Na TSF, um locutor (jornalista?) abriu o noticiário das 8 e 30 da manhã dizendo que este era um dia pouco solarengo. Depois fez umas referências obscuras à meteorologia, para concluir, já animado, que os próximos dias seriam mais solarengos. Como se trata da TSF, a notícia parece-me credível. Mesmo assim, não consegui evitar o rapto para uma funesta nostalgia. É que eu nunca tive um dia solarengo na vida. Nem um. E não acredito que venha a ter. Será, a essa luz, uma existência cinzenta.
Será que o solarengo de outros não pode ser nosso por empatia?
Sr. Soalheiro,
Terias tido muitos, se as putas puristas portuguesas palradoras como tu tivessem tido o cuidado há muitos anos de botarem isso nos dicionários. Em vez disso, acham elas muito mais agradável e instrutivo ter estas discussões de angústia linguareira para enriquecer o folclore.
Vai mas é dizer à Soledade por que é que concordaste com o marranito do João Pedro e agora metes o rabo de fora para não dares cabo do teu sonho de um dia vires a ser maire de barcelos.
este serTTorius é hilariante
Caro Sertorius… solarengo é de Solar (casa), não é de Sol, pelo que não se trata de uma questão de purismo.
Eu gostava de ter uma casa solheira
soalheira
Infelizmente vemos e ouvimos, e em órgãos da comunicação social, o termo “Solarengo” atribuido ao tempo.
É pena que o nosso português ande assim tão abandalhado por mãos em que tal não deveria ser admissível.
E, Valupi, dias soalheiros já os teve concerteza. Daqueles que enchem a alma…
o erro está tão disseminado que até há quem pense que é questão de purismo! chegamos a ter a piada do anúncio «T2, muito solarengo»…
Valupi,
Metido dois palmos pelo chão abaixo, confesso que já cometi igual indecência, e foi aqui no Aspirina. Uma alma bondosa alertou-me, estou-lhe grato a vida inteira.
Grave? Gravíssimo. Estou corado, não imaginas. Mas curado também.
Fernando:
Se é tão brando com os outros, porque é que é tão duro consigo próprio?
Abraço
eu gosto de bom tempo: chuva e nevoeiro.
LUZ DO SOL, LUZ DA RAZÃO
(Resposta à poesia de João de Deus, Luz da fé)
Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim…
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim…
Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz…
Ergo-os acima – e embora
Cegue, recebo-a a flux!
Crepúsculos são sonhos…
E sonhos é morrer…
Sonhar é para a noite:
Mas, para o dia, ver!
Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!
Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,
É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!
Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!
Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida…
Vida – calor e luz!
Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!
Bata-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!
Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu…
E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!
Em baixo! O que é em baixo?
Em baixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!
Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais
Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões…
E têm os próprios cegos
Um céu… nos corações!
Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê…
Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!
E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!
Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu…
Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo…
Tu, sol, e tu, razão!
1865.
Antero de Quental
Nuno Seabra Inteligente,
Descobriste a América e se calhar o pirelióforo e(digo eu) um soalheiro é um gajo que conserta soalhos. Duas descobertas num dia não é nada mau….
Luís Oliveira,
Não ligue. Isto é só carência de atenção.
Abraço.
Sertorius, tens de vir cá mais vezes pôr ordem na casa. Para quando o teu dicionário alternativo, edição conjunta com a amiga Soledade?
__
Anonymous, dias soalheiros já tive, com certeza. E com certeza que tenho. E espero continuar a ter, com certeza que espero.
__
Fernando, vergonha não é errar. É esconder. Estás tu, pois, muito bem.
__
Mao, excelente recordação dessa luz cheia de sombras.
Caro Sertorius,
observo que tem uma simpatia muito soalheira, no entanto agradeço-lhe a informação que me dá.
Relativamente à América, não tive o prazer de nascer a tempo de poder participar nesse evento.
Quando a pirelióforo, homessa!, chame-me inteligente se bem lhe agrada mas são se atreva a chamar-me de culto, pois desconhecia totalmente esse instrumento da física.
Cumprimentos.
E também há as casas solarengas assoalhadas e soalheiras.
O concerteza era eu. Viu mal o IP
Valupi,
o lugar mais obscuro é sempre debaixo da lâmpada, como diz e muito bem o provérbio oriental. Talvez a existência cinzenta a que se refere (a sua) seja uma sequência de dias solarengos ofuscados por um luminoso nevoeiro. E que melhor sítio para guardar o sol do que embrulhado na cortina que transforma os corpos em sombras?
Belle, constato que admites na minha vida uma sequência de dias solarengos. Comove-me esse delírio. Já agora, onde poderei encontrar a cortina das umbras?
