A política dos que atacam os políticos

A propósito da histórica entrevista de Teixeira dos Santos à “simpática”… que como uma alarve levou quase toda entrevista a ver se conseguia arrancar no entrevistado a mínima palavra em que pudesse pegar para colocar na balança da diabolização de Sócrates, gostaria de deixar aqui um pequeno texto acerca deste tema: a diabolização de Sócrates e do PS mas, mais do que isso, da classe política “tout court” com intuitos e visando fins em que, ao fim e ao cabo, só a direita está interessada.

De facto, estou cada vez mais cansado, desta universal e demagógica tendência, de atirar as culpas de tudo quanto de desgraçado acontece neste pobre pais para a “classe política”, assim medindo tudo pela mesma rasoira. Infelizmente esta tendência atinge até camadas da população de gente honesta e de cujo nível intelectual seria de esperar menos simplismo e maior discernimento. Os políticos todos eles, sem a mais pequena exceção, são uma cambada de corruptos que mais não vêm do que a dois palmos das suas miseráveis barrigas! E prontos! Acabemos com todos eles e teremos salvo o mundo!

Mas esta obstinada e simplista demagogia parece levá-los ainda mais longe. Não só censuram a corrupção mas, pelo menos ao nível do subconsciente, parece que gostariam que a classe política fosse constituída por uma espécie de sacerdotes que, finda a sua entrega ao bem público, dessem entrada num qualquer mosteiro. De facto, se os vêm sem emprego conhecido, ipso facto: o sacana encheu-se “à grande” enquanto esteve no poder! Se o vêm a trabalhar numa qualquer empresa: lá está! O sacana vai continuar a servir-se à “mesa do orçamento” já que aprendeu bem como “a coisa se faz”!

Estou já a ouvir os que me chamam ingénuo, ou que, pior que isso, me dizem “feito com os gajos!”. É evidente que não é disso que se trata. Não tenho a mais pequena dúvida das vergonhas e tropelias que neste domínio se comentem. Como há dias me dizia um amigo meu, reproduzindo palavras, suponho que de Sá Borges de quem era amigo e que fora ministro no tempo da saudosa Lurdes Pintassilgo: “O que é bom não é ser Ministro! O que é bom é TER SIDO MINISTRO!” Sei bem que isto é verdade. Mas sei também que, com generalizações numa matéria tão delicada, cairemos num absurdo e estéril nihilismo ou pior na mais nefasta demagogia que só aproveita à Direita mais canhestra que é também a mais perigosa.

A Comunicação Social por seu lado, com algumas honrosas exceções, abjeta serventuária da Direita portuguesa que lhe garante os lautos ordenados ou de quem depende para não correr o risco de que, sem contemplações, lhe seja apontada a porta da rua, essa Comunicação Social vai servindo prodigamente a sua mentira especialmente contra o seu mais temível inimigo – Sócrates e o PS – tendo o cuidado de a ir salpicando, aqui ou além, com uma ou outra verdade, mais ou menos anódina, relativa aos próprios patrões.

Com este jogo habilidoso atinge ela um duplo objetivo: por um lado consegue que a sua mentira atinja maior profundidade já que como bem versejou António Aleixo “A mentira para ser mentira/ e atingir profundidade/ tem que trazer à mistura/qualquer coisa de verdade”. Mas, por outro lado, vai radicando e confirmando na opinião pública a tal ideia de que venho falando ou seja: não há verdadeira distinção entre estes e aqueles políticos já que todos eles fazem parte da mesma “malandragem”, ideia que sobremaneira interessa à Direita como bem se compreende e a história tem demonstrado.

De facto, trata-se de uma atitude a que só não chamo estéril, porque, infelizmente, ela nos conduz aos mais nefandos resultados, desgraçadamente muito mais nefastos do que aqueles que, com razão mas também com muita demagogia, queríamos postergar. Como acima disse, a “direita dos interesses” que é a nossa, está muito atenta a este discurso! Melhor do que ninguém ela sabe, como já se disse, que, pelo menos numa primeira fase (claro que esquecem as fases posteriores), ele pode render-lhe largos proventos.

Acontece, além disso que, por pior que seja o juízo que, com ou sem razão, possamos fazer da classe política como um todo, o certo é que os que a integram não vieram do Espaço nem apareceram neste vale-de-lágrimas por geração espontânea. Eles são uma natural emanação da sociedade em que nasceram, cresceram e viveram ou vivem. Com as exceções que confirmam a regra, eles são, também, o produto “das suas circunstâncias” como dizia Ortega y Gasset!

Assim sendo, creio que seria bem estimulante que não esquecêssemos que eu, tu e ele somos parte integrante da sociedade que gerou e permitiu que surgissem os tais “monstros” de que com tanta ligeireza e generalização gostamos de falar e que tiremos daí a óbvia conclusão de esta nossa sociedade também é ela no seu todo a responsável pelo mal de que nos queixamos. Pensemos apenas na “sem-cerimónia” com que muito português não hesita em não olhar a meios para atingir os seus fins. É só reparar no que se passa nas nossa estradas! Não generalizo e até tenho bem consciência de que o civismo é uma qualidade em crescimento, mas estamos ainda longe do que se passa noutros países.

