«“Coitada!”, comenta uma colega da juíza que vai dirigir o julgamento de José Sócrates e restantes arguidos da Operação Marquês, lamentando a sorte de Susana Seca, a quem calhou, aos 52 anos de idade, “o processo que ninguém queria que lhe calhasse”.»
Operação Marquês: a juíza que ficou com o processo que ninguém queria
Neste artigo de 2 de Julho, a jornalista dá o maior destaque ao reconhecimento de ser unânime, entre os magistrados judiciais, o sentimento de aversão a ter de julgar a Operação Marquês. Naturalmente, a peça de Ana Henriques não gerou o mínimo sobressalto, sequer a mais leve curiosidade, no editorialismo e no comentariado; muito menos no sistema partidário. No entanto, porém, contudo, tal constatação leva-nos para os fenómenos do Entroncamento. Pela histórica razão de nos terem enfiado a mioleira ao longo de anos, se não forem décadas, numa tanga que implicava precisamente o oposto — que todo e qualquer juiz adoraria julgar Sócrates para lhe dar a indefensável, inevitável, inapelável, já transitada em julgado na indústria da calúnia, condenação exemplar. Como explicar que agora andem a fugir da glória corporativa e popular de enjaular o monstro?
A Operação Marquês contém indícios que justificam, sem margem para qualquer dúvida, a abertura de uma investigação judicial a Sócrates. O problema não é esse, porque não o ter investigado seria uma gravíssima falha das autoridades. O problema vem da decisão, tomada por Joana Marques Vidal sob influência directa de Passos e Cavaco, de transformar a Operação Marquês num processo político. A partir daí, houve magistrados a cometer crimes para se atingirem os objectivos principais de um ataque com alvos a abater: assassinato de carácter, diabolização máxima, domínio totalitário dos meios de comunicação, ecologia institucional de coerção sobre qualquer juiz que viesse a intervir no processo. A melhor ilustração do que se pretendeu fazer — e que se alcançou com sucesso quase completo — pode ser dada recorrendo a Marques Mendes. Este conselheiro de Estado escolhido por Marcelo, nessa condição, usufruindo de antena aberta na SIC, em múltiplas ocasiões verbalizou que a Operação Marquês estava a investigar, no fundo, um grupo de indivíduos que tinham montado uma rede que lhes permitiu roubarem, durante anos e anos, colossais quantidades de dinheiro a partir de posições cimeiras no Estado. Ou seja, PS. A fantasia afrodisíaca de que os Governos de Sócrates não passavam de máquinas de corrupção, em que todas as decisões tomadas só tinham essa causa e finalidade, pode ter sido espalhada pela Cofina e pelo Pacheco Pereira (entre muitos outros, claro), e logo a partir do Face Oculta, mas foi consagrada pelas mais gradas figuras do regime por palavras e silêncios. Até o PS de Seguro e de Costa contribuiu para isso, por incrível que possa parecer aos ingénuos. O regime é cúmplice.
O pauzinho na engrenagem deste esquema chama-se Ivo Rosa. Nunca, nem de perto nem de longe, se viram em Portugal campanhas de ataque mediático e político a um juiz como se fizeram a Ivo Rosa — ainda antes de sequer começar a analisar o processo. Se tivesse sido Carlos Alexandre a fazer a instrução, o que o Ministério Público tinha escarrapachado seria o que ele assinaria por baixo. Ivo Rosa desmontou a acusação, e explicou com detalhe geométrico onde e como essa acusação era um logro. Recebeu aplausos pela sua incrível coragem? O editorialismo e o comentariado abafaram a racionalidade e fundamentação do seu argumentário, voltaram a atacar o juiz e entraram em desespero. Porque num processo político só a destruição do alvo tem sentido, é um jogo de soma nula. Sócrates tinha de ser condenado por corrupção, e receber uma condenação à Vara, voltar à prisão. Para que a mácula no PS jamais pudesse ser apagada. Passaria a ser oficialmente o partido do maior corrupto da história portuguesa.
Irá Susana Seco dar esse êxtase à pulharia? Ou optará por fazer justiça? Iremos perceber sessão a sessão.