Regime Geral das Infracções dos Chefes das Repartições de Finanças

A coima enviada nesta semana a quem não se inscreveu no Via CTT, para lá de não ter sido precedida de qualquer aviso para uma parte indeterminada de contribuintes, começa por levantar interrogações acerca do sentido desse serviço. Serve para quê se até aqui toda a gente agora multada passou tão bem sem ele na sua relação com o fisco? Admitindo a minha ignorância, salto para a questão mais importante, embora lateral: o poder arbitrário e não sindicado dos chefes das repartições de Finanças.

Recorrendo a uma experiência pessoal análoga ao que está aqui em causa, descobri que a invocação dos requisitos previstos no artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias – (i) a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária: (ii) estar regularizada a falta cometida; (iii) a falta revelar um diminuto grau de culpa – não chegava para que a Lei fosse aplicada em favor do cidadão. Era ainda preciso fazer um requerimento ao chefe da repartição de Finanças, mesmo depois de tal já ter sido feito repetidamente por via digital ao longo de 3 anos. Assim fiz, entregando presencialmente e em papel esse pedido e ficando a aguardar a resposta. A resposta foi a de que a Lei não tinha mais poder do que o chefe da repartição de Finanças, o qual decidia em casos similares de acordo com critérios impossíveis de prever até para os funcionários fiscais que atendem os contribuintes nos balcões. Se eu quisesse, que fosse para tribunal – situação em que poderia perder; e situação em que, mesmo que ganhasse, os custos de iniciar o processo equivaliam ao valor da coima que pretendia ver anulada. Logo, saía mais barato pagar sofrendo a injustiça do que procurar a Justiça. Para além do saque, fiquei com a cristalina ideia de que esse tipo de decisões fiscais podia envolver múltiplos funcionários que imitavam o chefe da repartição na facilidade com que decidiam de forma arbitrária até em casos tão básicos como o meu na circunstância.

O cenário é de flagrante violação do Estado de direito. Se os chefes das repartições de Finanças e suas equipas exercem este poder de forma discricionária, se o Estado não faz um levantamento das respostas aos requerimentos (e aposto os 10 euros que tenho no bolso como não faz) com a intenção de proteger os contribuintes, então estamos perante uma cultura corrupta, haja ou não vantagens para os trabalhadores estatais envolvidos. Cultura corrupta porque, obviamente, se eu tivesse um amigo ou meia amiga na repartição de Finanças onde fui roubado teria saído de lá com um sorriso e uma assinatura do chefe a garantir que estavam respeitados:

“os requisitos previstos no artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias – (i) a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária: (ii) estar regularizada a falta cometida; (iii) a falta revelar um diminuto grau de culpa”

Não sou votante do PS também à pala disto. É chato ser gamado por aqueles que recebem salários por causa dos meus impostos.

22 thoughts on “Regime Geral das Infracções dos Chefes das Repartições de Finanças”

  1. Ola,

    Ha uma gralha no teu post : “precedida” e não “procedida”.

    Quanto ao resto, compreendo que a tua duvida é sobre a justiça da lei que dispõe, claramente, que “Para além dos casos especialmente previstos na lei, PODE [e não “deve”] não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias […]”.

    Portanto não ha, como é obvio, nenhuma actuação ilegal por parte dos chefes de repartição, mas um poder discricionario (o que não quer dizer arbitrario) que lhes é dado por lei e que tu questionas. Não ha também qualquer questão de corrupção. Uma simples – e perfeitamente legitima – questão sobre a oportunidade e o fundamento de uma regra legal.

    Quanto à relação com a responsabilidade politica do PS, que nem tenho a certeza que tenha aprovado a lei e que, que eu saiba, ainda não nomeia os chefes de repartição, saberas melhor do que ninguém explicar o que tem o cu a ver com as calças…

    Não tenhas receio, que as tuas perguntas não passam a ser estupidas se as puseres com um bocadinho de rigor… Antes pelo contrario.

