Que o Herman perdeu por completo a graça, é notícia mais antiga do que o início das obras para a Expo 98. Mas ninguém (que eu saiba ou lembre) se preocupou em explicar o fenómeno ou em antever se tal perda é irreversível. Dada a importância do Herman na cultura nacional pós-25 de Abril, importa reflectir no que aconteceu e acontece a este marmanjão do entretenimento à portuguesa. Mas deixo o aviso: se durante a leitura te aperceberes de qualquer coisa assim a modos que estranha ali para os lados do Kosovo, pára imediatamente, mantém a calma e respira fundo (ou vice-versa), pega num pijama e duas latas de atum, dirige-te em passo de corrida para a sede do PSD mais próxima e aguarda instruções. Nada temas, a ajuda não demorará a chegar. Já foi tudo tratado com o Sr. Presidente da República.
Se 1975 anunciava a chegada de um cómico de talento superior, com o Sr. Feliz e Sr. Contente, 1980 consagra-o como uma novidade artística – após os sucessos musicais Saca o Saca-Rolhas e A Canção do Beijinho – n’O Passeio dos Alegres com o Tony Silva. Foi a primeira personagem humorística criada para o meio televisivo nacional e despertou universal paixão, pois reunia toda a sociedade numa só figura de síntese: o Portugal antigo a dar passagem ao Portugal moderno. Nunca tínhamos rido tanto e tão fundo, nesse processo que misturava, e conciliava, identificação e estranheza. Veio O Tal Canal, e com ele atingiu-se o apogeu dessa crítica social e antropológica começada no Tony Silva. Assistíamos à fulgurante definição de um novo paradigma humorístico, e televisivo, onde Portugal se unia à volta de um discurso vanguardista e de uma figura iconoclasta. Herman transformara-se na 1ª super-mega-hiper-estrela desta aldeola virada ao Atlântico, nem os futebolistas de então tinham sequer um centésimo da sua fama. Não conheci a popularidade do Raul Solnado nos anos 60, mas aposto que não é comparável ao que aconteceu com o Herman.