Este discurso ultra-demagógico e populista é, por disso, altamente perigoso, como se sabe mas muito se esquece. Ele cria e fertiliza o terreno propício ao aparecimento dos mais tirânicos e terríveis ditadores em que a História é pródiga. Mas infelizmente os Homens recusam-se obstinadamente a aprender com as lições do passado. De facto, como disse Hegel num seu luminoso pensamento: se alguma coisa a História nos ensina, é que os Homens são absolutamente incapazes de aprender com a História!

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2 thoughts on “A política dos que atacam os políticos”

  1. Bem dito. Há dias, ao ouvir um inflamado discurso anti-politicos, que “metia tudo no mesmo saco”, observei ao orador e questionei-o: a nossa freguesia tem cerca de 800 habitantes; talvez descubras aqui uma centena de tratantes; sobram setecentos fregueses e freguesas que são gente “normal” e “honrada”; prova-me que estou enganado e que todos podem ser metidos no mesmo saco, inclusive o teu pai e a tua mãe…
    A conversa era sobre os autarcas e o meu interlocutor dizia que eram “todos iguais”, isto é, todos uma cambada de corruptos. E lá desfiava nomes como Valentim Loureiro, Isaltino Morais, Fátima Felgueiras…
    A treta do “todos iguais” é música divinal para os saudosos do salazarismo. E esta gente consegue, com relativa facilidade, fazer passar a mensagem numa comunicação social amestrada, de que há tanta corrupção no PS como no bloco direitista PSD-PP. E desfilam as excepções sonantes de corruptos “xuxas” para justificar a quase regra da corrupção direitista, triunfante e impune. E, tantas vezes, os conceituadissimos “marcelos r sousa” repisam a distorção dos factos que a mentira acaba passando por verdade.
    Mas tenho de fazer uma ressalva. Quem conhece o núcleo duro dos militantes (digo militantes) socialistas, poderá constatar que em 800 militantes, 700 serão uma cambada de oportunistas. Por isso não é de estranhar que os mesmos que num mês elegeram Sócrates, no mês seguinte elegeram o seu quase perfeito contrário, José Seguro.
    Caramba, isto baralha a gente!

  2. Concordo plenamente com o texto.

    Para ilustrar o mesmo, aqui deixo uma citação do Mein Kampf, “a minha luta”, de Adolf Hitler. Espero que compreendam que a primeira fase do derrube da democracia é a diabolização do poder assente na legitimidade do sufrágio universal assente em eleições livres e justas. Aqui vai, então:

    «Só depois de adquirir uma concepção fundamental e de alcançar, por meio dela, firmeza no modo de encarar as questões particulares do seu tempo, deve ou pode o homem intelectualmente amadurecido tomar parte na direcção da coisa pública. […] Caso contrário, corre ele o risco de um dia mudar de atitude sobre questões essenciais ou […] permanecer fiel a uma maneira de ver desde muito tempo repudiada pela sua razão e convicções.

    […] À medida que o chefe não dá mais crédito ao que ele próprio disse, a sua defesa torna-se mais fraca e vulgar[…]. As suas exigências, junto aos seus partidários, tornam-se proporcionalmente cada vez mais imprudentes até que, por fim, ele sacrifica as suas últimas qualidades de chefe para converter-se num “político”, isto é, nesse tipo de homem cujo único sentimento verdadeiro é a falta de sentimento, ao lado de uma arrogante impertinência e uma descarada arte de mentir.

    Se, por infelicidade dos homens decentes, um sujeito desses chega ao Parlamento, deve-se desde logo compreender que, para ele, a essência da política consiste apenas numa luta heróica pela posse duradoura de uma “mamadeira” para si e para a sua família. Quanto mais dependam dele mulher e filhos, tanto mais aferradamente lutará pelo seu mandato. Qualquer outro homem de verdadeiros instintos políticos é, por isso mesmo, seu inimigo pessoal. […]

    Entre as instituições que, aos olhos mesmo pouco perspicazes do cidadão comum, mais claramente podiam mostrar a decomposição da monarquia austríaca, estava, em primeiro lugar, aquela que parecia dever procurar na força a razão de sua própria existência, isto é, o Parlamento ou, como se dizia na Áustria, o Conselho do Império (“Reichsrat”). Evidentemente, o modelo dessa corporação encontrava-se na Inglaterra, o país da “democracia” clássica. De lá transportaram essa maldita instituição e estabeleceram-na em Viena, tanto quanto possível sem modificá-la. […]

    O destino do germanismo no Estado Austríaco dependia da sua posição no Reichsrot. Até à introdução do sufrágio universal e secreto, os alemães, no Parlamento, estavam em maioria, embora pequena. Já esse estado de coisas era grave, pois não merecendo a social-democracia a confiança nacional [Hitler considerava a social-democracia uma emanação do judaísmo], esta, para não afugentar os adeptos não alemães, era sempre, nas questões críticas referentes ao germanismo, contrária às aspirações alemãs. Já naquela época a social-democracia não podia ser considerada um partido alemão. Com a introdução do sufrágio universal cessou a supremacia alemã, numericamente falando. Não havia, pois, nenhum empecilho no caminho da futura desgermanização do Estado. […]

