Arquivo da Categoria: Soledade Martinho Costa

Às portas de Beirute

Sob um céu sem cor onde o anil
se perde a procurar-se entre o assombro
e a terra chora o pão que aborta em sangue
na boca onde resistem orações
as crianças adormecem de mãos dadas.

Sem o sono sereno dos infantes
mas sim o dos horrores que as acalentam
pelas noites de gritos e destroços
das cidades fantasmas e dementes.

As crianças que juntas desconhecem
os brinquedos e as princesas dos castelos
mas que trocam entre si a descoberta
do fel que veste os corpos combatentes.

As crianças proibidas de sonhar
o longínquo retiro das estrelas
não o das balas que os corpos arrefecem
e colocam nos seus olhos as respostas
às perguntas que não sabem soletrar.

As crianças que respiram os segundos
no choro sufocado do seu medo
como se a dor infligida resgatasse
das horas o pavor do fumo espesso.

As crianças que juntas aguardam
não a dança do vento nos trigais
nem o perfume que se oferece nos lilases
mas apenas a certeza de acordarem
a madrugada que não sabem se amanhece.

As crianças que nascem e decoram
as partículas do lume e a silhueta
das aves de aço que silvam nos espaços
sobre os seus ninhos de mortos e de escombros.

As crianças condenadas que contestam
braços pendentes e lágrimas no rosto
que se fale de paz e que no Mundo
sob o peso deposto nos seus ombros
o Homem se recuse a ser poeta
quando todas as crianças são poemas.

Soledade Martinho Costa

Ainda «Um jornalista desastrado»

Divulgamos uma carta do jornalista Hernâni de Carvalho dirigida a Soledade Martinho Costa a propósito do post de 12 de Maio desta última no Aspirina. Segue-se a resposta da autora.

Sra Dona SoledadeAconselharam-me a ler as letras que me dedicou. E aqui estou. Se de facto viu o programa da Júlia Pinheiro, devo dizer-lhe que terá, no mínimo, percebido várias coisas mal. Certamente por falta de capacidade de comunicação da minha parte. Afasto-me das incorrecções que aqui pôs na minha boca para lhe garantir que não acredito que a mova contra mim algum rancor. Nunca tinha ouvido falar na sua existência. Coisa de que lhe peço desculpa.
Em verdade, o tempo ajuda. Hoje, ao contrário do que se fazia crer há 2 meses, percebe-se que:
1 – os pais não foram inspeccionar os 3 meninos que abandonaram na casa;
2 – os pais estavam bem-dispostos num bar a mais de 50 metros da casa onde deixaram os meninos;
3 – do bar não se vislumbra a casa onde os Macann deixaram os 3 meninos;
4 – os pais rejeitaram os serviços que o hotel põe à disposição para acompanhamento de crianças;
5 – este comportamento dos Macann é crime em Inglaterra;
6 – poderia avançar com mais esclarecimentos, mas reconheço (tal como diz no seu simpático texto) que sou desastrado. Tão desastrado que, por muito que aqui viesse explicar, estou convicto, a senhora iria encontrar de novo coisas que eu não disse. E a culpa seria de novo minha.
Peço-lhe desculpa por não entender os exemplos que me deixou no texto (a culpa é de novo minha) e aproveito para lhe dizer que nunca tive dinheiro para ter casa, com piscina e muito menos no Algarve. De facto, eu sou mesmo doutros lugares a vários níveis. Peço-lhe desculpa pelo incómodo e agradeço-lhe a atenção.
PS. Não é meu hábito intrometer-me nestas conversas e comentários. Mas como a Júlia Pinheiro é aqui acusada de ter feito uma má escolha (ao convidar-me para o seu programa), entendo ser da mais elementar justiça vir aqui pedir desculpas à Júlia Pinheiro e agradecer à Dona Soledade ter-me apelidado de prata da casa. É bom sinal e fico orgulhoso disso.

Hernâni Carvalho

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As calças de ganga de Rui Veloso

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Passei o serão a assistir ao espectáculo das “Novas 7 Maravilhas de Portugal e do Mundo”. Consegui chegar até ao início do fogo-de artifício – coisa sempre muito apreciada e que não pode faltar no encerramento das nossas ancestrais festividades. Depois, fui dormir, que muito aguentei eu.

