De que falas, Paulo?

Paulo Baldaia sentiu necessidade de se justificar perante Nuno Garoupa no âmbito da polémica originada pelas calúnias de José Manuel Fernandes e João Miguel Tavares contra a Global Media – Ainda e sempre, os princípios de um Estado de direito – o que o levou para um texto que, involuntariamente, acaba por expor uma dimensão fulcral da problemática da corrupção.

Começando pelo texto do Garoupa com o qual entra em diálogo – Falar de corrupção em Portugal é cada vez mais complicado – estamos perante um exercício intencionalmente ambíguo e insuportavelmente superficial. Para alguém que se apresenta como reputado investigador internacional na área do Direito, abrir, continuar e acabar a prosa a respeito deste magno tema com sofismas não é cartão de visita. Vejamos três exemplos:

Princípio – “Falar de corrupção em Portugal tornou-se um tema bastante complicado.

Tornou-se? Quando? Porquê? O articulista nada articula a respeito. Caso estivéssemos na sua presença, daria para perguntar-lhe em que período da nossa História recente ou longínqua o tema foi falado sem complicações de maior. Obviamente, esta frase está vazia de sentido quanto à sua denotação. Já quanto à conotação, ela remete para outra conversa que lhe dá o subtexto: a vozearia a respeito de alguns suspeitos de corrupção. É nesse imbróglio que aparecem tanto os que alimentam os ataques caluniosos como aqueles, muitíssimo menos e muito mais fracos até à data, que erguem os princípios do Estado de direito na defesa dos inocentes, na defesa da decência e na defesa da Lei. Só que este confronto não equivale a estar-se a falar da corrupção, pois tal exige competências intelectuais que estão ausentes nos indivíduos que atacam alguns suspeitos de corrupção. Para estes linchadores, a dinâmica é somente emocional e cognitiva, sendo compulsivamente activos na distorção de factos e na selecção da informação que lhes continue a confirmar e legitimar a violência que exercem no espaço público. Perante este cenário, o Garoupa resolveu verbalizar do alto da sua sapiência que acha isto tudo assim um bocado pró complicado.

Meio – “Porque, quando a justiça penal não cumpre cabalmente o seu papel, o que acontece são as condenações na opinião pública e na comunicação social.

Ai, sim? Ai, então é isso? Nesse caso, admitindo a lógica do argumento como boa, antes desta vaga de condenações na opinião pública e na comunicação social a justiça penal estava a cumprir cabalmente o seu papel. Tendo em conta que o fenómeno está bem datado no tempo, será fácil começar a explicar o problema. Que se terá passado com a justiça penal nos últimos anos? Para uma figura com o porte académico do Garoupa, deveria ser fácil, facílimo, diagnosticar a maleita. Acontece que ele prefere largar umas inanidades, talvez porque não lhe interesse investigar quem, e como, e porquê, anda a fazer condenações na opinião pública e na comunicação social, independentemente do desempenho formal e estatístico, a nível nacional, da justiça penal. E não lhe interessa porque tal obrigaria a ter de botar faladura sobre a especificidade dos alvos em causa.

Fim – “Continuar a insistir, no debate público, que só devemos falar de corrupção quando haja condenação transitada em julgado é fugir da realidade de uma justiça penal que não funciona [e blá-blá-blá]

Este final é maravilhoso. A quem é que ele se dirige? Quem é que em Portugal, no país mediático que está aqui a servir de referente ao autor, anda a dizer que “só devemos falar de corrupção quando haja condenação transitada em julgado”? Isto é completamente estúpido. As condenações transitadas em julgado apenas se invocam no âmbito dos casos individuais. É aí, e só aí, que servem de critério para se falar de corrupção numa ocorrência concreta e devidamente investigada e julgada nos tribunais. Mas para se falar da corrupção enquanto questão sociologicamente vasta e politicamente importantíssima não temos de ficar reféns das sentenças e condenações avulsas. Podemos, e devemos, falar de corrupção a partir dos variadíssimos instrumentos e recursos que os institutos de investigação na área das ciências humanas têm à disposição dos interessados. Igualmente, os jornalistas podem falar da corrupção a partir das suas investigações próprias do fenómeno. Isto é básico, é óbvio, é o mínimo dos mínimos a realçar quando o tópico é “corrupção”. Porém, se o Garoupa quiser antes falar acerca dos “corruptos”, pois que se chegue à frente e demonstre onde estão as reais falhas da justiça penal em cada caso onde as detectou.

