Ir mais longe e enfim descansar (socratista, eu?!)

O pedido de “ajuda” externa, protelado até ao limite por José Sócrates pelas razões já conhecidas, que não vou aqui repetir, e acertadas, como em breve iremos sentir na pele, levou a que, na recente campanha eleitoral, os dois principais partidos utilizassem slogans diferentes, ou pelo menos frases marcantes, sobre essa matéria. Sócrates, lutando, mas frustrado com a falta de solidariedade europeia no combate à especulação financeira com os juros da dívida e a sentir a perda de soberania a aproximar-se, para grande gáudio dos seus opositores, optou por proclamar, chegadas as eleições, que as medidas da Troika não eram o mais importante e que, para austeridade, chegariam, como, aliás, já teria chegado o PEC IV. O programa de reformas do governo PS iria prosseguir nos restantes domínios, com as prioridades já traçadas. Não convenceu, obviamente. Ele próprio se sentia em conflito com o papel para que o empurraram.

O PSD escolheu outro slogan. Para ultrapassar a questão da efectiva perda de soberania (conhecida, mas nunca referida, claro), decidiu gritar, impante, que “iremos ainda mais longe do que as medidas da Troika”. Por um lado, era uma maneira de iludir a triste realidade e de iludir os outros. Por outro, do ponto de vista da psicologia de massas, é uma frase que resulta, porque pressupõe que a base de partida é positiva: o que nos impuseram em termos de políticas ainda não está à vista para ninguém, muito menos aplicado, não doendo nem deixando de doer; a imagem benéfica que nos levam a atribuir ao que aí vem podia, e ainda pode por mais alguns dias, ser explorada perfeitamente. Mais ou menos, é como dizer: “Vêem ali aquele solar antigo? Está em obras, mas há uns tempos que as mesmas não avançam! Observámos a sua degradação (“Aqui para nós”, segreda Relvas, “contribuímos até para ela, sabem? Bloqueámos as obras. Questão de baixar o preço de venda…” (leia-se vitória nas eleições)). A vista é deslumbrante, floresta até ao rio, jardins, fragrâncias mil. Pois dos alicerces ao telhado, vereis, tudo novo! Mas não nos ficaremos por aí! Haverá mais. Vão ficar surpreendidos.” (e nós logo a imaginar courts de ténis)

Se assim não vendessem cobertores, como os venderiam?

Bom, por estes dias, aguardamos com alguma ansiedade a tal surpresa, embora ainda não tenhamos visto sequer a mais pequena martelada no solar. Em Bruxelas, há dois dias, insistia Passos Coelho em que irão já ser tomadas, de imediato, medidas adicionais, prolongando o slogan da campanha. A tal surpresa, mais cedo do que o prometido? Excelente! Posso ir comprar as raquetes!

E quanto ao “Ir mais longe?” Segundo as teorias que animam por estes tempos o PSD, quase tudo no Estado pode ser dispensado. Os privados prestarão com muito mais eficácia e eficiência os serviços aos cidadãos e, sem a concorrência de empresas públicas, as privadas poderão enfim sentir-se livres para se organizar, criar empregos, exportar, vender cuidados de saúde, etc. Não é verdade que “empresas prósperas, trabalhadores felizes”? Pois é. Mais ou menos, dependendo dos salários, que por sua vez dependem dos que estão lá fora, sem emprego. O novo Ministro da Educação propõe mesmo que os exames nacionais sejam encomendados a privados, sem dúvida muito mais competentes e, a haver vários, mais baratos.

Ora, nessa óptica, poderiam ter começado melhor. Ir mais longe, muito mais longe, logo no governo, por exemplo. Para quê ministros e secretários de estado pagos pelo orçamento de Estado? Consideremos os vários sectores da economia – Energia, Banca, Indústria Transformadora, Agricultura – e dos serviços – Justiça, Educação, Saúde. O primeiro-ministro eleito reunia as diversas empresas de cada ramo, através das suas associações representativas. Não precisaria sequer de estar presente. O objectivo último já todos sabem qual é. Cada associação elegia então um decisor que representasse os seus interesses e definisse as políticas mais convenientes, pagava-lhe bom salário e teríamos o país governado. Revista a Constituição, o mesmo valeria para os serviços – privatizados, entregues. Restaria o ministro das Finanças para cobrar os impostos, de preferência baixos para as empresas. Passos poderia então ir dormir descansado para Massamá. Ser primeiro-ministro não é mesmo a profissão ideal?

16 thoughts on “Ir mais longe e enfim descansar (socratista, eu?!)”

  1. De facto, e como várias vezes foi referido pelo próprio, Sócrates foi apanhado numa tempestade perfeita, não podendo transformar chumbo em ouro – apesar de quase o ter conseguido com o PEC4 e aquilo que parecia um acordo europeu decisivo para proteger Portugal da especulação.

    Bem-vinda à montra do estabelecimento, Penélope!

  2. se problema está na crise, a solução está no relvax. soluções imobiliárias.
    jardins do solar, condomínio com piscina e courts em fase de comercialização.

  3. Mais uma ressabiada! Com tantos conhecimentos, podias ter sido conselheira do Sócrates, ou não te lembraste? Não tinhas que gramar agora o Coelho. Não precisas, sequer, de caçadeira, os teus textos substituem-na muito bem!