    [Hiler descreve a primeira sessão do Reichrot a que assistiu]
    Mas, dentro de pouco tempo, sentia verdadeira indignação ao assistir ao lamentável espectáculo que se desenrolava ante meus olhos. Estavam presentes centenas desses representantes do povo, que tinham de tomar atitude sobre uma questão de importância económica. Bastou para mim esse primeiro dia para me fazer reflectir, durante semanas a fio, sobre a instituição. O conteúdo intelectual do que se discutia era de uma “elevação” deprimente, a julgar pelo que se podia compreender do falatório pois alguns deputados não falavam alemão e, sim, línguas eslavas, ou melhor, seus dialectos. O que, até então, só conhecia através da leitura de jornais, tinha agora oportunidade de ouvir com os meus próprios ouvidos. Eu via uma massa humana em burburinho que gesticulava e gritava, em múltiplos tons. Um velhote inofensivo esforçava-se, suando por todos os poros, por restabelecer a dignidade da casa, agitando uma campainha e falando, ora com benevolência, ora com ameaças.

    Não consegui conter o riso!

    Algumas semanas mais tarde, tornei a aparecer na Câmara. O quadro parecia ter mudado, a ponto de não poder ser reconhecido. A sala encontrava-se completamente vazia. Dormia-se, lá em baixo. Alguns deputados ocupavam os seus lugares, bocejando. Um deles “falava”. Estava presente um vice presidente da Câmara, o qual, visivelmente aborrecido, percorria a sala com os olhos. Surgiram-me as primeiras dúvidas. Cada vez que se me oferecia uma oportunidade, corria para lá. Eu observava silenciosa e compenetradamente o quadro, ouvia os discursos, sempre que podia compreendê-los, estudava as fisionomias mais ou menos inteligentes desses eleitos das raças daquele triste Estado e, aos poucos, elaborava as minhas próprias reflexões. Bastou um ano dessa calma observação para modificar ou afastar definitivamente o meu [benevolente] juízo inicial sobre o carácter dessa instituição. No meu íntimo, já recusava a forma adulterada que essa instituição tomara, na Áustria.

    Mas já não podia mais aceitar a ideia de Parlamento, em si. Até então eu vira o insucesso do Parlamento austríaco na falta de uma maioria alemã: agora, porém, eu reconhecia o erro fatal na essência e carácter dessa instituição.

    Naquela ocasião fui confrontado com uma série de questões. Comecei a familiarizar-me com o princípio da resolução por maioria como base de toda a Democracia. Entretanto, não dispensava menor atenção aos valores mentais e morais dos cavalheiros que, como eleitos do povo, deviam servir a esse desiderato…

    Aprendi assim a conhecer, simultaneamente, a instituição e os seus representantes.
    No decurso de alguns anos, tomou forma na minha mente as características notórias do fenómeno mais respeitável dos nossos tempos, o homem parlamentar. Isso gravou uma impressão de tal forma intensa na minha memória, que não mais sofreu qualquer modificação essencial.

    Desta vez, também o ensino intuitivo da realidade prática evitou que eu aceitasse uma teoria que, à primeira vista, tão sedutora se apresenta a muitos mas que, contudo, deve ser vista como um dos sinais de decadência da humanidade. A actual Democracia do Ocidente é a precursora do marxismo, que sem ela seria inconcebível. Ela oferece um terreno propicio, no qual consegue desenvolver-se a epidemia. Na sua expressão externa — o parlamentarismo — apareceu como um monstro disforme “de lama e de fogo” no qual, infelizmente, o fogo se parece ter consumido com demasiada rapidez. […]

    O que mais que tudo e com mais insistência me fazia reflectir no exame do parlamentarismo era a falta evidente de qualquer responsabilidade individual dos seus membros.

    O Parlamento toma uma qualquer decisão — que pode ser uma de consequências mais funestas — e ninguém é por ela responsável, nem é chamado a prestar contas. Pode-se, porventura, falar em responsabilidade, quando, após um colapso sem precedentes, o governo pede demissão, quando a coligação se modifica, ou mesmo o Parlamento se dissolve? Poderá, por acaso, uma maioria hesitante de homens ser alguma vez responsabilizada?

    Não está todo conceito de responsabilidade intimamente ligado à personalidade? Pode-se, na prática, responsabilizar o dirigente de um governo por actos cuja existência e execução devem ser vistos à conta da vontade e do arbítrio de um grande grupo de homens?

    Porventura consistirá a tarefa do estadista dirigente não tanto em produzir um pensamento criador, um programa, mas na arte de tornar compreensível a natureza dos seus planos a um estúpido rebanho, com o fim de implorar-lhe o final assentimento? Pode ser critério de um estadista que ele deva ser tão forte na arte de convencer como na habilidade política da escolha das grandes linhas de conduta ou de decisão?»

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