Arraial, arraial, por Portugal

«O que me parece que existe neste caso de Ivo Rosa é algo que é absolutamente habitual na actuação do Ministério Público, o que é raro é que isto seja feito relativamente a um magistrado judicial. [...] Esta espécie de instrumentalização do processo penal, de medidas altamente intrusivas dos direitos, liberdades e garantias, não em função da tentativa de apuramento de crimes, mas de pura e simplesmente andar à procura de coisas, isto é típico de Estados policiais. Isto é o que fazia a Stasi, isto é o que fazia a KGB, isto é o que fazia a PIDE. [...] Isto ocorre há muito tempo. Isto ocorre perante ou a passividade, ou a inoperância, ou a cumplicidade de sucessivos responsáveis da Procuradoria-Geral da República. [...] Neste momento, não só podemos pensar que há uma intimidação do sistema político, como podemos pensar que há também uma intimidação do poder judicial. [...] É uma questão de regime, a de saber se nós temos separação de poderes, se nós temos o respeito pelo Estado de direito dentro dos próprios operadores judiciários, e se os magistrados judiciais vão ou não ser o garante do Estado de direito e das liberdades, ou vão ser um instrumento ao serviço do Ministério Público.»

Pedro Siza Vieira

«Este caso do juiz Ivo Rosa é de facto muito grave, e eu tenho pena que o Senhor Presidente da República ainda não se tenha pronunciado sobre isto. Tinha que meter o dedo na ferida. A ideia que fica para a opinião pública é muito simples: este juiz estava a decidir contra a opinião do Ministério Público, passa a ser investigado. Ponto. E a partir daí isso também é um sinal para os restantes: "Quem manda somos nós, e vocês ou se portam bem ou nós vamos atrás de vocês". Essa forma de o Ministério Público actuar é completamente inaceitável. [...] Sobre um crime que se passa dentro de casa, que é as fugas de informação, não há uma investigação. Isto significa que todos nós podemos ser acusados, se cometermos crimes temos de pagar pelos crimes que cometemos, mas aqueles senhores podem cometer crimes diariamente e nunca são responsabilizados pelos crimes que cometem. E não há crimes bons nem crimes maus. Um crime é um crime, e isto é um crime.»

Duarte Pacheco

Pedro Siza Vieira e Duarte Pacheco são duas prestigiadas figuras da elite política nacional, tendo já desempenhado cargos de alta responsabilidade política. Comungam também por terem uma invariável pose de estadistas, respeitando as regras de decência e deferência no trato das questões públicas e na relação com os diversos agentes políticos e comunitários. Não se venderam à indústria da calúnia, discursam a partir de uma assunção de honra e, portanto, responsabilidade.

Pois aqui estão eles em sintonia, fazendo em público uma das mais alarmantes denúncias que é possível conceber em democracia — a de que temos um Ministério Público que viola o Estado de direito democrático; portanto, que comete crimes impunemente. Que o mesmo é dizer que estamos numa situação de irregular funcionamento das instituições, agravado tragicamente pela cumplicidade do sistema partidário e, principalmente, do Presidente da República.

Estas palavras lancinantes e implacáveis não geraram qualquer comoção popular, nem reacção fosse de quem fosse. Os patrões da imprensa, os editorialistas, os jornalistas e o comentariado, a que se somam os deputados, são todos igualmente cúmplices. Sabem o que se passa, sabem o que significa, sabem as consequências, mas alinham porque há diversas agendas que se juntam com a mesma finalidade: é preciso que o auto-de-fé de Sócrates, em que uns foram linchadores e outros cobardia, se consume. Estar a dizer que o Ministério Público violou a lei com o Ivo Rosa dá azo a que, por maioria de razão, se leve o bom povo a pensar que fez o mesmo na Operação Marquês. E isso seria uma chatice do caralho para o projecto de manter o País subjugado por criminosos que juraram defender a Constituição.

2 thoughts on “Arraial, arraial, por Portugal”

  1. Viver numa aura de impunidade, num trono de privilégio ou numa dimensão divina e de repente assentar na realidade dos comuns mortais é de facto doloroso. Uma chatice do caralho!

    É a vida. Aguentem-se! Habituem-se!
    Ahahah …

  2. <<É uma questão de regime, a de saber se nós temos separação de poderes, se nós temos o respeito pelo Estado de direito dentro dos próprios operadores judiciários, e se os magistrados judiciais vão ou não ser o garante do Estado de direito e das liberdades, –XXX ou vão ser um instrumento ao serviço do Ministério Público.XXX– »<<
    <<E não há crimes bons nem crimes maus. Um crime é um crime, e isto é um crime.»<<
    AS PERGUNTAS QUE ELES NÃO FIZERAM
    QUO BONO?
    Ou seja, se os magistrados vão ser um instrumento ao serviço do mistério publico, o mistério publico está ao serviço de quem ?
    E se isto é um crime, quem prende os criminosos?

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