  4. “Ser primeiro-ministro não é mesmo a profissão ideal?”
    No caso vertente, ou vertido, como se queira, pode mesmo dizer-se que é, além desse desígnio ideal, “a profissão liberal”.
    Parabéns, pelas premissias textuais.
    Muitos…e tão bons quanto este, são os desejos deste paciente adicto de Aspirina GR 100mg, na vida real e, na bloga, desta B, “que não mata, mas alivia”.

  5. Parabéns pela Excelente análise, cara Penélope!

    Apenas acrescentaria duas nuances, um tanto ou quanto maquiavélicas, admito… Relvas & Companhia estavam interessados em baixar o valor de mercado da “casa” (Portugal e os seus principais serviços públicos), não apenas para ganharem as eleições, mas também para, depois, a poderem vender a preço de saldo aos privados que os apoiaram (grupos de comunicação social, hiper-merceeiros, etc)…

    Segunda nuance: o cenário que colocas no teu último parágrafo (Primeiro Ministro a descansar com Associações Representativas a governar) pode ser bastante mais real do que se imagina – o caso dos supostos convites a Isabel Vaz, gestora da Espírito Santo Saúde para o Ministério da Saúde ((que a mesma terá recusado), ou, entretanto, a Almeida Henriques, ex-Presidente do Conselho Empresarial do Centro, para a Secretaria de Estado da Economia, dão que pensar… Vamos esperar pela lista completa dos Secretários de Estado para ver o que sucede na agricultura, na energia, ou na educação…

  6. Deixemo-nos de coisas; a malta que levou o Passos Coelho e o e o Mr. submarine man ao poder nem um segundo (a sexagégima parte do minuto) pensou no que bem esplanado está aqui.
    Ainda hoje quando já está demonstrado como o PSD foi levado ao colo, continuam sem saber o que verdadeiramente se passou, e daí nem sequer terem de pensar que existe , PORQUE EXISTE uma máquina muito bem montada e que o chamado socratismo deixou andar em roda livre.
    O Morais Sarmento e sus muchachos da altura agora são considerados meninos do coro no controle da informação.
    Aliás uma especie de chavismo de luvas brancas que sabemos existir num certo palácio à beira tejo plantado, por enquanto ainda só se deixou mostrar a quem está interessado ver.
    Nunca mais começa a guerra dos donos da bola, desculpem da informação, e nessa altura vamos ver a cara dos vendidos ou obrigados a clamarem ,aí sim pela liberdade de “informação” .
    Por enquanto ainda só é guuerra de quem tem mais mercado de pub. ou shares mas a fase seguinte vai ser interessante , só falta escolher a cor das camisolas com que vão andar nas manif que agora tanto andam interessados a mostrar ao povo para ver como seguir os exemplos lá de fora.

  7. não está mal visto , não senhor. sobretudo tendo em conta que tudo o que foi dirigido pelo estado resultou em graves desequilibrios… pois foi , desde a cenita da educação ( tudo doutor desempregado , canalizador não há ) até às políticas agrícolas e pacientes mortos que continuam a tomar remédios.
    deixem-nos em paz e tomem conta dos ministérios da justiça e administração interna . só esses , que o das forças armadas também pode ir pelo ralo: inimigos à vista , para combater com armas , não há.

  8. Obrigada a todos. Valupi, Vega, Manuel e todos os demais. Também a quem não gostou. Haja quem nos lembre que a bola lançada não deixou todos os mecos de pé…

  9. Parabéns, Penélope, entraste com o pé direito (ou devo dizer esquerdo?) :)

    Esse slogan, ou promessa, de ir ainda mais longe do que o exigido pela Troika é, para além de tudo o que dizes, de uma arrogância extraordinária. E prova também que a falta de solidariedade entre os estados da União Europeia não se verifica só entre os mais e os menos poderosos. Podemos não ser a Grécia nem a Irlanda, mas por caminhos diferentes fomos parar ao mesmo sítio: pedido de resgate.
    E com este tipo de afirmações a verdade é que o Governo português, sem fazer ideia de como as coisas correrão por cá, está a passar um atestado de incompetência aos seus parceiros que se encontram na mesma situação. Ainda por cima, contradizem-se porque não se cansam de dizer que nos esperam tempos muito difíceis, pois, ouvindo estas promessas, não parece.

    Que pensarão os governos grego e irlandês quando ouvem os recém empossados governantes portugueses dizerem que farão tudo o que eles não conseguiram e ainda mais, que se tornarão o caso de sucesso da Europa?

    Num próximo encontro entre chefes de Estado, podem sempre perguntar: ‘se é assim tão simples implementar as medidas e as reformas impostas pela Troika, por que esperaram os portugueses que tal lhes fosse imposto? E, já agora, por que razão os mercados não se impressionaram com tal promessa?’

  10. Obrigada, Guida. Belo comentário. É justamente pelo que dizes que eu acho que são proclamações propagandísticas, de conteúdo impossível de testar de momento, só por isso podendo ser proferidas, mas que buscam um efeito, vá lá, de virilidade. Em suma, balelas, eventualmente para mercados ouvirem. Mas, para estes, Passos vem de carrinho…

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