Ricardo Sardo aproveitou o meu comentário às declarações de Marinho Pinto para partilhar a sua experiência. E o retrato que faz é simultaneamente realista e optimista. De facto, a dança da sociedade com a cultura, havendo desenvolvimento económico, produz gerações mais inteligentes, mais preparadas, mais humanistas. Tem sido assim em Portugal, onde as consequências das sucessivas crises económicas foram sempre inferiores ao desenvolvimento, tamanha era a miséria do País aquando do 25 de Abril. Hoje, o número de alfabetizados, finalistas da escolaridade obrigatória e licenciados, ficando por estes indicadores simples, é enorme por comparação com os resultados do Estado Novo; e mesmo tendo em conta a sua aposta na educação básica. Tal como o quadro moral, legal e intelectual também sofreu alterações que em certas dimensões correspondem a cortes radicais com o passado. Então, sim, a renovação das corporações na área da Justiça está a ser feita inevitavelmente, o futuro é risonho. Mas, e quanto ao presente?
Ocasião para repescar um comentário do Ricardo aqui no Aspirina:
Há muita coisa que aqui poderia escrever, muitos problemas que poderia elencar, mas tudo se resume a uma questão: mentalidade. Temos muitos Velhos do Restelo na nossa Justiça e os problemas só poderão ser ultrapassados com uma nova atitude e uma mentalidade mais aberta e menos conservadora e corporativista. Como já disse o Bastonário Marinho Pinto, a Justiça deve servir as pessoas e não estas a servir a Justiça e os seus operadores.
Neste diagnóstico, falando-se do mesmo, a mentalidade, pressinto uma urgência que não se compadece com a lenta e secreta renovação das águas. Mais: vejo nestas palavras do Ricardo um convite a uma participação dos cidadãos no processo de renovação em curso. Porque não o temos feito, a sociedade tem sido de uma passividade conivente ou autodestrutiva. Ainda não há um clamor suficientemente forte que comprometa os partidos nesta causa.
Entretanto, a referência aos 27 anos veio do mesmo Marinho Pinto, e ele deu-a como exemplo das disfunções do sistema, pois o recrutamento estaria a preencher as magistraturas com pessoas experientes em conhecimentos teóricos, e cultura pop, mas inexperientes nos outros e em si mesmas. Era este o sentido da sua observação, tocando num aspecto para todo o sempre melindroso e inescapável: a aplicação da Lei é uma actividade de interpretação e justificação, mais do que de cálculo ou identificação – logo, encontra na subjectividade do juiz um dos seus fundamentos.
A mera discussão aberta das características cognitivas, psicossociológicas e antropológicas dos profissionais que nos servem pode ser um contributo para a Justiça a que temos direito. Não ambicionava a mais a minha displicente nota, a que o Ricardo, para nosso benefício, deu atenção.
É só corporativismo
Neste momento estou a ouvir o presidente do sindicato dos magistrados do Ministério Público, numa entrevista à SIC Notícias, e comove-me ouvir exigências destas. É um ultimato ao Ministro da Justiça. Faz-me lembrar quando os árbitros futebol são nomeados, vem logo os dirigentes exigir a sua isenção mas, todos sabemos a isenção a que se referem. Dá pena pessoas com estas funções que exigem a tudo e todos que sejam honestos nos seus procedimentos venham mendigar para a praça pública os seus interesses.
Coisas de corporativismo.
Mais uma guerra anti corporativista para travar pelo Governo. Força nisso!
Boa tarde Val. Só agora li este post, pois estive ausente no fds…
Quando escrevi (no Legalices) que tinha sido o Val a levantar as questões que abordei (como a idade dos juízes), obviamente que era no sentido de que tinha sido o Bastonário, mas com as quais o Val dava a entender concordar. Daí ter escrito que o Val defendia tais aspectos. Fica o esclarecimento…
Quanto ao tema, o Val foi buscar – e bem – um comentário meu a um post anterior. Digo “e bem” porque considero que, apesar das “novas gerações” de magistrados darem-me esperança numa magistratura mais capaz e sensata no futuro – como escrevi no post no Legalices -, continuamos a ter muitos que ainda vivem numa época ultrapassada. podem ser extremamente competentes – e, em regra, são – ter o bom senso necessário ao cargo mas falta-lhes uma certa abertura (uma mentalidade mais aberta, se preferir) para se adaptarem à nova realidade.
Mas, lá está, estou optimista em relação ao futuro. Pelo que vejo, sem dúvida que há razões para tal.
Abraço.