    Boas

  2. É uma vergonha. E a Viactt não é uma empresa privada? Então por que raio temos de ser multados por não termos um correio electrónico numa empresa privada???? Por estas e por outras é que o PS, além de não obter a maioria absoluta, ainda vai ter os sacanas do PSD nas canelas…. depois do incrível e absurdo governo Passos/Portas…… este PS é farinha do mesmo saco dos sacanas dos direitolas! Depois admiram-se que os “extremos” sobem nas eleições….. por mim, votarei o mais à esquerda possível!

  3. Mais um tiro no pé, ou para o ar, até podemos chamar ao Primeiro Ministro Dr. Passos Costa Coelho, agora parece que “suspenderam” as coimas……uma vergonha completa…. mas as Finanças não têm mais nada para fazer? Volta, Marilú dos Swapps, estás perdoada…tu a sacares dinheiro aos contribuintes eras uma máquina implacável, estes são… amadores desastrados….

  4. joão viegas
    3 DE JULHO DE 2018 ÀS 15:10
    Ola,
    Ha uma gralha no teu post : “precedida” e não “procedida”.

    […]

    AH AH AH! Valupi, larga o tinto!

  5. fiquei uma beca preocupada : prás finanças andarem à procura de massa debaixo das pedras nada de bom se avizinha. o défice atingiu um record este mês , não foi ?

  6. Valupi revolta-se por não ter “meia amiga na repartição” onde foi “roubado”!
    Porque, “obviamente”, conhecerá alguém “saído de lá com um sorriso e uma assinatura do chefe” beneficiário de uma decisão ilegal? Quem, quando e onde? Desejaria igual tratamento? Para quem tanto denuncia a “indústria da calúnia” e a “cultura da corrupção”, não está nada mal…
    “Poder arbitrário e não sindicado dos chefes das repartições de Finanças”: discricionário não é arbitrário (thanks, João Viegas) e as decisões dos chefes de finanças são susceptíveis de recurso hierárquico, de impugnação ou recurso judicial (thanks art.ºs 66.º CPPT e 95.º LGT).
    Finalmente, os impostos não existem para “pagar salários”; existem para a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art.º 103.º CRP). Isto significa provisão pública de bens e serviços essenciais e que aproveitam a todos. Já agora: antes pagar vencimentos a funcionários públicos do que lucros ao capital rentista das privatizações.

  7. Francisco Dias, falhas o alvo. A decisão do chefe da repartição, ou de alguém por ele, que me obriga a pagar uma coima que não devia pagar, de acordo com o RGIT, não é ilegal. E até poderia ver a minha razão validada em tribunal, sei lá. Acontece é que o valor que teria de pagar para descobrir se o tribunal concordava comigo superava o valor da coima em causa. Logo, torna-se financeiramente irracional seguir por essa via.

    O poder de que estamos a falar é arbitrário no sentido em que as decisões não carecem de mais nenhuma justificação para além da avaliação subjectiva do decisor. Nesse sentido, a discricionariedade facultada ao chefe da repartição para ser usada em casos cuja complexidade ultrapasse os limites da Lei não está a ser usada para defender o contribuinte e cidadão mas para o atacar. Isto porque, e lá está, o legislador contemplou atenuantes que justificam anular uma coima e que o meu caso cumpria.

    Quanto ao que dizes da finalidade dos impostos, concordo muito contigo. Daí não ter apreciado o gamanço de que fui alvo. É que o serviço público não é isso, parece-me.