É claro que assisti a ambas as votações. Mas não votei. Nem nas maravilhas de cá nem das de lá. Se todas elas são maravilhas, de que merecia a pena escolher 7 de lá e 7 de cá!? Foi essa a conclusão a que cheguei e não estou nada arrependida. Arrependida, estou, sim, das expectativas que, ingenuamente, criei.

Soledade Martinho Costa

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«Carícias quentes», ou também há derrotas nas canções

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Dulce Pontes abrirá com José Carreras, no próximo dia 7, o espectáculo das «7 Maravilhas do Mundo». É uma vitória. Mas, em 1996, quando Roberto Faenza veio a Lisboa rodar «Afirma Pereira», Dulce Pontes sofreu uma derrota amarga. Mastroianni visitou Amália Rodrigues e convidou-a a cantar o tema que Morricone tinha escrito para o genérico do filme. Amália estava doente e recusou. O convite foi parar a Dulce Pontes que aceitou, mas torceu o nariz ao poema de F. de Melis e E. Scoles. Percebe-se porquê:

Lua que brilha branca
Na manhã a descobrir
Sobre o mercado
Dos melões de ouro
Curiosa espreita
As casas cor-de-rosa
À procura do nosso tesouro
O segredo a descobrir
Está fechado em nós
O tesouro brilha aqui
Encanta o coração
Mas está escondido
Nas palavras
E nas mãos ardentes
Na doçura de chorar
Nas carícias quentes

No brilho azul do ar uma gaivota
No mar branco
Da espuma sonoro
Curiosa espreita as velas
Cor-de-rosa
À procura do nosso tesouro

O segredo a descobrir
Está fechado em nós (…)

A brisa brinca
Como uma gazela
Sobre a torre branca
E a Rua do Ouro
Curiosa espreita a fenda da janela
À procura do nosso tesouro

Dulce pediu a uma amiga que comparecesse na editora Moviplay onde, na presença do seu «manager» e de Dick Van Dick, lhe entregou a cassete com a música executada por Morricone ao piano. Horas depois o poema estava feito. Assim:

É sobre o oiro das areias
É sobre este sal
Que tece a renda às ondas
Que à noite o canto das sereias
Traz junto de mim
Esta tristeza, tanta
Quanto mais amo
Sinto a voz da cidade
Flor da cor azul do mar
Mais recordo a luz
Que veste o teu olhar
Muito mais eu tenho
A certeza de ser
Por ti a prisioneira
Que se deixa à solta

E olho os pombos nos telhados
Invento no cais
Regressos de faluas
Desvendo feitos ancorados
De homens sem data
A darem nome às ruas

Quanto mais amo
Sinto a voz da cidade (…)

E os búzios
Cobrem-se de prata
Entoam comigo
O canto das sereias
Quando anoitece no meu peito
E a lua embala o sono das areias

Canção gravada num domingo à noite, logo na segunda-feira de manhã se providencia o envio para Itália. Mas de lá veio a decepção. Havia compromissos e os autores italianos eram amigos de António Tabucchi e de Roberto Faenza. Nada a fazer. Dulce Pontes não conseguiu impor a sua vontade.

Nota final: a autora do poema «vencido» é Soledade Martinho Costa que tem aparecido no Aspirina B. O Mundo é pequeno…

O QUINTAL DA FESTA

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As festas populares em louvor de São Pedro obedecem às mesmas características das festas de Santo António e de São João: marchas, fogueiras, ruas enfeitadas, sardinha assada, etc. Festividades a servir de remate aos festejos em louvor dos santos populares, que se prolongam, em alguns lugares, por todo o mês de Junho.

Dos rituais que lhe são dedicados, refira-se a festiva e popular «Coroação de São Pedro», em Viana do Castelo, consumada na imagem de granito que ladeia a porta da fachada da Igreja de São Domingos. Consiste o antigo cerimonial em florir o arco do nicho onde se encontra a imagem com um outro de madeira revestido de hortênsias, colocar uma coroa das mesmas flores na cabeça do santo e um ramo na mão que segura a chave.

