Saber perder

Saber perder é um dom. Porque liberta. Esta mal-amada sabedoria não consiste numa passividade, numa resignação face ao desaire ou infortúnio. Isso não seria mais do que atrofiamento, e nova derrota para cima dos derrotados. Nadinha de nada disso. Saber perder é, antes, um movimento de abertura. Começa pelos olhos. Uns olhos que tudo querem ver, olhos desavergonhados, luciferinos. Depois vai para a inteligência, atiça-a à realidade. E ela agarra-se à crina, não a larga. Por mais pinotes e coices que dê, a inteligência acompanha a realidade desembestada até aos confins do mundo ou até aceitar ser montada. Por fim, saber perder é conseguir abrir os portões do coração. E lá dentro fazer um banquete. Estão convidados os que não têm a boa sorte de se saberem vencidos da vida. Os únicos que merecem compaixão.

Sonho com uma época em que os estádios aplaudam os adversários à entrada e à saída, sejam eles quem forem e seja qual for o resultado. Sonho com adeptos que saibam que o desporto não é um divertimento, mas uma alegria, uma iniciação aos mistérios. Sonho com equipas onde todos os jogadores tenham a sorte de amar a camisola. Enquanto isso não acontece, consolava-me que não existissem treinadores nesta galáxia (nem na galáxia de Andrómeda, a qual irá marrar de cornos com a nossa não tarda) que deixassem um jogador como Vukcevic no banco. E por esta singela razão: é que os deuses também gostam de ir à bola, e quando se deparam com imbecilidades desse calibre ficam chateados, com toda a razão, podendo-lhes dar para castigos de 5-0 e cenas foleiras dessas assim.

8 thoughts on “Saber perder”

  1. Valupi,

    Retornaste inspirado com tema e candência próprios da época balnear de desvalorizações da moeda e da corrida ao ouro Mas fiquei confuso, como de costume. Saber perder é, de acordo com o teu discorrer, uma coisa tão boa e tão má ao mesmo tempo que o melhor, pelo menos para a minha bolsa de investimentos, é conceder-te a vitória sem argumentar mais.

    Não me perguntes para explicar. Não aqui na presença do Carlos Santos que nos convida mais uma vez a tomar chá. Mesmo sem ter ido lá cheirar, tenho a certeza que não é do branco, como aquele que o Mr Woo de Xangai me manda em embalagem hermética de vez em quando.

  2. Viva a Ode ao perder!

    Só por isso fiquei com vontade de me forçar a jogar jogos!

    O meu irmão quando era pequeno vivia esta experiencia estranha e bela de chorar quando ganhava (porque os outros perdiam) e chorar quando perdia (porque perdia).

    Tenho pena de não ter lido isto quando ele era pequeno para lhe poder falar da beleza da derrota. Mas nem tudo está perdido: guardo para o meu filho!

  3. Adenda.

    Veredicto do Carlos Santos, economista e chutador da bola geopolítica, ao discurso de BH Obama desta madrugada:

    “Nota global: excelente. Verídico mas empolgante e com novidades. Quando vago, tinha mesmo de o ser. Como na saúde, por exemplo. Porque um mês não dá para tudo e o combate não é para já”.

    O uso do vocábulo “combate” revela-o possuidor dum certo segredo. Mas qual, minha mãezinha?

    Small world, Valupi. Mesmo sem te passeares estás sempre a dar encontrões nos teus aliados. São mais que as mães esses filhos.

  4. Ontem percebi muito cedo que o «pesadelo» estava instalado pois cheguei ao estádio uma hora antes e vi a constituição das equipa no ecran. Deixar de fora os melhores é um apanágio de Paulo Bento que defende a estúpida ideia de que jogam os que treinam bem e não os que jogam bem no domingo anterior. Andei lá 18 anos e vi muita coisa por isso não foi surpresa. Ele retira sistemáticamente os melhores jogadores de um jogo para o outro. Os resultados estão à vista. Quanto à alegria de que fala Valupi pois só vi essa alegria do jogo em si no chamado futebol infantil, aí sim.

  5. Saber perder é um dom, correcto,mas só quando se perde depois de termos feito tudo e de termos usado racionalmente todos os nossos recursos.
    Quando alguém resolve, arbitrariamente, alterar uma equipa que vem demonstrando qualidade, como português e não como sportinguista custa-me perder daquela maneira, sentido-me humilhado. Isto tem pouco a ver com saber perder,mas mais com a nossa incapacidade de gerir recursos.