  8. Ola,

    Abstraindo dos impropérios da praxe, é interessante analisar o equivoco que explica a tua reação, Valupi. Estas a partir do principio que o RGIT te da direito a não pagar a coima desde que estejam preenchidos os dois requisitos. Nada mais errado e, estou pronto a apostar, nada mais contrario à historia do texto que citas :

    A administração tributaria tem o direito de dispensar o pagamento de coimas, porque nalguns casos não se justificam, quer porque o contribuinte estava totalmente de boa fé quando incorreu no erro, quer porque não vale a pena estar a gastar dinheiros publicos para recuperar uma ninharia quando não existe perigo real de reincidência…

    Este poder soava provavelmente a arbitrario e podia dar lugar a derivas tipo “compadrio” e, por causa disso, alguém resolveu, e bem, especificar em que condições minimas se admitia o indulto, o que explica o texto actual que citas. Em suma, não deixa de ser curiosa a forma deturpada como procuras apoiar-te num texto que diz, na letra e no espirito, precisamente o contrario daquilo que tu lês…

    Mais uma prova de que uma das maiores ficções na base da nossa democracia é a ideia de que o povo é que faz a lei (atravês dos seus representantes)…

    Boas

  9. Começa logo tudo torto, por o fisco, impôr, de facto, a aquisição por parte do contribuinte, de um meio electrónico, para se poder relacionar com ele .
    Onde está a lei que obriga a ter um computador ?
    Outra coisa lamentável, é o mesmo fisco utilizar, por exemplo, para a entrega electrónica das declarações de IRS, plataformas consideradas não seguras – Java e Oracle – que não permitem a entrega em ambientes wireless ( sem fios ) mas apenas e só em aparelhos com cabos com ligação ethernet ( vulgo computadores pessoais com ligação por cabo ) . Daí que quem tem apenas tablets ou smartphones, não pode entregar a declaração de IRS .

    Notícias recentes dizem que o Ministério das Finanças mandou suspender a aplicação das coimas .
    Peça a devolução da coima, em requerimento dirigido ao chefe da RF, referindo esse facto .
    E depois espere sentado, porque o mais provável é que o chefe fique a a guardar instruções do mesmo MF, desta vez, quanto a eventuais devoluções de coimas já pagas .
    O melhor mesmo, é meter-se no mundo da bola . Já desde o tempo do cinema a preto e branco, que o Fisco não mete lá o bedelho .

  10. Pimpampum, repara que, se o requerimento tem por efeito suspender a execução da coima, não ha problema em esperar sentado. Ignoro se é o caso ou se não é.

    Boas

  11. No fundo e no que interessa, um cidadão que reclame de uma coima que considere indevida por parte do estado não o deve fazer satisfazendo primeiro essa coima, porque o seu pagamento indefere a queixa.
    https://eco.pt/2018/07/05/ja-pagou-coima-do-via-ctt-nao-vai-ter-direito-a-reembolso-dizem-os-fiscalistas/

    Nesta relação já de si desigual, o indivíduo que se comporte como um cidadão cumpridor é um trouxa, mais vale ser omisso.

    Imposto e dever etico no fundo estão relacionados, obediência/ação fundada na dívida.

  12. Insiste Valupi…: “A decisão do chefe da repartição […] que me obriga a pagar uma coima que não devia pagar, de acordo com o RGIT, não é ilegal”. Se não devesse pagar a coima, obrigá-lo a isso seria ilegal, não concorda?
    De qualquer forma, a discricionariedade do chefe no que toca à não aplicação da coima é mínima, senão vejamos:
    [pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:]
    a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária – aqui não há margem para discricionariedade: só não há prejuízo quando o infractor está isento ou não há acréscimo de imposto; quando da infracção resulta retardamento de imposto devido há sempre prejuízo. Não pagar os impostos dentro do prazo é prejudicial e os juros que sejam devidos não eliminam o prejuízo, apenas o compensam;
    b) Estar regularizada a falta cometida – nenhuma margem de discricionariedade, basta cumprir a obrigação declarativa/contabilística em falta;
    c) A falta revelar um diminuto grau de culpa – alguma discricionariedade, aqui: v.g. ao infractor reincidente é difícil demonstrar diminuto grau de culpa, ainda que negligente.

