Vamos imaginar que Jesus acha a Igreja Católica a religião mais fixe, dentre todas as que existem. E que ele voltava à Terra, vivinho da Silva. As boas gentes exclamariam coisas do género “Estás como novo, é divinal!” e “O mundo precisa é de um tipo igualzinho ti, um tipo realmente impecável, pá!”. Calhando a parusia ocorrer em finais de Dezembro, e havendo ainda uns dias livres antes do Juízo Final e suas drásticas alterações ao quotidiano, naturalmente o papa de plantão pediria a Jesus para ser ele a despachar a mensagem de Natal. Que diria Jesus? Pediria o fim das guerras e que nos tratássemos como irmãos? Contaria uma parábola nova? Limitava-se a abrir os braços, soltando um sorridente “Deixai vir a mim as criancinhas”?
Esta madrugada, ouvindo na rádio parte da missa do Galo e o noticiário religioso da quadra enquanto fatiava quilómetros até caselas, tive uma epifania a respeito. Sei o que Jesus diria na mensagem de Natal. Sei com certeza absoluta, infalível. Que era isto: "Pessoal, é óbvio que vocês estão muito interessados nas minhas ideias, e cheios de curiosidade para saber se tenho voz de locutor profissional ou de choninhas, mas eu não voltei à Terra para falar, venho para ouvir. Ora, quem aí na assistência é capaz de me explicar que um fulano passe décadas, ou uma vida inteira, a estudar e a repetir o que eu disse há dois mil anos, e depois abuse criminosamente das carências e fragilidades de outros que me procuram, ou então que encubra esses criminosos tornado-se cúmplice num tipo de crime especialmente violento pois destrói personalidades e os seus futuros? Que caralho se passa aqui, foda-se? Foda-se! Podem começar a falar."
Se o rema é criançinhas é capaz de aterrar em Israhell no meio dos judeus
Como costuma perguntar a carneirada americana, a ponto de ser hoje um ‘meme’, WWJD – What Would Jesus Do? O volupi acha que falaria da pedofilia da Igreja. Seria um tema interessante, mas, olhando para o estado do mundo após estes dois mil anos, creio que não faltariam temas.
E como lembra um artigo de hoje no Guardian, só celebramos o Natal e ainda falamos deste maltrapilho / hippie / comuna de existência duvidosa por uma fortuita alteração nas crenças dominantes há 1800 anos, possivelmente relacionada com uma peste – a de Cipriano – que rapidamente tornou um pequeno culto de alguns milhares na religião oficial do império, com milhões de fiéis / carneiros.
Porquê a mudança do paganismo para o cristianismo? Segundo o artigo, melhor marketing: os deuses romanos estavam-se nas tintas para o sofrimento ou para a vida pós-terrena do pessoal; Cristo pregava esperança, redenção e, nas imortais palavras de Black Adder, a few less fat bastards eating all the pie. Claro que esta mensagem vendia, e ainda vende, muito melhor. A malta aderiu.
Noutra nota positiva e de esperança, o NY Times – um dos maiores esgotos online da direita americana, republicana e trumpista – escrevia ontem assim: “Faith is at the core of American freedom — and losing it endangers us all”. Replica um dos comentários mais votados: “Who cares? Religion is nothing but made-up stuff designed to control people and take their money”. Eu não diria melhor.
“Who cares? Religion is nothing but made-up stuff designed to control people and take their money”. Eu não diria melhor.
Certamente.
“E que ele voltava à Terra, vivinho da Silva.”
Desculpe a correção, mas é Ele.
Segundo Ivan Fiodorovitch Karamazov Ele já voltou, a Sevilha.
“… Não há nada de mais sedutor para o homem do que o livre arbítrio, mas também nada de mais doloroso. E, em lugar de princípios sólidos que teriam tranquilizado para sempre a consciência humana, tu escolheste noções vagas, estranhas, enigmáticas, tudo quanto ultrapassa a força dos homens e com isso agiste como se não os amasses, tu, que vieras dar a tua vida por eles! Aumentaste a liberdade humana em vez de confiscá-la e assim impuseste para sempre ao ser moral os pavores dessa liberdade…”
“… o inquisidor cala-se, espera por um momento a resposta do prisioneiro. Seu silêncio pesa-lhe .O cativo escutou-o todo o tempo, fixando-o com seu olhar penetrante e calmo, visivelmente decidido a não lhe dar resposta. O velho queria que ele lhe dissesse alguma coisa, ainda mesmo que palavras amargas e terríveis. De repente, o prisioneiro aproxima-se em silêncio do nonagenário e beija-lhe os lábios exangues. É toda a sua resposta. O velho estremece, seus lábios tremem, vai à porta, abre-a e diz: “Vai-te e não voltes mais…nunca mais!” E deixa que ele se vá pelas trevas da cidade. O prisioneiro sai. — E o velho?— O beijo queima-lhe o coração, mas ele persiste na sua ideia”…”