Um livro por semana 134

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«Lábio cortado» de Rui Almeida

Sabe-se (Erich Fromm) que o homem é o único animal para quem a própria existência é um problema do qual não pode fugir e que só ele pode solucionar pois só ele pode aborrecer-se, ficar descontente e sentir-se expulso do Paraíso. Este livro de Rui Almeida venceu o Prémio Manuel Alegre 2008 da Câmara Municipal de Águeda e reflecte sobre essa circunstância: «O homem que se olha ao espelho sabe / que vai morrer. Não sabe quando ou como / mas reconhece a finitude da vida / – da sua vida, de cada vida.»

Poeta jovem (n. 1972, Lisboa) Rui Almeida sabe que o corte («É o lábio cortado que molha o ventre») pode ser lido em sentidos vários – desde um corte real provocado pela escaramuça de um quotidiano de luta e hostilidade ao corte figurado entre duas maneiras de fazer poesia. De um lado a canção; do outro a reflexão. Sem esquecer a filosofia à volta do poema enquanto objecto: «À pequena raiz do poema / chega a memória como um centro / Algo mais do que o ruído metódico das sílabas / e desaba paulatinamente na mão / que molda a frase, pousada na caligrafia.»

Num primeiro livro o poeta fala sempre de si: «Esta coisa de estar parado a assistir a nada / consciente da cor de cada objecto à minha frente / enquanto a visibilidade se fecha dentro de um candeeiro». Um poema regista a violência como banalidade («Quando o mundo nos entra com violência / para dentro do peito soluçamos») mas outro poema já advoga o encontro e o amor: «Tudo será dito sem memória nem futuro / Sujeito à solidão das vagas / Porque só as pessoas se amam».

(Editora: Livro do Dia, Capa: Inês Ramos, Nota apresentação: Paulo Sucena)

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