O jugular é um blogue matriarcal. Para nossa sorte. As questões da igualdade de género, direitos das minorias, violência doméstica ― exemplos maiores de uma cidadania feminina, ou no feminino ― são tratadas com frequência, denodo e genuíno interesse. Noutros blogues políticos de topo não se encontra agenda culturalmente tão relevante, muito menos um elenco de qualidade similar para as mesmas questões. O que nos deixa num cenário blogosférico desolador, pois a congénita estupidez da rapaziada que reúne maiores audiências, seja à direita ou à esquerda, não faz avançar estas urgentes causas sociais, preferindo gastar munição na chicana, na infantilidade e nos delírios narcísicos. Ou pior. É, as mulheres fazem muita falta ->
na política, lugar ainda demasiado adverso para um cérebro de mulher, posto que espaço de poder ainda estruturado e preenchido pela tipologia conflitual do masculino. E se o belicismo não chegasse para justificar o afastamento, nalguns casos repulsa, as mulheres também sabem que a política está cheia de clones daquele marmanjo que tuitou em nome do Pedro Duarte. Há nos partidos e no debate político um cheiro a balneário que tresanda, até na esquerda mais à esquerda se tropeça em túbaros falantes. Heróicas são as que se expõem e lutam pela elevação da humanidade nesta arena, pois.
Pois, pois. Só que na melhor inteligência cai a imbecilidade. E nada como a religião, a Igreja e o Papa para a atrair, por causas até simples de entender. O episódio da declaração do Papa em África, numa resposta espontânea a um jornalista — e que a imprensa reduziu à mensagem Não se resolve o problema da sida com a distribuição de preservativos. Pelo contrário, o seu uso agrava o problema. — deixou o Jugular em alvoroço. Ana Matos Pires abriu as hostilidades com Isto é de uma irresponsabilidade sem nome, ultrapassa tudo o que é razoável. Fiquei cheio de curiosidade pela confiança inclusa na afirmação. Onde estaria a irresponsabilidade? Porquê sem nome? Que teria Bento XVI de dizer para que a Ana considerasse razoáveis as suas palavras? Fiquei a saber que o Papa tinha cometido a irresponsabilidade sem nome de não ter tirado o curso de medicina e andar por aí a falar como representante de uma religião. Seguiu-se a Palmira F. Silva, que elevou a parada: espanta não existirem (ainda) mais reacções oficiais no mesmo tom às afirmações, que classificaria de criminosas, de Bento XVI sobre o uso de preservativo poder agravar a epidemia de SIDA. Bati palmas, esperançado num qualquer acrescento de racionalidade. Se o Papa fazia afirmações criminosos, isso era porreiro. O gajo podia ser denunciado às autoridades, ir a tribunal, pagar indemnizações, ser preso; ou bem pior: pedir desculpa pelo que disse e jurar nunca mais repetir tais barbaridades em público. E foi, precisa e exclusivamente, isso que perguntei à prolixa Palmira, só para ser surpreendido com o seu mutismo. À primeira referência de estar a fugir à resposta com um sofisma, decretou amazónica que eu estava a desconversar e não mais dialogou. Sim, quanto à sua honestidade intelectual nesta matéria, estamos conversados. Depois voltou a Ana, com novos desenvolvimentos: Não esperava, do Papa, que defendesse o uso do preservativo, mas o mínimo que lhe é pedido é que não passe informação errada, que não minta – olha, que continue a não mencionar a dita palavra em público, por exemplo. O que temos neste passo é um grande avanço na descoberta do que está em causa: calar o Papa. E que acontece quando se pretende calar o Papa? Revela-se o desejo de calar a Igreja, calar a religião e calar, inevitavelmente, todo e qualquer discurso oriundo da alteridade. Justificação para esta monstruosa pretensão? Razões consideradas científicas, médicas. Hã?!… Adiante. Veio, finalmente, a Fernanda Câncio. Começou, em força, com a republicação do artigo no DN, um exercício de banal ignorância, a estéril repetição da leitura secular da doutrina religiosa, chegando às mecânicas e paralogistas indignações do anticlericalismo de sempre. E atingiu um ponto de não retorno, aquele onde se fica refém da singularidade donde já nem a luz escapa, com a resposta a uma falha que justamente lhe tinha sido apontada, tal como foi apontada a todos os pistoleiros anti-papais: as declarações infames tinham sido retiradas do contexto e, por isso, deturpadas.