Soledade Martinho Costa

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Cascatas e alhos-porros

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Cascata de São João
do site portodailyphoto.blogspot.com

Em tempos idos, tal como hoje, os moradores dos bairros populares do Porto organizavam-se em comissões, para angariarem donativos, que revertiam para as despesas destinadas a enfeitar as ruas do seu bairro em homenagem ao Santo Precursor.
Festejou-se, entretanto, o São João da Corujeira, de Cedofeita, da Lapa (inicialmente o mais burguês), do Bonfim e do Palácio de Cristal (o eleito dos namorados) – supostamente, sendo em Cedofeita que o povo se reunia primitivamente para festejar o santo, com actos religiosos e pagãos (bailaricos, descantes, bombos e violas).
Já referenciados no século XIV, os festejos mudaram-se depois unicamente para a Lapa e o Bonfim, locais onde o São João, por volta de 1834, era festejado com a maior animação popular.
Nas Fontainhas, por esses anos, começou por se fazer uma «cascata», que criou fama, dando origem a que se deslocassem ali diversos grupos – as rusgas – com roupas festivas, cantos e balões dependurados em ramos, numa afluência de gente ida de todos os cantos do Porto para se divertir e comemorar o santo.
Havia também o hábito de servir café quente, aguardente e aletria. Tanto bastou para que o povo (ainda por isso) acorresse às Fontainhas, aproveitando igualmente para lavar o rosto numa fonte existente no local, antes de nascer o Sol no dia 24, a manter a tradição da água benta, propiciatória e purificadora.
Nos mercados do Anjo (hoje Praça de Lisboa) e do Bulhão era grande a procura das plantas e ervas sagradas e profilácticas (procura que se mantém), principalmente do indispensável «alho-porro» ou «alho de São João», para com ele bater na cabeça de quem passa, num desejo ritual de boa sorte e de fortuna – desde os anos sessenta com o martelinho de plástico colorido a substituir a tradição da planta sagrada, que muitos, felizmente, teimam em levar à festa, no desejo de conservar a antiga praxe (atitude que o santo não deixará, por certo, de ter em conta).
Actualmente (recuperado que foi o São João em 1924, após vários anos em que não se realizou), diz-se que “tudo começa e acaba na Ribeira”, estendendo-se às praias da Foz e à Boavista. Todavia, parece ser no Bonfim que se concentra a maior parte do povo e se faz a grande festa são-joanina portuense, embora os pequenos arraiais dos bairros se espalhem por toda a cidade: Massarelos, Vilar, Miragaia, Entre-Quintas, São Pedro de Azevedo, Cantareira, Terreiro da Catedral, São Nicolau, Bairro da Sé, Cais da Estiva, etc., com ornamentações e iluminações festivas, tasquinhas de comes e bebes, fogueiras e bailaricos, num São João popular, folião, de convívio e alegria.
Por épocas mais antigas o São João no Porto contava já com iluminações e ornamentações nas ruas, música, descantes e danças, barracas de petiscos, diversões de todo o género, marchas dos bairros populares, colchas nas janelas, grandes ramos de carvalho encostados às casas ao longo das ruas, o chão coberto de juncos, espadanas, alecrim, rosmaninho e outras plantas aromáticas (que perfumavam a cidade, como acontece actualmente, ao juntarem-se às fogueiras) e o fogo-de-artifício, ou «fogo-de-São João», lançado da serra do Pilar (Cova da Onça), agora visto da Ribeira, lançado à meia-noite de 23 para 24 nas margens do rio Douro, junto da Ponte D. Luís.
Dos costumes antigos, nenhum se perdeu. Ganhou-se, isso sim, em 1911 o feriado municipal do Porto, instituído no dia de São João.
Quanto aos altares ao Santo Precursor, continuam também a armar-se dentro das igrejas, constituindo as imagens de São João Baptista, espalhadas em número considerável pelas igrejas do Porto, algumas de grande qualidade artística, assim como as preciosas pinturas onde ressalta a figura do santo, um património de valor inestimável.
As pequenas «cascatas» são-joaneiras, que povoam a cidade (com origem provável nos presépios), são erguidas num qualquer recanto, junto de uma parede, no passeio público ou nas soleiras das portas, geralmente pelas crianças. Embora surjam as «cascatas» mecânicas ou de grandes dimensões (por vezes monumentais), como a do Lordelo do Ouro, entre outras. Todavia, a mais importante, conhecida e tradicional é, sem dúvida, a da Alameda das Fontainhas, erguida, anualmente, há perto de setenta anos na fonte ali existente.
Outra alegoria a merecer a atenção dos Portuenses e de quem visita o Porto no São João, é a que se ergue ao cimo da Avenida dos Aliados, por deliberação da Câmara Municipal, frente aos Paços do Concelho, com São João a baptizar Jesus Cristo.
As tradicionais «cascatas» – sinónimo de água, alusiva ao rio Jordão – com a figura do santo em lugar de destaque, incluem uma imensidade de enfeites e de figurinhas de barro, fabricadas outrora (como hoje), principalmente, em Avintes e Barcelos, pelos artistas oleiros dessas localidades.
Os manjares cerimoniais desta data continuam a ser o caldo-verde com broa e o carneiro ou anho assado. Se bem que a sardinha assada acompanhada com broa e salada de pimentos constitua o prato mais popular da noite da festa. A sobremesa recai no leite-creme queimado.
Depois disso, manda a tradição que se beba o café com leite (a lembrar o antigo café servido nas Fontainhas) e saboreie o pão com manteiga – sem esquecer as «orvalhadas», que obrigam a que ninguém se deite antes de apanhar o orvalho bento «para ser feliz e ter saúde o resto do ano».
Devoção popular feita de alegria contagiante, a Festa de São João no Porto há quem a considere única no Mundo.