Regresso ao Baldaia. O seu texto é fraco, no sentido de não ter força. Pode-se admitir que não tinha alternativa, pois não iria abrir uma polémica com o Garoupa, por um lado, e estava simultaneamente a querer fechar a polémica com JMF e JMT, pelo outro. Aliás, quase que responde ao Garoupa como ele merecia, mas fica-se pelo grau abaixo. Todavia, este parágrafo pede explicitações detalhadas:

O que não é aceitável é mandar às malvas a presunção de inocência, encontrando vítimas que nos ajudem a sossegar a consciência pela fraca investigação criminal que se faz em Portugal. De forma justa, é preciso dizer que ela tem melhorado muito nos últimos tempos e que ficou definitivamente enterrada a ideia de que aos poderosos nunca acontece nada. Mas se ainda há muito caminho para percorrer, convém que ele não seja feito atropelando os princípios do Estado de direito."

A investigação criminal melhorou muito nos últimos tempos, diz o ex-director de informação da TSF e actual director do Diário de Notícias. A ser verdade – e se calhar é, se calhar acabou mesmo a “impunidade”, estará também a dizer-nos este senhor – seríamos capazes de recorrer à TSF e/ou DN para encontrar as notícias e reportagens que o atestam. Não me refiro às opiniões, do que falo é de jornalismo. Desconfio que essas notícias pura e simplesmente não existem. E se dermos como exemplo o BPN e a Operação Marquês, o que as notícias revelam é exactamente o contrário.

Melhorou em quê? Desde quando? Graças a quem? E que “caminho” é esse que falta “percorrer”? Perguntas que alguém com tanto poder e experiência na imprensa não só está em condições de responder como, de certeza, terá como missão dar-lhes a melhor resposta pública que encontrar. Ou isto não passa de uma converseta entre comadres?

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13 thoughts on “De que falas, Paulo?”

  1. o paulo não faço ideia , o nuno fala disto : “Estamos em 2017, não em 1974. Aplicando o princípio anterior, absolutamente razoável e louvável, há uma conclusão óbvia: em Portugal, nestes 43 anos, não houve corrupção. Nem gestão danosa. Nem tráfico de influências. Nem houve, mais genericamente, criminalidade de colarinho branco. Porque o número de condenações transitadas em julgado por estes crimes é completamente despiciente. Tão marginal que praticamente não existem estatísticas. Decorre desta observação, continuando a aplicar o princípio enunciado no parágrafo anterior, que Portugal é um oásis sem corrupção, sem gestão danosa, sem tráfico de influências e sem grande criminalidade de colarinho branco ”

    ora , nestes últimos anos , aqui ao lado , na espanha , foram presos dezenas , dezenas , dezenas de políticos corruptos. uma vergonha para a península ibérica e para portugal , este vizinho tão corrupto …nem sei como não pediram ainda para serrar o bocado do jardem à beira mar plantado , puro e impoluto :)

  2. e continua , o nuno : “Curiosamente, a classe política diz-se vítima preferencial destas condenações. Mas foi a classe política que nada fez para que a justiça penal funcionasse, para que existissem condenações efetivas, para que o honorável e saudável princípio do Estado de direito pudesse ser o critério do cidadão razoável. ”

    que texto tão sem sumo , de facto :)
    e não sei que corrupção irão estudar os estudiosos portugueses, já que aqui não há dados … talvez a do brasil ? a da espanha? aqui estão tramados , não há objecto de estudo , se alguém disser que há , é calúnia ,calúnia , calúnia ( será que roland barthes consegue explicar o subtexto , a conotação , a denotação , o significante e o significado , ah , e a cena do simbolismo , de a palavra calúnia ser a palavra mais usada no aspirina ? a palavra está a ficar gasta , puída , miserável , tadinha , mete dó )

  3. ” Porém, se o Garoupa quiser antes falar acerca dos “corruptos”, pois que se chegue à frente e demonstre onde estão as reais falhas da justiça penal ” .