Vamos ver o que está aqui a acontecer com atenção, porque a maleita é grave:
– Primeiro, o Papa não disse que o objecto preservativo agrava o problema. Espantosamente, muitos interpretaram assim as suas palavras. Espantosamente, repita-se, porque é preciso desligar 125% dos neurónios de modo a aceitar que o Papa iria pronunciar-se sobre aspectos inquestionáveis relativos ao desempenho protector do preservativo. Isso seria o completo descalabro do seu pontificado, desbaratando o já residual poder político e social da Igreja. Seria o equivalente a dizer que, afinal, o Sol é que se move à volta da Terra, como se pode ver todo o santo dia e não há teoria científica que altere o espectáculo. Mas admitamos, como hipótese de reflexão, que o indivíduo actualmente a desempenhar a função papal tinha, de facto, afirmado que o preservativo, independentemente de outros factores, agravava o problema — pelo que, conclusão inevitável, o melhor seria deixar de o usar. Bom, mesmo nesse caso, a Igreja continuaria inocente, pois não existe nenhum documento que o afirme, os discursos de todos os responsáveis doutrinários não o reproduzem, a mera lógica impede que se veicule tal mensagem. Contudo, o indivíduo a que chamam Papa poderia ter dito fosse o que fosse desse calibre e escândalo, dessa insanidade; talvez por erro de expressão, ou falha cognitiva, ou patologia neurológica, ou até por manigância do Diabo. À mesma, isso em nada poria em causa o corpo doutrinal da Igreja, o qual é obra de um colectivo, não estando refém das declarações avulsas de um indivíduo, mesmo que ele esteja no topo da hierarquia.
– Segundo, o Papa representa uma religião. E das duas uma: ou tem direito a ser um chefe religioso ou não o tem. Se tem, meus amigos, por favor, pelas vossas alminhas, respeitem esse estatuto, aceitem essa epistemologia e acertem essa hermenêutica. O que um chefe religioso diz, enquanto representante de um qualquer credo, só se compreende na relação com o sistema simbólico onde o seu discurso recolhe o significado e define o seu sentido. Estar a ler secularmente as declarações dos dignitários eclesiásticos, sejam eles quem forem, é um erro básico que se aceita uma vez, que se aceita dez vezes e que se aceita mil vezes. Aceita-se porque em todos nós existe um cérebro mágico, supersticioso, feroz. Mas depois das mil vezes fica outra coisa, chamada manipulação, má-fé, injustiça.
– Terceiro, o Papa é o Papa é o Papa. Qual o poder das suas palavras? Esta questão é a parte mais extraordinária do fenómeno anticlerical. Para se acusar Bento XVI de irresponsabilidade, barbaridade e crime faz-se uma relação de causa-efeito onde as suas declarações, fosse lá como fosse, iriam levar alguém a deixar de utilizar preservativo numa relação de risco. Os acusadores não chegam a explicar o processo que levaria a esse eventual acontecimento, bastando-lhes a relação sintáxica dos termos para alimentarem o fogaréu da indignação imaculada. Recusam-se mesmo a raciocinar, anulando os apelos ao mero bom-senso que atenda aos contextos — que atenda, por exemplo, à muito maior probabilidade, ou inevitabilidade, de que quem fosse tão cego ao ponto de seguir literalmente as palavras do Papa mais rapidamente estaria já a seguir os muito mais repetidos e insistentes apelos à castidade, abstinência, virgindade, matrimónio, fidelidade, responsabilidade, amor ao próximo e amor a Deus; qualquer destas noções em completa contradição com a interpretação lunática que levaria alguém para uma situação simultaneamente interdita religiosamente e de risco de contágio. Mas o pior não está aí, antes na negação de um outro tipo de evidências: já com mais de 20 anos em que esta acusação se faz à Igreja, onde estão os estudos epidemiológicos que provariam o nexo? Não há estudo algum, com tanta organização nacional e internacional escandalizada com a postura dos assassinos do Vaticano? Então, e que tal uma ranchada de casos? Também não? E que tal um só caso? É que basta um para podermos avançar com o que é necessário para fazer o maior escarcéu de sempre contra a posição da Igreja. Entretanto, fica-se a pensar que vocês, monumentos da racionalidade científica, imaginam que a D. Lurdes, sempre que o marido saí aos sábados à noite, lhe ajeita a camisa à porta e lhe diz preocupada Não te esqueças, Abílio: se resolveres ir às putas, nada de preservativo, porque o Santo Padre não quer. Tu vê lá, não ofendas a Igreja!, e que à porta das saunas gay estavam pancrácios com um rádio colado à orelha, os quais, ouvindo as declarações do Papa em África, de imediato se viraram para dentro das instalações e gritaram Pessoal! Toca a tirar os carapuços. O velhote lá resolveu falar sobre preservativos, o maluco, por isso agora é ao natural e fé em Deus!
Em conclusão, o problema não está na probidade dos que se revoltam contra a existência de uma religião onde se defende que a actividade sexual é um exclusivo do casal heterossexual monogâmico, fiel e utilizador de métodos anticoncepcionais que excluem o preservativo. Esses têm todo o direito a considerar indigna essa proposta de vida para si próprios, possuindo o poder absoluto de viverem sem qualquer filiação religiosa. Mas passam a oprimir os crentes, ordenados e leigos, quando lhes negam a liberdade de expressão e prática do seu idiossincrático regime moral. Então, porque do lado dos vencedores seculares, estes justos comportam-se exactamente como se comportaram os fiéis de séculos passados, inconscientes do seu etnocentrismo violento.
