As coisas que nunca importa dizer

I – A superficialidade politiqueira

Marcelo Rebelo de Sousa, sempre analisando a atividade política do ponto de vista dos ganhos e perdas para (a popularidade d)o Governo, mas nunca para os portugueses, afirmou ontem, referindo-se ao Ministro das Finanças:

Eu sempre disse que Vítor Gaspar era uma mais-valia, mas acho que começa a ser… é, uma patente menos-valia do Governo. Era uma mais-valia por causa do prestígio externo”, contudo, “os erros e o discurso que faz internamente são de tal forma desastrosos que não compensa o que tem de prestígio externo”, adiantou.

“Acho que é um problema do Governo e acho que findas as [eleições] autárquicas o primeiro-ministro tem de pensar mesmo” em substituir o responsável pelas Finanças “se não é um problema excessivo do Governo.

A preocupação de Marcelo é, portanto, o bom ou o mau nome que Gaspar dá ao Governo. Além disso, como não podia deixar de ser, preocupa-o também o problema do “discurso”, uma desculpa já gasta, e dos erros, do tipo “o homem engana-se muito”. Quanto às consequências concretas das suas opções para o país, zero. Não é isso que importa. Siga a festa.

II – Cheiro a mofo e histórias da carochinha aplicadas à economia

João César das Neves devia deixar-se de análises económicas e ir pregar para um púlpito. Aí, contaria com a benevolência de muitos. Assim, é uma vergonha.

Diz-nos JCN hoje no DN que o Estado é “amigo do alheio”, o que significa que anda a usar o dinheiro dos outros para alegadamente sustentar a sua vida de luxo. Suspiramos, rimo-nos, envergonhamo-nos ou atiramo-lo ao lago?

“Quando o Orçamento do Estado lida com cerca de metade do que o país tem, há mesmo muita gente a viver de dinheiro alheio.”

Não sei bem qual a ideia desta afirmação, potencialmente falsa, mas contam-nos pessoas bem informadas que o papel do Estado é redistribuir parte da riqueza produzida por um país, quer sob a forma de prestações sociais, quer de reformas, quer de serviços. É isto o Estado social –verbas de todos, em escalas progressivas, para todos. O peso das despesas do Estado em percentagem do PIB já foi quantificado e é inferior à média europeia. Quando não havia Estado social e apenas os ricos tinham direito e acesso a cuidados médicos, boa educação e reformas na velhice, o Estado, de facto, não gastava praticamente um tostão. Será isso que Neves pretende?
O Estado terá sempre de lidar com o dinheiro alheio. Não há país que não o faça, assim como não há país que não se endivide. Todos os Estados gerem dinheiro alheio. As dívidas dos países europeus antes da crise de 2008 eram dinheiro alheio e perfeitamente sustentáveis. Deixaram de o ser face ao aumento especulativo das taxas de juro e às falências, que fizeram cair as receitas e aumentar as prestações sociais. Portugal só não gere o seu próprio dinheiro porque pertence ao clube da moeda única e não tem liberdade para utilizar os instrumentos tradicionais de combate às crises, nem possibilidades de imprimir moeda. Mas também nada disso importa. O que importa é escamotear tudo isto e centrar a prédica na moral. Nem sei porque não veio à baila o demónio e as suas tentações.

“A União Europeia trouxe novos cambiantes ao processo, permitindo viver de dinheiro longínquo. É incrível que tantas pessoas se sintam com direito à riqueza de regiões que nunca viram nem conheceram. Se o capital nacional fosse para longe, ficariam horrorizadas, mas acham normal exigir uma parte da fartura alemã.”

Ninguém aqui se sente com direito a nada. Não é assim que as coisas funcionam na economia. Se as regiões ricas não quiserem emprestar dinheiro às mais pobres, podem não o fazer, mas duvido que tal seja do seu interesse. Assim como foi do interesse alemão a criação da moeda única e os fluxos de capitais do norte para o sul, fonte da tal “riqueza dessas regiões nunca vistas”, assim também é agora do interesse alemão a manutenção da austeridade nos países do sul e as consequentes transferências inversas de capitais e poupanças do sul para os seus bancos (sim, horrorizamo-nos). A bancarrota dos Estados do sul e a sua saída do euro poriam a Alemanha em muitos maus lençóis. Segundo estudos, em péssimos lençóis. Estamos todos ligados. Mas isto que importa a JCN?

“O paroxismo do processo surgiu com a globalização de capitais, que permite usar dinheiro de desconhecidos. Em si mesmo, o crédito não significa obter fundos alheios, pois pagaremos amanhã o que gastamos hoje. Mas numa crise financeira como a actual, há fortes probabilidades de nunca se pagar, o que muda tudo.”

Ainda bem que, afinal, JCN reconhece que o crédito não são fundos alheios e que nós pagaríamos – evidente que pagaríamos, se nos cobrassem juros decentes, se tivesse sido posto um travão à especulação na altura certa e se tivéssemos instrumentos próprios para gerir a nossa crise interna. Tal não foi feito por razões já conhecidas. Mas, é claro, nada disto importa. E sim, se deves um milhão ao banco, é o banco que tem um problema.

O púlpito, please. Histórias destas, carregadas de moral pacóvia, precisam do enquadramento apropriado.

6 thoughts on “As coisas que nunca importa dizer”

  1. “…contam-nos pessoas bem informadas que o papel do Estado é redistribuir parte da riqueza produzida por um país, quer sob a forma de prestações sociais, quer de reformas, quer de serviços. É isto o Estado social –verbas de todos, em escalas progressivas, para todos.”

    É muito triste ver um Cristão que não percebe isto.

    Mas, reconhecer num fulano destes um Cristão, só pode ser um equívico.

  2. não devemos perder tempo com gajos vindo da catolica!como é possivel vermos estes tipos a rezar uma avé maria ao sair de casa,mas pelos vistos sómente para não serem atropelados,a pensarem desta forma.portugal para estes catolicos de merda tem que funcionar a base da caridadezinha sempre que lhes apeteça.que os pariu.

  3. I – É mesmo isso, Penélope: “siga a festa” (e venham ver os palhaços…)!

    II – Tanta desinformação, tanta manipulação, tanta hipocrisia e tanto sarcasmo bafiento não merecem uma palavra de comentário. Este escriba não passa de um sapateiro a tocar rabecão, um vendedor do “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, um autêntico “bate-chapa” das consciências, pensando que é um arrombador de cofres intelectuais… Quem não o topar, que o compre. Comigo, está ele bem arrumado, no arquivo de plástico redondo.

  4. jpferra,

    não sei, mas o “senhor” é conselheiro de estado, é capaz de dar um processozito qualquer.
    Eu não expermentava, só lhe aumentava o estrelato, que é do que ele se alimenta…dá-lhe fome.

  5. Sendo João César das Neves um professor economista, é um descrédito (para si próprio) vir dizer que 50% da riqueza do país é colectada em impostos. Desses 50% é preciso descontar os impostos directos (IRS) e indirectos (IVA, ISP, IMI, etc) sobre os rendimentos dos pensionistas e dos funcionários públicos, e que devolvem rendimentos (auferidos do Estado) ao Estado por via fiscal. O montante efectivamente retirado ao PIB pelo Estado é de cerca de 30%.

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