Soledade Martinho Costa
Festas e Tradições Portuguesas, vol. V
Ed. Círculo de Leitores

Noite dos Prodígios

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Enquanto nos centros urbanos as celebrações a São João desde sempre se limitaram aos festejos ornamentais e à diversão, nos meios rurais as festividades cíclicas em honra do Santo Precursor – por ter vindo anunciar a chegada do Messias – assentavam, predominantemente, em práticas divinatórias e propiciatórias relacionadas com rituais mágico-profilácticos associados ao Sol, às plantas, ao fogo, ao orvalho e à água das fontes, dos rios e do mar, invariavelmente em benefício do amor, do casamento, da felicidade, da beleza, da saúde ou da prevenção da doença.

Soledade Martinho Costa
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A TRADIÇÃO DA FESTA

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Das festividades em honra de Santo António, realizadas em Lisboa no século XVII, as touradas e o teatro eram considerados os divertimentos de maior agrado popular, com “verdadeiras multidões a deslocarem-se ao Rossio e ao Terreiro do Paço”, onde decorria o arraial e a feira e se armavam os palanques de madeira para a Tourada de Santo António, efectuada, ao que parece, desde os finais do século XVI, primeiro no Terreiro do Paço e depois no Rossio.

Anteriormente, as celebrações restringiam-se aos importantes actos litúrgicos, passando depois a comportar manifestações como a tourada e outros divertimentos: cavalhadas, música, danças, pantominas e fogo-de-artifício – festejos que contavam com grande adesão popular e que cessaram após o terramoto de 1755.

Soledade Martinho Costa
Festas e Tradições Portuguesas

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Marchas e Tronos

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Corria o ano de 1932 quando foram incluídas nas festividades em louvor de Santo António as “marchas populares”, com desfiles colectivos dos moradores de cada bairro da capital, ao som de músicas alegres, a obedecer, tal como as letras, os trajos dos marchantes e a própria ornamentação dos arcos enfeitados com balões, a um tema alusivo – histórico ou referente às características de cada bairro.

Poder-se-á dizer que a ideia foi apenas retomada em novos moldes, ou seja, (re)criada e (re)construída como criação lúdica de um espectáculo de rua, adoptado depois pelo povo reunido nas colectividades de recreio dos bairros da capital, que torna as marchas num símbolo festivo, popular e urbano e um dos pontos altos das festividades lisboetas, tal como então foram concebidas e hoje as conhecemos.

