ilusos lusos

Um dos melhores blogues portugueses (por mais bem feitos, mais úteis) é este, de nome atormentado: Letratura, de Helder Guegués. (O patronímico é inabitual, mas o possuidor é portuguesíssimo). Nesse blogue se examina e comenta o nosso idioma com erudição, com gosto, com leveza.

Um dos últimos temas é a súbita florescência em jornais do vocábulo lusos a designar os portugueses.

Devo dizer que já o tinha advertido num programa de televisão. E suponho – com um faro que cada vez menos se engana – ser o uso provindo de média espanhóis, onde, para variar com «los portugueses», frequentemente se nos chama «los lusos».

Se isto tiver vindo «desde España», temo que venha para ficar. Mas, para a nossa já deprimida auto-imagem, é arrepiante que passemos a designar-nos – mesmo só para variar – com um nome que o grande vizinho nos arranjou. Teremos de aceitar que se nos trate por «los lusos». Mas é pataratice copiá-lo, e dizer também «os lusos» de nós próprios.

Terei de dizer, uma e outra vez, que admiro profundamente a Espanha? E terei de dizer, outra e outra vez, que isso casa bem com uma infinita desconfiança da sua percepção a nosso respeito? E com uma viva repulsa por este tipo de sugestões?

8 thoughts on “ilusos lusos”

  1. Valupi,

    Há pertinência na tua pergunta. Pois bem: o que me encanita na alcunha é a sua absolutidade. Explico-me.

    A alusão mitológica (a um incerto Luso) já está presente no adjectivo. Assim, fala-se das «armas lusas», dos «feitos lusos». Já é o que é: passável. Eu próprio o usei aqui ou ali, de raspão.

    Em «os lusos», a mitologia torna-se substantiva. Atinge-me em cheio. E eu não aprecio ver-me incluído numa horda de seres meio inexistentes.

    Um uso moderado, de preferência com um sorriso de entendimento, não me faria mossa. Simplesmente, os médias espanhóis usam-no assiduamente quando falam de nós. Para 8.560 «os lusos», há no Google 18.700 «los lusos». Eles são mais, é certo. Também não falam de nós assim tantas vezes. Só que, quando o fazem, dá-lhes logo para aquilo.

    E é esse hábito estilístico que nós estamos começando a fazer nosso. Dóceis como sempre. Dóceis e parvos. Também quase sempre.

  2. eh pá Fernando, eu acho que não faz mal, a água do luso é magnífica, embora parece que tens aí uma costela moura que fica ofendida, será?

    eu noutro dia tive vergonha de perguntar, mas pergunto agora, aquele ‘grande ledisse’ que deu ao nosso primeiro, a menos de D. Garcia, quando estava a olhar o Cristo, deve ser coisa peganhenta, não?

  3. (e altamente radioactiva, como publicitavam as garrafas velhinhas da tal água do luso…. mas melhor que a beber é mergulhar numa piscina cheia dela, é assim como que o leite de burra dos nossos tempos.)

    Fernando,

    Não fazia ideia de onde vinha o Luso, mas confesso que ser identificada com uma personagem mitológico não me desagrada. Foram os espanhóis que nos crismaram? Também não vejo nisso problema, já que raramente o nome é escolhido pelo próprio, mas por quem precisa de o chamar. A mim não me dava jeito nenhum decidir que, afinal, o nome que me deram não é o meu e atender o telefone a dizer Camélia quando do outro lado perguntam pela Ernesta.

  4. Fernando, muito obrigado. Claro, os lusitanos terão tanto a ver com os portugueses como os romanos e os mouros – ou ainda menos. Mas tendo em conta que Portugal é, em parte substantiva, Camões, não adianta bater no pai.

    Dito isto, também não gosto que os espanhóis nos chamem nomes. Mas olha só o que os de cá fizeram aos de cá, com a inconsciência dos “tugas”?…

  5. Camões teve a crítica feroz de José Agostinho de Macedo por ter inventado “lusíadas” como nome da gente. E parece que Vénus e Luso se entendiam bem lá nas suas cortes celestes. Mas, entre ser lusitano e romano, prefiro ser romano, que pelo menos eram uns brutos mais civilizados. E por que não visigodos? E por que raio não somente portugueses?

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