Marchas e Tronos

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Corria o ano de 1932 quando foram incluídas nas festividades em louvor de Santo António as “marchas populares”, com desfiles colectivos dos moradores de cada bairro da capital, ao som de músicas alegres, a obedecer, tal como as letras, os trajos dos marchantes e a própria ornamentação dos arcos enfeitados com balões, a um tema alusivo – histórico ou referente às características de cada bairro.

Poder-se-á dizer que a ideia foi apenas retomada em novos moldes, ou seja, (re)criada e (re)construída como criação lúdica de um espectáculo de rua, adoptado depois pelo povo reunido nas colectividades de recreio dos bairros da capital, que torna as marchas num símbolo festivo, popular e urbano e um dos pontos altos das festividades lisboetas, tal como então foram concebidas e hoje as conhecemos.

Soledade Martinho Costa
Festas e Tradições Portuguesas


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Mais remotamente exibia-se já a chamada Marche aux Flambeaux, adaptada da tradição francesa, popularmente designada por “Marcha ao Flambó”, organizada por cada bairro, mercado ou local onde se festejasse Santo António, formada por pequenos grupos (trinta a quarenta participantes), que desfilavam sem grande aparato de apresentação ou de coreografia, geralmente dirigidos por um ensaiador que os orientava utilizando um apito, exibindo-se os marchantes, preferencialmente, “às portas e em frente das janelas dos Paços Reais, dos palácios da nobreza ou das casas ricas”.

Nesse ano de 1932 foi instituído um prémio para a melhor marcha, tendo concorrido apenas três bairros de Lisboa: Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique. Outros três limitaram-se a participar: Alcântara, Alfama e Madragoa. Dois anos depois concorreram doze bairros. A ideia estava lançada e bem aceite por toda a cidade, tornando-se as marchas na maior manifestação etnográfica dos festejos a Santo António, com os desfiles e exibições habituais na Avenida da Liberdade e Parque Eduardo VII.

Quanto aos tradicionais tronos ou altares de Santo António, que se erguem pelas ruas dos bairros populares de Lisboa, num qualquer recanto ou à porta de casa, são, geralmente, da autoria das crianças.

Armados num banco baixo ou em degraus feitos de caixas ou caixotes, forrados com um pano branco, ostentam no degrau cimeiro a imagem do santo, quase sempre em barro. O resto, são os enfeites de papel colorido, as flores, as velas, os vasinhos de manjerico, as figurinhas e os pequenos objectos (alusivos ou não), dispostos ao gosto de cada um – embora sejam erigidos ao santo altares ou tronos mais elaborados e de maiores dimensões em lugares públicos, símbolo da devoção popular dos moradores de cada rua, ou pátio dos bairros antigos de Lisboa.

Junto dos tronos as crianças pediam antigamente a quem passava: “cinco reizinhos para a cera de Santo António”, valor monetário substituído, entretanto, pelo “tostãozinho”, a dar lugar, por sua vez, à frase actual e mais facultativa “dê qualquer coisinha para o Santo António”.

Em épocas recuadas, este peditório era feito nos domingos de Maio, prolongando-se até ao dia da celebração do santo. Eram também as crianças que outrora anunciavam o início dos festejos em corridas pelas ruas da cidade soprando os pequenos “rouxinóis” (apitos de barro com várias formas, alguns representando figuras humanas ou animais, ainda hoje vendidos, sobretudo, nas romarias do norte).

No que respeita à primitiva capela em louvor de Santo António, terá sido edificada no local da casa onde nasceu o santo, sacralizada logo após a sua canonização. Por volta de 1495, D. João II, em cumprimento de promessa, pretende construir na capela um oratório público, de modo a que os devotos pudessem efectuar ali as suas orações. Devido à sua morte, essa incumbência passa para D. Manuel I, que manda proceder à demolição da capela, construindo no seu lugar a Real Casa e Igreja de Santo António, arrasada depois pelo terramoto de 1755.

Destruída a igreja, o povo apressou-se a contribuir para a reconstrução do templo, erguendo altares ou tronos pela cidade, numa manifestação pública da sua devoção, conseguindo com as esmolas obtidas um contributo importante para a reedificação da igreja dedicada ao santo – a que se juntaram os “reizinhos” pedidos pelas crianças de Lisboa, daí resultando que não mais se perdesse a tradição dos populares tronos de Santo António.

Santo António de Lisboa ou Santo António de Pádua (por ter vivido e pregado nesta cidade de Itália), morre a 13 de Junho de 1231 no Convento de Arcella, em Camposampiero, constituindo a sua canonização, a 30 de Maio do ano seguinte, a mais rápida da história da Igreja.

Soledade Martinho Costa
Festas e Tradições Portuguesas
Vol. V, Círculo de Leitores.

7 thoughts on “Marchas e Tronos”

  1. Responso:

    Ó meu rico santantoninho,
    Ò monte Calvário subistes,
    Três palavras da Virgem ouvistes:
    «António! António! António!
    Volta atrás,
    O Filho de Deus encontrarás,
    Três coisas Lhe pedirás:
    O vivo guardado,
    O perdido achado,
    O esquecido lembrado.
    ______________

    Outro responso:

    Santo António milagroso,
    Cheio de luz divinal,
    Em Belém foste nascido,
    De Lisboa natural.

    Eu vos peço, meu santo bendito, pelo hábito que vestiste, pelo cordão que cingiste, pelas alpergatas que calçaste, pela rosa que resgastaste, pelas três missas que disseste por alma de vosso pai, mãe, tia e madrinha Maria Dias, vos peço, meu padre Santo António, me descubra nas vozes do povo o que desejo de alcançar [a Ota e o Costa]

    «Santo António, ouvi, Santo António, pedi, Santo António, rogai, Santo António, despachai!»

    (Etnografia Portuguesa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Volume IX, Lisboa, 1985, págs.480 e 481)

  2. Das 34 páginas que, neste volume V, dedico a Santo António, aqui fica outro responso (pág. 98), recolhido na serra de Montemuro. Há um segundo (pág. 77, recolhido em Trás-os-Montes), mas convém não abusar…Curiosamente, nenhum deles é igual:

    «Santo António de Lisboa,
    que em Lisboa fostes nado,
    em casa de Santa Paula criado,
    vós de manhã vos levantastes,
    vossas santas mãos lavastes,
    vosso caminho andastes,
    vosso livrinho perdestes;
    Cristo achou e nele se sentou,
    três coisas vos pediu:
    vivo parado esquecido lembrado
    e o perdido achado;
    em louvor de Santo António
    permita aparecer…
    (Madeleine e todas as crianças raptadas
    para prazer dos pedófilos)
    e a nós que nos livre da tentação do inimigo.
    Pai-nosso, ave-maria»

    (Diz a crença popular, “se quem reza o responso se enganar, é sinal de que aquilo que procura não aparecerá.)

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