    Destaco este naco ( não lí o resto ).
    Esta é piramidal !
    Como se o Garoupa tivesse acesso aos autos – ou como dizia o outro, o livro de reclamações :)

    Portanto no Estado de Direito, essencialmente, temos que : caracteriza-se pela submissão do Poder Mediático, ( instituido por Valupi ) ao Poder Judicial, já que o jornal casou-se com a calúnia, substituindo como órgão de soberania, o … Diário da Republica :)
    É mais uma estrofe no samba do crioulo louco .

  4. Yo e VALUPI,
    Tecnicamente, calúnia é a afirmação, propalação, por uma pessoa de um facto ofensivo que é falso e de cuja falsidade essa pessoa está perfeitamente consciente. O uso persistente da palavra calúnia e dos seus derivados por parte do VALUPI tem sido, na esmagadora maioria dos casos, tecnicamente inapropriado, pois, aí estaremos antes em presença de difamação (emissão de juízos e/ou de factos ofensivos, mesmo sob a forma de suspeita.
    Quanto à corrupção, este é um crime duplamente público: em sentido processual (não carece de queixa para que o MP inicie a investigação, bastando o conhecimento de factos que indiciem a sua existência) e em sentido substantivo (é um crime próprio ou específico que só pode ser cometido por agentes públicos ou equiparados. Também pode abranger outras pessoas mas só em caso de comparticipação com agentes públicos).
    Este é, pois, um delito que permite (exige) uma dupla abordagem: judicial e política. Quanto à judicial, estamos conversados: não há (nunca houve em Portugal) investigação criminal própria de um estado de direito mas sim caça às bruxas, sem qualquer respeito pela lei, nomeadamente, pelas garantias estabelecidas no Código de Processo Penal e na Constituição. Quanto à abordagem política, estamos conversados também, pois não há um debate sério sobre problema. Os agentes políticos não querem e nunca quiseram esse debate, por isso não o promoveram nem promovem – boicotam-no mesmo. Fica, pois, o campo livre para os justiceiros bolsarem, em berrarias, os seus ódios políticos.
    Às vezes, fica também evidenciado, como poderoso estigma acusador, o silêncio dos cobardes e dos
    oportunistas, sobretudo dos que, por muitas e muitas razões, deveriam falar, não só para defenderem alguns acusados, mas também, para acusarem alguns dos acusadores da nossa praça pública.

  5. ó, estás a exigir que sejam exigentes. para isso teriam de ganhar ainda mais para articularem o pensamento com os factos. recebem para dizer apenas o que pensam e, com isso, influenciar massas. que luxo de glock.

  6. obrigada , Filotemis . o V puxa-lhe para o sentimento quando escreve sobre estes temas e baralha os mais incautos. . por exemplo , nesta análise de conteúdo dos dois artigos levava negativa , completamente enviesada . e rebusca para disfarçar e parecer muito inteligente :)

  7. Boa, Filotemis. Deixou os “yôs yôs” a patinar.
    O conhecimento e a clarividência que demonstra nesse seu curto texto já rareiam neste espaço, que sempre visito, mas já raramente comento. Ao seu não resisti.

  8. Filotemis, não te peço que leias tudo o que já escrevi sobre o tema da calúnia, mas se lesses irias encontrar lá essas definições, jurídicas, que trazes. Acontece que no meu uso livre do conceito não me estou a restringir aos limites do que seja considerado calúnia e difamação em contexto judicial. A calúnia, como categoria abrangente que se define como o ataque à honra e a criação de suspeições, é algo que se identifica facilmente sem ser preciso levar cada exemplo a tribunal. Aliás, a difamação e a calúnia são crimes onde a subjectividade dos juízes tem um peso literalmente decisivo.

  9. Normalmente, os mais corruptos são aqueles que mais clamam contra a corrupção. O Brasil recente explicou isso muito bem.