Não é para chatear, mas a apresentadora da TVI prometeu hoje, de novo, para o Sul, esta coisa: um «dia solarengo».
Mandem um bocadinho.
Valupi,
O que os sábios aconselham é que se comece pelo mais próximo. Parece fácil, mas nem sempre é. Talvez essa cortina, essencial para o desvelamento do ser e do sol, seja a última imagem que os seus olhos registam, antes de se fecharem. E a ter uma cor, imagino que seja da cor do sol. Do sol quando parte, ao cair da tarde, esvoaçante, em busca da sombra.
Fernando, talvez eles tenham razão. É que cada vez são mais.
__
Belle, essa do sol ir à procura da sombra, ao cair da tarde, passou-se nalgum solar? Ou num solário?
Primito: e já sabes que sou all for that in the linguistic related arena. O caso é bem curioso: a palavra primitiva (sol) que deu origem ao substantivo derivado (solar) ressurge semanticamente no adjectivo «solarengo». É um delize morfo-semântico bem engraçado.
Pois aparece, primo. É por isso que se dá a substituição no uso inculto. Daqui até à regressão etimológica, é só um raio de sol.
“Fernando, talvez eles tenham razão. É que cada vez são mais.”
Ai do linguista que queira ensinar seja o que for no campo da ortografia. Arrisca-se a ver a coisa referendada.
Máscara,
Ortografia? A propósito de «soalheiro» e «solarengo»? Ao que tu te… arriscas!
Solar vem de solo (solu) rente ao chão. Por oposição à torre; à casa- forte.
Regressão ao macaco é a vossa. Desde quando é que solar vem de sol? vem do solo- o solar com o piso térreio- a loja- a loggia, seus nabecos.
térreo= terreiro. Solar= solo: loja.
O solar é a transformação do castelo para “moradia”.
Primo, andas-me a enganar com as etimologias. E logo num assunto tão chão. Depois dá nisto, apanhamos tau-tau de eruditos assanhados. Vou-me queixar ao José Pedro Machado. Mas lá que continuamos a um raio de sol da regressão, isso não se pode negar.
Valupi,
José Pedro Machado, de uma nuvenzinha, observa. E sorri. Mas deixou cá uns bons no ofício. Anónimos, estes. Excesso de modéstia.
Fernando, muito sorri quem tem o bichinho das etimologias. A minha experiência como o Zé Pedro, porém, tem uma faceta ingrata, pois o desejo é sempre o de chegar ao indo-europeu. E adiante, claro, até às portas do enigma maior.
“Desde quando é que solar vem de sol? vem do solo- o solar com o piso térreio- a loja- a loggia, seus nabecos.”
Não sei se percebi bem.
A passagem que cito quer dizer que a palavra “solar” na expressão “raio solar” tem a mesma origem etimológica que a palavra “solo”?
Valupi,
Só um, bom, um raio de sol para lá do indo-europeu. Sabes que a palavra para «água» é, provavelmente, anterior a ele?
A comparação faz-se com o nosso «aqua», com o «water/Wasser» germânico, com o «voda» russo (até aqui tudo muito indo-europeu) e com o «wad» (uéd) árabe, relacionado, este, com o nosso «vau», sítio (na água…) onde se pode passar.
De resto (cá vem a autobiografia), quando penso num vau, penso sempre num a sul de Mértola, no Wadiana, também chamado Guadiana. Por causa dele, têm os ‘gasolinas’ a caminho do Algarve que esperar a maré cheia.
Maré cheia? Num rio? A 60 km da foz?
Isso já são enigmas a mais num só dia.
Ora aí está um refrescante raio de sol, Fernando. Não conhecia esse rio linguístico. Mas fascinei-me, algures no tempo, com a descoberta de que as nomenclaturas do divino (como “Zeus”, por exemplo), nas línguas ocidentais, remetiam para o indo-europeu onde designavam o “dia”, a “luz”. O Sol, pois.
Luís, “raio solar” remete para a fonte, o Sol ou um sol.
Já em solarengo (adjectivo) ou apenas solar (substantivo), como qualquer comum dicionário atesta, “solar” remete para “solu” ou “solum”, donde vem o português “solo”.
Fica, entretanto, uma saborosa pergunta: como se gera, etimologicamente, “solu”?
solus (só)
salus (saudável; salvo)
solum (fundamento; solo; terra)
sol (sol)
vem tudo do étimo indo-europeu “sol” – o todo, o uno.(daí, v.g. a raíz da palavra inglesa “whole”)
anaximandro, seja bem-vindo. por esta bela explicação e pela outra, útil, lá em baixo.
bonito, Anaximandro, obrigado
quando eu estudei solos a disciplina era pedologia,