Soledade Martinho Costa
Festas e Tradições Portuguesas

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UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM: AS CASAS

Nas planícies, socalcos e outeiros, desabrocham as orvalhinhas cor-de-rosa e brancas; as ervilhacas roxas e amarelas; as corriolas lilases, em forma de sino; o cebolo bravo, de espigões de um roxo esmaecido; as calcinhas de cuco, indecisas entre o cor-de-rosa e o lilás e os pregos de ouro, amarelos, como o metal precioso.
E o vento, gira que gira, numa roda-viva, de repente, vai esmorecendo, vai esmorecendo, vai calando a fala. Até que deixa de se ouvir. O vento está a meditar. E a seara de trigo, lá em baixo, torna-se então plana como uma estrada aberta.
Tanta beleza por esses campos a perder de vista… E um perfume raro a respirar na aragem. São ramos das mais belas flores. Mas as casas… Ah, as casas, são as flores mais bonitas da paisagem!
Aqui e além, repousam na paisagem verde. Que verde é a paisagem e o aroma. Umas, meninas traquinas empoleiradas no cimo dos montes. Menos destemida, outras, aconchegadas nas várzeas que as viram nascer.
Velhas de pedras de muitos anos. Tantos, que se perdem na memória dos olhos. Na lembrança daqueles que as habitam e que por elas sentem um amor que vem da lonjura do tempo.
Casas baixas, caiadas de branco. Gratas por terem vivido tanto e por tanta coisa terem visto. É por isso que as casas sabem sempre muitas histórias. Que guardam dentro de si como um livro.
Alegres umas, tristes outras. Histórias que fazem com que as casas possuam vida própria. E mágica. Construída de muitas vidas e de muitas histórias.
Mas a vida das casas também é feita de esperança. Assente no desejo de se manterem intactas e amadas.
Em troca, oferecem a dedicação de serem o abrigo, o tecto daqueles que por si são amados. Nada mais pedem. A não ser, ainda, que a saudade, um dia, venha morar no coração dos homens.

Soledade Martinho Costa

UM JORNALISTA DESASTRADO

O drama que atingiu a família inglesa de férias no Algarve devido ao desaparecimento da sua filha Madeleine, de três anos de idade, levou o jornalista Hernâni Carvalho a fazer alguns comentários sobre o assunto no programa “As tardes da Júlia” (Júlia Pinheiro) na TVI.

O jornalista começou por referir “a taxa de desemprego que se verifica no Algarve”. Estaria Hernâni Carvalho a referir-se ao nosso Algarve? Pelos vistos, não.

Soledade Martinho Costa

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«Retraimento»

RetraimentoÉ urgente
Que escreva este poema
E que te diga, mãe
Muito obrigada.

Assim
Sem frases de ternura
Rebuscada
Apenas
A teus pés agradecida
E ajoelhada.

E a olhar os teus olhos
Que me olham
Com enlevo
Com carinho
E devoção
Mais uma coisa, mãe
Peço perdão.

Pois muito embora
Venha a pensar depois
Que foi tolice
As palavras de amor
Que te neguei
Foi por vergonha, mãe
Que não tas disse.

Soledade Martinho Costa

«15 Poemas do Sol e da Cal». Uma Leitura

Paisagem e povoamento em «15 Poemas do Sol e da Cal»
de Soledade Martinho Costa

Cada poeta retira da realidade a sua realidade – isto é, denuncia, no modo como se apropria da paisagem geográfica e humana, o sistema ou processo que preside à construção de sua realidade poética.
Enquanto outros poetas usam o teatro, povoando os seus poemas de protagonistas e mantendo a geografia como cenário, Soledade Martinho Costa, por seu lado, elege a pintura como sistema e articula nos seus poemas (como num quadro) a água, o sol, o vento, as cores, a fauna, a flora, a paisagem, enfim…
Quem esqueceu os protagonistas dos poemas de Manuel da Fonseca – a Nena, o António Valmorim, o Senhor António, o Francisco Charrua, o Zé Gaio, o Julinho, o Zé Jacinto, o Manel da Água, a Marianita ou a Maria Campaniça?
Quem esqueceu os protagonistas dos poemas de García Lorca – a Preciosa, o Juan António, a Soledad Montoya, a Anunciacion de los Reyes, o António Torres Herédia, o Pedro Domecq ou a Rosa la de los Camborios?
Para Soledade Martinho Costa cada poema é um quadro, uma paisagem que, pese embora o povoamento permanente (os mendigos, os pastores, os ganhões, a fiandeira, o artesão) tem como produto final a terra seca e atormentada – ela sim eleita personagem última do poema.

José do Carmo Francisco

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ALARMISTAS OU OPORTUNISTAS?