  10. «O seu texto é fraco, no sentido de não ter força.», ui?!

    Valupi, larga o vinho e deixa o JMT e o Paulo Baldaia sossegados que, pelo menos, não são de aparências e dão a cara e não se escondem cobardemente como tu te apresentas por aqui.

    ________

    aeiou
    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 19:05
    O seu comentário aguarda moderação.

    Valupi, ainda mais a propósito: linda maneira de assinalar o 25 de Abril (ou de o envergonhares, conforme). Na base da CENSURA dos comentários por mais inócuos que eles sejam apesar de, alegadamente, só teres merdas sem jeito nenhum para defenderes. Com censura até para um gajo como tu o mundo seria tão mais fácil, tu que acharás que brilhas mais mas não se sabe no quê.
    aeiou
    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 19:12
    O seu comentário aguarda moderação.

    24 DE ABRIL DE 2017 ÀS 15:09
    24 DE ABRIL DE 2017 ÀS 16:34
    24 DE ABRIL DE 2017 ÀS 16:43
    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 19:05
    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 18:03

    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 18:54
    25 DE ABRIL DE 2017 ÀS 18:58

    São às dezenas os exemplos de censura no Aspirina B, senhores! De que tens medo, Valupi?
    https://aspirinab.com/valupi/o-bronco-e-o-macaco/#comment-750393
    https://aspirinab.com/valupi/o-fa-no-1-de-passos/#comment-750385

  11. H
    ouve duas pessoas
    inteligentes que
    responderam aos
    meus textos da semana
    passada sobre a justiça, a
    comunicação social e Dias
    Loureiro. Ainda que fazendo algum
    esforço para fi ngirem que não
    perceberam aquilo que escrevi,
    Miguel Sousa Tavares e Pedro
    Adão e Silva levantaram objecções
    que merecem ser desmontadas,
    ainda que no essencial a minha
    argumentação já tenha sido
    exposta por Nuno Garoupa em
    dois bons artigos no DN sobre o
    tema da corrupção.
    […]

    P., 27.4.2017, p. 44

    ______

    Olha lá, ó Valupi. Tantas tangas que postas sobre o JMT e ele, mal-agradecido ainda por cima, está a chamar-te burro?

  12. “Falar de corrupção em Portugal é cada vez mais complicado”
    Ai é? Então porquê? Não está ao alcance de qualquer um? É assim tão difícil?
    Ai DAVOS-IUS tanto jeito conhecer a “Partícula de Deus” ou pelo menos andar vestido como ela para perceber como a criatura funciona. Macronizem-se ou iodem-se se puderem.
    É verdade:
    O Rangélio, ainda não percebeu que Kim só há Un o Jong e mais nenh-un, assim como Jeroen também só há um o Dijsselbloem que caga nele e mais nenhum.

    Será que é desta vez que vamos ver Moreia Isabel a passear o seu Rottweiler sem trela junto do Hotel Aljube ou que será que está a um passo de se converter à sandália, ao tapete e à Burkina e que vai largar o vinho?

  13. E pronto …
    Segundo Filotemis, que eu suponho ser uma fachada para Valupi, quem deveria agir, age mal, quem deveria falar, não fala, os justiceiros ( o que quer que isso seja ) berram, quando deveriam estar calados e não falar, os cobardes não acusam ( mas não seria isso delação, coisa repugnante para a massa pensante daquí ? ) nem defendem ( quem, os oportunistas ? ) e os oportunistas, não defendem, nem acusam os que que acusam ( que só podem ser os que deveriam agir, o que portanto resulta paradoxal, e também, os tais ditos justiceiros, que, sendo essencialmente pessoas revoltadas com a impunidade, de nada podem ser acusados porque nenhum crime cometeram .

    Resumindo, no Estado de Direito, o essencial é que a comunicação social se mantenha nos limites do Príncipe, que é casado com a Inocência, e amante da Inércia, ambas estas senhoras, as verdadeiras matronas do Poder Judicial .
    E assim se continua a enriquecer o enredo do samba do crioulo louco …

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