Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão. Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.
O Público anuncia na sua capa novas revelações sobre o assassínio de Catarina Eufémia (provisoriamente para o jornal do Belmiro a camponesa de Baleizão ainda não foi “alegadamente” morta). Socorrendo-se de um dos médicos legistas que fez a autópsia, o jornal revela que ela não estava grávida. Apoiando-se no mesmo clínico, o diário lança dúvidas sobre a sua filiação no Partido Comunista Português: “Henrique Pinheiro (o médico legista) acredita ainda que Catarina não seria militante comunista”. Uma certeza tão absoluta do dito clínico deve-se certamente ao facto de não lhe ter encontrado nenhum cartão do PCP no estômago. A ciência médica anda tão avançada, há cem anos a esta parte, que provavelmente conseguirão garantir-nos, daqui a poucos anos, que o Sr. José Manuel Fernandes nunca foi maoista.
Poucas revistas me dão uma leitura tão tranquilizante quanto a “Wired”. Folhear um dos seus números é entrar num daqueles jogos de computador de velocidade terminal: tudo desfila em nosso redor numa vertigem desfocada em perpétua aceleração. Gadgets mais funcionais, mais invejáveis; opiniões tão, tão hip; avanços científicos decisivos mesmo ao virar da esquina; cultura sempre Pop, cada vez mais brilhante e acessível; publicidade ensopada do mesmo optimismo que faz levitar toda a revista. É verdade: o Futuro está a chegar e faz a primeira escala nas páginas da “Wired”.
O problema é que não devemos guardar números antigos. Senão, a magia desfaz-se: pegar num deles é rever um inventário de promessas por cumprir. Afinal, a fusão a frio permanece fechada no armário das anomalias mal explicadas. O cancro ainda não tem cura. O orgasmo feminino continua perdido num continente negro de máscula ignorância.
Pois é. Aquelas páginas recheadas de fotomontagens brilhantes e prosa fácil, agora cobertas de uma patine bolorenta, encerram uma revelação terrível: já nem o Futuro é o que era.
Pacheco Pereira, no seu estilo habitual, veio admoestar e garantir que recordar os acontecimentos na Ponte 25 de Abril, durante o consulado Cavaco, e lembrar o jovem que foi baleado na ocasião é “demagogia”. Estou completamente de acordo, tudo o que refira de uma forma indelicada os momentos mais polémicos do Sr. Professor deve ser imediatamente banido e os autores enviados para Caxias.
Para compensar os amargos de boca, aqui fica uma passagem do livro sobre Cavaco do saudoso director do Diário de Notícias, e assessor vitalício do professor de Boliqueime, Fernando Lima: ” O bloqueio da Ponte foi comparado a outro verificado no Regimento de Comandos da Amadora, em 25 de Novembro de 1975, quando as forças de esquerda tentaram recuperar terreno perdido com a ascensão dos militares moderados no processo revolucionário português”, garante definitivo o Lima, que de chofre acrescenta: “A situação no Regimento de Comandos da Amadora e a da Ponte 25 de Abril tinham muito em comum, assinalavam na altura os analistas militares”. Finalmente uma análise séria e objectiva, e nada demagógica, sobre o acontecido: Pacheco tens alma gémea!
Para motivar a compra do livro de Fernando Lima “O meu tempo com Cavaco Silva”, aqui deixo mais um naco de prosa que faz jus à verborreia doce do autor: “Jamais esquecerei uma visita a Mirandela em que o presidente do município, José Gama, já falecido, organizou uma festa em homenagem à Mãe. A participação dos alunos das escolas conferiu-lhe uma moldura humana inigualável. De improviso Cavaco Silva fez um discurso que espelhava o que naquele momento lhe ia na alma. Muito bonito e tocante”.
Este final da semana está muito agitado:
1. Jantei com um perigoso agitador internacional (estranhamente foi no “Polícia”).
2. Participei numa reunião quase clandestina na FCSH: estava um salão a abarrotar para discutir com Toni Negri, mas o evento não passou o teste do critério da realidade (a imprensa ignorou olimpicamente o acontecido).
3. Comecei a mudar de casa.
4. Estou sem computador e naturalmente sem internet. Foi com muita dificuldade que consegui escrever este mini texto, num lugar de péssima reputação – muito esforço para tentar intervalar o tsunami Rainha.
5.Fui a uma festa das “Marias”, suportei estoicamente uma sessão do “Teatro do Oprimido”. Fugi e fui abalroado por um carro em contra-mão.
Estou cansado. STOP! Este- fins-de-semana-matam-me. STOP. Preciso de descansar, vou trabalhar.
Das festas, da política e da agitação só retirei a ideia que só há coincidências. Reparei num meio de um colóquio universitário que passavam 30 anos do golpe direitista do 25 de Novembro de 1975 e também 30 anos do “Vigiar e Punir” de Foucault. É verdade, os acontecimentos costumam suceder em cachos, mesmo aqueles, como os meus, que não têm importância nenhuma.
Das pessoas que conheço, só insulto, embora com ternura, os amigos. Tenho o grave problema de fazer cerimónia com os conhecidos. A minha timidez em justiçar quem mal conheço dá-me imensos problemas e retira-me, somando à preguiça, capacidade de escrever com regularidade. Percebam o meu drama: fiz dois artigos para a “Máxima” quando a Helena Matos era chefe de redacção e isso tem-me até agora coibido de escrever sobre o que acho dos seus textos. Embora, quanto mais a leio, tenha cada vez mais vontade de dizer-lhe que para ser de direita não é obrigatório deixar a inteligência no vestiário antes de escrever.
Mas adiante, acontece-me com algumas pessoas o que sucedeu com o prolífico Vilhena do “Cavaco” e da “Gaiola Aberta” . Há uns anos, a Paula Moura Pinheiro, a Conceição Lino e a Júlia Pinheiro tinham um programa de entrevistas na rádio, várias vezes tentaram entrevistar o supracitado Vilhena. Debalde. Na última vez, ele acedeu a explicar o motivo de tanto silêncio: “sabem, eu vivo de desenhar, nas minhas capas, as meninas da televisão nuas, mas se as conheço perco coragem. E as senhoras são tão bonitas e são três, ia perder muito dinheiro com isso”.
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