eu acrescentaria e também não é de integridade.
    Um bom ano que agora começa.

  5. António P:

    Tenho experiência da vida. Lidei com pessoas que tinham canudos, mas experiência, sabedoria e algo mais, era uma miséria. Para resolução de qualquer problema vinham perguntar a quem tinha a escola da vida.

    &:

    Não queira ser polvo. Ainda lhe acontece como os que deram à costa nas praias de Vila Nova de Gaia. Os seus comentários são precisos para ver se levamos os nossos detractores para o bom caminho.

  6. Claro, Valupi! É por demais evidente, pelo menos para mim, que, em Aveiro, um qualquer (ou vários?) magistrado do MP, numa clara armadilha montada, tentou envolver Sócrates para influenciar os resultados eleitorais, afastando Sócrates. Vou mais longe: penso que as escutas a Vara mais não foram do que a peça necessária dessa armadilha, sabendo o(s) sabujo(s) do MP que Sócrates, como seu amigo de longa data, conversaria com ele. Nem de outra maneira se explica o espanto do próprio Vara com as suspeitas que sobre ele lançaram e o seu regresso ao BCP por nada de significativo lhe ter sido apontado. É claro que não contavam com a seriedade de Pinto Monteiro nem de Noronha do Nascimento, que desmontaram a armadilha.
    Tudo têm feito para atacar e envolver Sócrates em processos esquisitos com os quais ele nada tem a ver. Mas o facto é que não têm conseguido nada. O que me faz acreditar que há muita gente séria neste país. Agora, eu dou um conselho aos sabujos que dominam, neste momento, o PSD: por este caminho não vão lá, apenas se sujam cada vez mais…

  7. jantei polvo à lagareiro anteontem mas o que me levou lá é o azeite e as batatas, o polvo é conduto de mascar, mas de vez em quando marcha. Haja zimbro já que falta o sol, isso dos caminhos parece que há muitos e até acho bem…

  8. Num país em que um par de juízes diz que há indícios criminais e outro par de super-juízes diz o contrário, não há Estado de Direito. Há é duas facções do Poder a digladiar-se, tendo uma as costas quentes e outra as costas menos quentes.

    Sócrates tem as costas mais quentes por ser o capataz do BCE, BEI, FED.

    MFLeite tem as costas menos quentes porque representa os interesses de certa burguesia local que está a perder privilégios e assustada com a possibilidade de ter que deixar de fugir ao fisco (a empresa a pagar o carro e a gasolina da esposa e dos filhos do patrão, a piscina lá de casa feita com o lucro de um negócio, etc.). Daí e escândalo da lei do Código Contributivo.

  9. Concordo Val “…só ranhosos e imbecis vão na conversa dos pulhas” … agora adivinhe, quem é o pulha e quem é o ranhoso aqui.

  10. Vê-se logo quem é o ranhoso e o imbecil. Quem escolhe um nome destes, queria ser o quê? Pulha? Para isso, não podia ser imbecil.

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