  13. Francisco DIas, não concordo eu nem ninguém: o chefe da repartição pode decidir arbitrariamente em cada caso, sendo legais ambas as decisões possíveis.

    Precisamente pelo que escreves, o caso em que um chefe de repartição constata que não houve prejuízo efectivo e que a falta está regularizada ainda assim pode não chegar para ele anular a coima porque a avaliação do que seja “um diminuto grau de culpa” fica sempre dependente do juízo subjectivo que seja feito. No meu caso, não havia qualquer reincidência nem a coima resultou de uma acção minha, antes do TOC em causa. Isso não levou a leitura da lei a defender o meu interesse, antes foi defendido o interesse de aumentar a receita fiscal por todos os meios possíveis.

  14. “Isso não levou a leitura da lei a defender o meu interesse, antes foi defendido o interesse de aumentar a receita fiscal por todos os meios possíveis”

    Se foi concedido um poder de apreciação ao chefe da repartição, não foi com certeza para defender o “teu” interesse, mas antes para defender o interesse da colectividade. Caso contrario, não haveria qualquer razão para pedir à autoridade que apreciasse o que quer que fosse, teria sido mais natural conceder-te um direito, subordinado às condições do texto.

    Depreendo do teu post que não concordaste com a apreciação feita do interesse geral. Para isso mesmo é que existe o direito de recurso, que tu achas um abuso porque da trabalho (nem sei se é obrigatorio recorrer a advogado). Explica la como é que tu pretendes que funcione a administração, na duvida, deve-se se pedir ao cidadão administrado o que fazer ? Por exemplo, quanto à decisão de aplicar ou não uma coima, o mais inteligente e o mais justo é pedir ao contribuinte se ele acha justo pagar, é isto que estas a dizer ?

    E’ mais um copo por favor…

    Boas

  15. joão viegas, larga o tintol.
    __

    Francisco Dias, a resposta não teve esse detalhe. O chefe não tem de explicar nada. Mas, da conversa com dois funcionários, depreendi que o chefe recusava anular a coima porque sim. Isto é, os próprios funcionários não tinham outra explicação a dar para além de repetirem que o chefe tinha achado a infracção merecedora de coisa, apesar de estarem factualmente e duplamente estabelecidos os requisitos estabelecidos pela lei para evitar a multa.

    Recordo que o texto da lei não é cumulativo (ou seja, não está em causa ter de cumprir os três critérios ao mesmo tempo) mas discricionário.

  16. “Cumulativamente” quer dizer a), b) e c) somados, todos, simultaneamente! Mas ao menos você deduziu pedido, em requerimento, ou aceitou o que lhe pareceu ouvir ao balcão? Se apresentou requerimento, o despacho de indeferimento tem que vir justificado

  17. Bolas, que o homem não sabe mesmo ler. Eis o texto :

    “1

    Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem
    cumulativamente as seguintes circunstâncias:
    a) a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária;
    b) estar regularizada a falta cometida;
    c) a falta revelar um diminuto grau de culpa.
    2

    Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator
    reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação
    tributária até à decisão do processo.”

    A palavra “cumulativamente” esta la expressamente, como ja foi notado acima.

    Quanto à discricionariedade, deduz-se da palavra “pode” : com efeito, quando o texto diz “pode” significa que se trata de uma faculdade dada à administração, nãode uma obrigação.

    Ou seja, apenas quando i/ se verifiquem cumulativamente os requisitos a, b e c e ii/ tal fôr considerado no interesse publico (e não apenas no interesse do contribuinte Valupi) é que estão reunidas as condições para deixar de aplicar a coima. E quem tem de apreciar se as condições estão reunidas, é a administratção, sujeita a controlo do juiz administrativo que pode sempre anular a decisão, em caso de recurso, se ela proceder de desvio de poder ou de uma apreciação manifestamente errada.

    Boas

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