Perplexidades de deus

Tinha jurado a mim mesmo que o não iria maçar com a tal opiniãozinha. Por uma questão de pudor. Mas quando larguei a obra, entrou-me na cidadela uma suspeita, por alguma porta da traição.
Deixou-me num desalento. Com a compostura da forma, com a pertinência do tema, com a estrutura bizarra, com o hibridismo do género, com o título duvidoso. Senti-me um aprendiz de feiticeiro. De modo que agarrei no manuscrito e fui meter-lho na mão.
Para meu conforto só restava uma certeza. A de que ao sétimo dia Deus não dormira a sesta, como dizem. Antes se foi à fala com o diabo, a ver se estava em ordem o correr dos rios, a fúria das ventanias. A ver se batiam certas as dunas e as marés, a tirar alguma pinga do telhado. E a perguntar que nome dar àquilo.
Jorge Carvalheira

5 thoughts on “Perplexidades de deus”

  1. Meu Caro Jorge
    Talvez Deus e o Diabo já tenham discutido então o que fazer com o padre Júlio, ou o padre Vicente, ou este Abade de Moreira (que não tem nada que ver com a tua Moreira de Rei, mas com a de Cónegos, que é menos nobre.)
    Isto é uma cena real de uns jogos de Canas de que fala Frutuoso. Tenho pena de o espaço não convidar a transcrever um conto sobre o episódio, que compus há um par de meses.
    “Muitos eram os cavaleiros que usavam mais do que um cavalo, porque a luta lhes exigia um grande esforço. Havia arranques e paragens constantes e corridas com mudança de direcção em ângulos apertados, numa espécie de bailado para fugir ao ataque dos adversários ou para tentar apanhá-los desprotegidos. Nesse jogo de canas houve um episódio que serve para perceber como, por vezes, essa simples diversão poderia tornar-se numa luta perigosa. Esteve ali presente o Abade de Moreira, que viveu alguns anos na Ribeira Grande, exímio na arte de cavalgar e de jogar as canas. Lutador incansável, levou consigo dois cavalos. Um dos adversários com quem lutou foi D. Manuel da Câmara, filho do Capitão, a quem atirou uma cana certeira que o moço defendeu com a adarga. A mãe, D. Filipa Coutinha, exaltou-se muito, considerando que o filho tinha direito a tratamento semelhante ao de El-Rei, a quem as canas não deviam visar o vulto mas ser lançadas por cima da cabeça. E, no seu destempero, gritou que matassem o abade. Este, homem forte e truculento, pegou num dardo e respondeu que viessem matá-lo, mas que antes deixaria ali cinco ou seis caídos para sempre. Mais sensato, Rui Gonçalves da Câmara entendeu que o filho não tinha direito a isenções, e mandou ao abade que lhe atirasse outra cana.”

  2. Deus sentou-se à minha beira
    E disse

    Por acaso não tem horas que me diga

    São 17:42
    Respondi alegre olhando o canto do monitor

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