Mas que história, sr. historiador

A bem da higiene mental de muita e boa gente, a grande maioria dos artigos de opinião publicados no blogue com pretensões a jornal que dá pelo nome de Observador não está acessível sem pagamento. É uma bênção. Até porque confesso que a tentação de ir espreitar o que anda a dizer a ainda envergonhada “alt-right” cá do país é grande. Mas não faz bem. É como se eu pudesse ir espreitar o que se passa nas sessões da IURD – não me interessa, são pessoas voluntariamente alucinadas, é com elas, ficarei mal disposta, mas a alienação tem o seu fascínio. E online é fácil.

Fora do Observador, mesmo assim, também pontificam alguns indivíduos que poderiam ser seus agentes. Mas mergulhar ali é uma experiência, ainda que se faça apenas meio mergulho ou um oitavo de mergulho como eu. Aquela diversidade – desde padres que esmiúçam mesmo a sério a virgindade de uma lendária Maria e consideram com respeito os espermatozóides de um espírito, até humoristas espertalhões que descobriram a suposta graça da ignorância e a quem pagam porque há que contrariar a ideia de que o humor é da esquerda, ou “tias” que, de certeza, sabem estar – é altamente convergente na raiva aos socialistas. Quiçá por falta de assinantes de tão preciosos e coerentes conteúdos, resolveram agora ir pregar via rádio e então é só pedidos e links para que os ouçam. Talvez pelos ouvidos e à borla penetrem? Olhem, não. Pela parte que me toca, pelos ouvidos não. Só melodias. Além de que, para o efeito que procuro, chegam-me as três primeiras linhas de cada tese. Por exemplo:

 

Portugal não foi a Grécia graças a Passos Coelho.” Oh my God!

 

Não foram precisas três. Em apenas uma linha, o Rui Ramos, que não atina mesmo, conta-nos que o Passos fez não sei o quê de muito bom, como evitar que fôssemos a Grécia. Este historiador com um claro fraco talento para a actualidade (sei, porque houve um tempo em que não se pagava para o ler), é fã número um de sumidades como o ex-primeiro-ministro e muito amigo e admirador de Fátima Bonifácio e, com estes gostos, pretende ser o ideólogo, o intelectual, o propagandista da autêntica direita. É também do mais retorcido que há. E muito raivoso.

 

Quanto à Grécia actual, olhe, nada disso, dr. Ramos. Foi mesmo por culpa de Passos Coelho que Portugal entrou no clube dos “resgatados”, quando tinha tudo para escapar. Tinha até uma solução alternativa negociada com as instâncias europeias, BCE incluído, que não estavam nada interessadas em mais um fracasso na zona Euro (o segundo tinha sido a Irlanda). O que Passos fez foi algo tão brilhante como ceder à chantagem de Marco António Costa para derrubar o Governo, mandando Portugal para a fossa do resgate, aliás não considerado fossa nenhuma por alguns dos seus apoiantes, antes uma bem-aventurança, sob pena de ser corrido da liderança do partido. Mais: já depois de negociado o resgate e estando ele primeiro-ministro, o homem considerou os termos do dito demasiado brandos e, assumindo que o que andara a dizer na campanha eram puras mentiras, determinou que iria mais longe do que a Troica, cujo programa, disse, estava longe de ser uma cruz que carregava. O objectivo passou a ser afundar completamente o país, afugentar os “preguiçosos”, castigar os que ousaram pedir crédito, mais quem ganhava uns excessivos 1000 euros, fechar os pequenos comércios que eram coisa de falhados, desertificar as estradas, enfim, arrasar a economia e depois, alegadamente, recomeçar de novo com salários de 300 euros por mês, um sinal de enormíssima competitividade.

Ah e tal, mas mesmo assim não fomos três ou quatro vezes ao fundo como a Grécia. Não, um resgate chegou. Mas os pontos de partida eram diferentes. Se não fossem, não teria sequer sido aceite o tal acordo alternativo ao resgate, depois deitado fora.

Três observações quanto ao milagre de São Passos em não nos transformar na Grécia: 1. O que aconteceu à Grécia não foi por falta de cortes nem de sangria. Estes aconteceram e em doses cavalares. Tal e qual Passos fez, e com gosto. O problema foi que a situação era mesmo bem pior, começando por uma dívida externa estratosférica, contas aldrabadas há anos e anos com vista à entrada no clube do euro, péssimo funcionamento do aparelho fiscal, corrupção generalizada e situações de privilégio inteiramente absurdas na função pública e em determinadas classes profissionais. Isto à mistura com alguns preconceitos, claro. 2. O Vítor Gaspar, a grande estrela da primeira metade da legislatura, pisgou-se depois da sangria aos portugueses e veio mais tarde, já repimpado, fazer mea culpa pelos excessos da tal ida além da Troica (ele e outros colegas no FMI), o que prova que talvez o tal não-resgate tivesse sido mais avisado e menos massacrante. 3. A chamada “saída limpa” aconteceu porque o “cãozinho” levou um prémio, um belo osso por bom comportamento, como tinha que ser a bem da exibição de um caso de sucesso, mesmo que o aspecto limpo tenha sido conseguido à custa de deixar para o governo seguinte o problema dos bancos.

 

Enfim. Coisas engraçadas. O que se pode dizer com base numa linha. Parece que as outras versavam sobre como Rui Rio não é capaz de correr com a esquerda como a direita acabou de fazer na Grécia. Dr Ramos, não desespere. Mas com o Passos não vai lá.

3 thoughts on “Mas que história, sr. historiador”

  1. O ramos é rui!
    Uma geração de Historiadores que se deixa representar por um ramos, é uma geração (…).
    O ramos é um baboso…

    E. T.:
    «(…) muito bem escrito. Sobretudo o primeiro parágrafo» (for christ sake…).
    Mr. Lavoira, PLEASE!

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