De vez em quando lá estou eu, sem quase dar por isso, a ler os “chamativos” títulos das capas das revistas portuguesas, que se avolumam nos escaparates, sempre que encontram um cantinho disponível: nos hipermercados, estrategicamente dispostas junto às caixas registadoras; nos postos de abastecimento de combustíveis; nos quiosques; nas chamadas tabacarias ou casas dos jornais; nos passeios (sempre apelativas), em cima das mesas dos cafés (aqui, mais os jornais) …
Sem falar nos lugares onde as “revistas à portuguesa” não se encontram à venda, pela simples razão de que já foram adquiridas. É isso. Ali estão elas à mão de quem espera a sua vez nos cabeleireiros, nas esteticistas, nos consultórios médicos, etc.
Por fim, temos as amigas ou familiares, que não resistiram à tentação da compra, e que, gentilmente, nos dizem: “Eu já li, se quiseres, leva…”
Por vezes, levamos…Também, se não levássemos, como poderia eu, agora, escrever este texto?

Soledade Martinho Costa

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Não há bela(s) sem senão(s) II

Pegando numa outra ponta da meada, ou seja, na sequência do meu texto anterior, gostaria de acrescentar que a senhora ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, sugeriu, referindo-se ao programa em causa, “A Bela e o Mestre”, da TVI, “que a Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres (CIDM) deveria ter uma palavra a dizer sobre o assunto”.

E assim foi. Inspirada nas palavras da ministra, a Comissão informou “estar a preparar uma queixa junto da Entidade Reguladora”, por achar “inadmissível nos dias que correm haver um programa deste tipo”. Mais. “Programa que desconstrói todo o trabalho que tem sido feito no sentido de promover a igualdade de oportunidades e acabar com a discriminação com base no género.”. E a presidente do CIDM, Elza Pais, acrescenta: “O nosso objectivo é claro: fazer com que o programa seja suspenso.”

Será, pergunto eu? Ou todo este burburinho não acabará, isso sim, em benefício (ou publicidade) ao reality show, acima citado? É bom lembrar que as audiências são sempre o que mais interessa aos canais…
Minhas caras senhoras (e com todo o respeito), as “belas” foram, por acaso, obrigadas a concorrer? Não. As “belas” ficam, por acaso, tristes quando são eliminadas do concurso? Sim. As “belas” sentem-se, por acaso, desconsideradas pelo “pessoal” da Endemol, pelos apresentadores, pelo júri, pelo público, que as aplaude entusiasticamente? Não. As “belas” (qualquer uma) gostaria, por acaso, de ganhar os tais 100 mil euros no final do programa? Sim.

Só existe um “pequenino” pormenor: as “belas” não têm a mínima “vocação” para aquilo a que chamamos cultura geral. E não se envergonham. Assumem. Para isso é que as “belas” lá estão (no concurso), certo?
Assim sendo, tudo corre sobre patins. Já repararam nas reportagens de rua, em que os entrevistados sabem na ponta da língua os nomes das “belas” e dos seus “mestres”? Os portugueses mostram que vêem e apreciam o concurso e a Televisão somente oferece aos portugueses aquilo que os portugueses apreciam e merecem!
Cancelar o programa, só porque nos é dado constatar a realidade que confrange uma minoria? Porque está ali uma parte da juventude feminina que temos? Cancelar o programa para “tapar o Sol com a peneira”? Para “vender gato por lebre”? Para esconder, do sexo oposto…Isso não vale!

Agora, não me venham escrever alguns cronistas (eu li) que a culpa desta incultura feminina é deste ou daquele ministro da Educação de há uns anos atrás. Tenham dó! Política, mas não tanto…

Voltando à senhora ministra e à Comissão, penso que não têm que se preocupar. Em vez de pedirem ao José Eduardo Moniz para cancelar o programa (ele que investiu um dinheirão no projecto!), peçam, sim, um outro programa do mesmo género. Com a diferença de que os nossos jovens devem ficar no lugar das “belas”. Escolhem-se alguns Adónis (nunca houve tantos, quem sabe à procura de uma oportunidade), e, minhas senhoras, podem ter a certeza de que a equidade entre sexos, no que concerne a cultura geral, é perfeita. Não há igualdade mais igual!