  6. Valupi,
    Entendo perfeitamente as tuas palavras. Durante muitos anos, o estádio (não aquele, mas o outro, embora na sua simbologia à mesma o estádio do Sporting) foi uma espécie de segunda casa onde vivi as mais variadas emoções. Ria, pulava e batia palmas na vitória, zangava-me, berrava e chorava na derrota. Tudo lógico, tudo na lógica do futebol, do desporto, do ser humano. Parecia que o mundo ia acordar diferente depois de uma vitória sobre o eterno rival e acreditava que o mundo desabava com uma goleada europeia (e nunca vi nenhuma como a de ontem). No entanto, ontem mesmo regressei ao estádio e vi o jogo com outros olhos. E assim, ao invés de vociferar, arrancar cabelos e dizer palavrões, esbocei um sorriso quase imperceptível, pois estava a ver o jogo de fora. Do lado da vida, que fica quase sempre obrigatoriamente do lado de lá da porta de entrada, como se tivesse que pagar um bilhete muito caro para poder entrar. Não levei o jogo a sério, como os sábios deverão recomendar. Assim, sorri na derrota. Teria chorado na vitória? Soube perder. Resta saber se saberia ganhar. Mas isso, o Paulo Bento,
    os deuses, os jogadores, o árbitro, aquele tempo e espaço, em suma, o destino – não me permitiram descobrir.
    As utopias são precisamente os lugares que não existem e a utopia que apresentas para os estádios de futebol condenaria o jogo. Não que ela não seja bela, poética, ingénua e simultaneamente reveladora de sabedoria. Ou talvez precisamente por isso. Os jogadores, mesmo quando amam a camisola, amam-se mais a si. Os treinadores são humanos e erram. O público percebe sempre muito menos de futebol do que imagina, e mais da sua profissão ou actividade, seja ela a medicina ou a canalização, a filosofia ou o marketing. O estádio precisa de gritos tribais, de emoções no ar, da dúvida sobre o resultado e da certeza das suas consequências. O futebol, como todos os jogos e mais do que a maior parte deles, tem esse lado irracional que lhe confere graça e mistério. Entramos no reino dos “se”. Se na primeira metade da primeira parte o Sporting tivesse conseguido concretizar uma das oportunidades que teve, o jogo teria sido diferente? Se o Vukcevic tivesse entrado 13 minutos antes, teríamos empatado? Se o árbitro tivesse decidido que não era penalty, teríamos perdido por zero – dois? Se o Paulo Bento tivesse nascido 9 meses mais tarde, teria outra personalidade e um grau de teimosia menor? Se tu tivesses ido ao estádio, o Sporting ganharia? Se a Juve Leo tivesse gritado Sporting alguns decibéis mais alto, teria ajudado o Liedson a marcar? Tantas perguntas sem resposta possível. Só para lembrar que o futebol não obedece à lógica da razão, por mais bondosamente e verdadeiramente filosófica que ela seja, como a tua parece ser. O futebol é tão absurdo como a vida. O futebol é um outro lugar e tu estás a olhar para ele como uma gárgula olha para a cidade medieval, do cimo da catedral. Impávido, distante, guiado pela razão. Mesmo usando poéticas frases onde aparecem as palavras “coração”, “banquete” e “alegria” (estás aqui, estás num diálogo platónico). Ontem, também fui gárgula, do alto do camarote. Vi o jogo de forma racional, logo, não o vivi. Mas vistos lá bem do alto (leia-se bem de fora), não fomos todos nós alvo de risos de alegria aos olhos dos imponentes deuses?

    Dina,
    Nunca te forces a jogar um jogo. Isso vai contra a essência dos jogos, do seu espírito lúdico e da sua condição infantil.
    Quanto ao teu irmão, criatura decerto interessante e sensível, ele estava mais próximo da sabedoria do que a maior parte dos jogadores: tinha a mesma reacção na vitória e na derrota. Mas qual será realmente o interesse de jogar, se o resultado já se conhece à partida? No caso do teu irmão, lágrimas. No caso da sugestão do Valupi, sorrisos de alegria.

  7. “O futebol é um outro lugar e tu estás a olhar para ele como uma gárgula olha para a cidade medieval, do cimo da catedral”.

    Assim gosto de ler sobre futebol, sim senhora. E quantas gárgulas se acomodam nestes dias nas bancadas superiores dos terceiros anéis dos maiores estádios de Portugal que ainda não foram invadidos pelo escalracho? Não tenho a mínima ideia, mas devem ser uns bons milhares. Lá se vai a originalidade do Valupi.

    E, Valupi, faz o gosto ao J de João, já agora, inicia-nos nos teus mistérios, não platonizes desnecessáriamente, e diz-nos que o teu futebol tem memos a ver com o Amadora United que com a constelação de Andrómeda.

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