Meu caro,
Prefiro dez vezes um blogue matriarcal a um conjunto de neoliberais que assumiram como hobby atacar Jorge Sampaio, sendo o insulto de hoje considerá-lo anti-democrata.http://tinyurl.com/dgwwfz
Apelo mesmo à indignação,
Abraço.
Carlos Santos
Só tu Valupi! Confesso que vou ler amanhã com interesse, mas olha reparaste nas declarações ponderadas dos bispos de Viseu e do Porto? Confesso que não tenho aqui os links mas deixaram-me contente, ou seja renovaram-me a esperança na lucidez de quem sabe que a sua palavra influencia não só os crentes a quem toca directamente mas por efeito modal os comportamentos sociais dominantes. Para mim é uma questão de compaixão no sentido próprio do termo e fiquei agradavelmente surpreendido com esses bispos, até pela coragem. Bem hajam pois, não regateio apoio a ninguém quando acho que merece(m).
Então o que é que disse o Papa?
A OCDE fez um apelo inédito: que o Banco Central Europeu se deixe de manhas e combata a crise — http://tinyurl.com/cl4dft
O bispo de Viseu está a arriscar-se a ser valupendiado no Aspirina. Digo eu.
E eu que pensava que a jugular era no feminino (e não “o jugular”, como o Val diz). Tem a ver com veia, que é fêmea.
A tua defesa da declaração do papa já cheira mal. Desculpa lá a sinceridade.
Fala-me do bispo Ilídio Leandro, o de Viseu.
Um bom candidato a cardeal. Quem sabe se não a papa? Gosto da honestidade do homem.
Com borrachinha não dá jeito nenhum! e depois o cheiro a borracha queimada… parece que estamos numa corrida de F1.
Carlos Santos, ainda não me respondeste à pergunta do achincalhamento. Estás a falhar.
__
z, o bispo de Viseu disse aquilo que sempre se disse na Igreja, desde os anos 80. E, se porventura perdesses tempo a ler o que escrevi por aqui e no Jugular (não te aconselho esse gasto inútil de tempo, obviamente), verias que foi exactamente para essa posição que chamei a atenção: um cristão/católico responsável tem de usar preservativo numa relação de risco.
__
formigas, o Papa disse que o combate à SIDA é mais do foro da alteração dos comportamentos promíscuos e irresponsáveis, e menos do da mera distribuição de preservativos.
__
Nik, trata-se de um blogue, substantivo masculino. Quanto ao bispo de Viseu, e repetindo o que vai acima, tem ele toda a razão. Está meramente a ser fiel à doutrina, ao espírito e à responsabilidade que se espera de um católico, seja ele quem for. Quanto ao que te cheira mal, não puxa carroça. Tens no texto muito a que te agarrar, vou atribuir à pertinência dos argumentos aduzidos o teu silêncio argumentativo.
__
Manolo, mas não te esqueças que há muitas variedades de borrachinhas, algumas com valor acrescentado ou alternativo.
V (ou BÊ como diriamos aqui no Puooorto):
Recorda-me só o contexto e eu respondo.
Abraço,
Carlos
Sim, Valupi, eu sei que defendes essa posição, nunca imaginei que tivesses uma posição bronca e fundamentalista, e também sei que defendes a liberdade do Papa expressar as convicções teológicas e doutrinais lá da igreja dele. E tudo bem, só que como tais declarações atingem uma massa substancial de pessoas, os crentes directamente e depois por efeito mimético e modal os outros, onde me incluo, sinto-me no direito de ripostar quando me apetecer, felizmente vi que há aí uns bispos lúcidos e intervenientes, ainda bem.
Carlos Santos: nomeio-te supervisor oficial externo das reservas de ouro de Portugal, não te esqueças 13 é número simbólico.
As de diamantes olhava eu, mas não me deixam.
Tens razão, o Aspirina tb é masculino, embora seja palavra fêmea em português, não sei bem porquê. Porque acaba em ina, como garina? Na origem é Aspirin, o que seria macho, como galopim. ‘Vou tomar um aspirin’…
grego,
Nik,
Deste uma cambalhota com essa da Jugular e o Valupi nem reparou. Vai ao dicionário e depois podes sacudir o pó. Jugular é um adjectivo dos dois géneros, regional e anatómico, não um substantivo, como muito boa gente pensa. Dezincha-me essa veia.
matriarcal é a tua prima, ó coiso. ;)
Digamos que saiu uma asneira da Boca do Papa ( Outra geração …) … Mas tb n esquecer que os Missionários Católicos andam por lá – no terreno – a minimizar o sofrimento possível … isso é de reconhecer a valentia … Não conheço nenhama Organização de Intelectuais Laicos a enfrentar a dureza da vida no continente Africano como a sua batalha diária … Isso é um factor a ter em conta … ( Não Creio que Malta Missioária da Nova Geração negue o preservativo) … Vale.