Sejamos realistas e menos ingénuos. Neste país, quase ninguém pode nada, contra nada nem ninguém – só alguns e esses são poucos. Poucos e não estão integrados em Comissões. Estão interessados, perdão, integrados noutras coisas…

P.S. Acabo de ser informada de que no “Correio da Manhã” de hoje, vem uma notícia a dar-me razão. Está previsto um novo programa na TVI onde os “belos” tomam o lugar das “belas”. Não tenho bola de cristal, mas “nada acontece por acaso”, como diz uma amiga minha…

Soledade Martinho Costa

Não há bela(s) sem senão(s)

Tenho visto a espaços e por períodos curtos o novo entretenimento televisivo “A Bela e o Mestre”, que passa diariamente na TVI.

Uma coisa é certa: se a cultura está ao alcance de todos (principalmente a chamada “cultura de jornal”, que sempre ajuda), já o mesmo se não pode dizer da beleza. Um ponto, pois, a favor das “belas”. As raparigas, todas elas, foram escolhidas a dedo (tenho a certeza!). Mesmo ao “natural”, sem pinturas, sem saltos, sem penteados ou vestidos caprichosos, merecem bem a metade do título que dá o nome ao programa.

O que me espanta é que sendo as “belas” tão jovens (uma delas fez há dias 19 anos), afirmem repetidamente: “ Eu sabia isso. Eu estudei isso. Mas já não me lembro…Foi há tanto tempo!”. Por este andar, ninguém chegava a “mestre”! Ponho mesmo a hipótese, com o correr dos anos, de que um dia, eu própria, venha a esquecer como se escreve o meu nome e tenha de assinar em cruz!

Bom, mas a vida está má, e sempre são vinte mil euros. Conforme diz o anúncio “há quem faça tudo para ter € 6000 ”… Pois aqui têm a resposta.

Soledade Martinho Costa

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Serão chuva, serão gente…

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Enviou-nos o José do Carmo Francisco esta peça, de amiga sua.
Com gosto a publicamos. À peça, e a ela.

De início pensei que não tinha ouvido bem. Fiquei atenta ao episódio seguinte da novela Tu e Eu, que passa na TVI. Tony Carreira a cantar, no genérico musical da telenovela “… serão tu e eu…”. Não podia ser. Mas era.

Confirmei. Mas não me conformei. Como tenho a mania de querer endireitar o Mundo, comecei por ligar para a produtora da novela. “A pessoa responsável pela selecção das músicas está de férias”. Tempos depois, continuava de férias.

Falei para a SPA. Contei a história. Sugeri falar com Tony Carreira. “Os artistas, por vezes, aceitam mal as críticas…”, foram alertando. Fiquei a saber que a canção já tem uns anitos. Que foi gravada várias vezes pelo cantor e que faz parte do trabalho discográfico de outros artistas (sempre com o “…serão tu e eu…” pelo meio).

A minha teimosia levou-me a contactar a TVI. “O Dr. José Eduardo Moniz está fora, mas volta daqui a dois dias”. Que (eu) tinha razão, mas ela (a secretária) “nem via telenovelas”. Passados dias voltei a ligar. A mesma secretária informa: ” O Dr. José Eduardo Moniz já está ao corrente de tudo”.

A novela passa todas as noites e tem repetição no dia seguinte. Quantos meses vai isto durar? Que providências foram tomadas para que este pesadelo linguístico deixe de atormentar os ouvidos dos portugueses (que não são surdos), como eu?

Nada me move contra Tony Carreira. Apenas me assiste o direito de contestar o malfadado verso, que envergonha a Língua Portuguesa! Muito mais, quando no concerto efectuado no Campo Pequeno se ouviram milhares de vozes, que esgotaram a praça, a cantar o “… serão tu e eu…”, sem o menor conhecimento e respeito pela Língua que é a nossa. Tony Carreira precisou de uma palavra de duas sílabas para “encaixar” na música. “…seremos tu e eu…” tinha três sílabas. Porque não optou, então, por “…serás tu e eu…”, que tem as mesmas duas sílabas?

Um músico amigo disse-me: “Deixa-te disso, eles (?) não ligam a essas coisas!)”. Uma amiga escritora ironizou: “ Não te canses, que não merece a pena…”. Dou a mão à palmatória. Ambos tinham razão. Mas eu também tenho. Por isso, continuo à espera.

Soledade Martinho Costa