Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Governo d’Abranhos

Curso de ciência política

«Já então revelava o seu gosto pelo luxo, pelas largas habitações tapetadas, pelo serviço harmonico de lacaios disciplinados. A pobreza e os seus aspectos era-lhe odiosa. Quanta vez, mais tarde, quando elle subia o Chiado pelo meu braço, eu me vi forçado a afastar com dureza os pobres, que á porta do Baltresqui, ou da Casa Havaneza, vinham, sob o pretexto de filhos com fome ou de membros aleijados, reclamar esmola; o Conde, se os via muito perto, «ficava todo o dia enjoado». Todavia a sua caridade é bem conhecida, e o Asylo de S.Christovam, a que em parte deveu o seu titulo, ahi está como um attestado glorioso da sua magnanimidade.

Além d'isso, elle reconhecia que a caridade era a melhor instituição do Estado. Quanto ao pauperismo, tinha-o como uma fatalidade social: fôssem quaes fôssem as reformas sociais, dizia, haveria sempre pobres e ricos: a fortuna pública devia estar naturalmente toda nas mãos d'uma classe, da classe illustrada, educada, bem nascida. Só d'este modo se podem manter os Estados, formar as grandes industrias, ter uma classe dirigente forte, por possuir o ouro e ser a base da ordem social.

Isto fazia necessariamente que parte da população «tiritasse de frio e rabeasse de fome». Era certamente lamentavel, e elle, com o seu grande e vasto coração que palpitava a todo o soffrimento, lamentava-o. Mas a essa classe devia ser dada a esmola com methodo e discernimento: e ao Estado pertencia organizar a esmola. Porque o Conde censurava muito a caridade privada, sentimental, toda de expontaneidade. A caridade devia ser disciplinada, e, por amor dos desprotegidos, regulamentada: por isso queria o Asylo, o Recolhimento dos Desvalidos, onde os pobres, tendo provado com bons documentos a sua miseria, tendo apresentado bons attestados de moralidade, recebessem do Estado, sob a superintendência de homens praticos e despidos de vãs piedades, um tecto contra a chuva e um caldo contra a fome. O pobre devia viver alli, separado, isolado da sociedade, e não ser admittido a vir perturbar, com a expressão da sua face magra e com a narração exagerada das suas necessidades, as ruas da cidade. «Isole-se o pobre!» dizia elle um dia na Camara dos Deputados, synthetizando o seu magnífico projecto para a creação dos Recolhimentos do Trabalho. O Estado forneceria grandes casarões, com cellas providas d'uma enxerga, onde seriam acolhidos os miseraveis. Para conseguir a admissão, deveriam provar serem de maior edade, haverem cumprido os seus deveres religiosos, não terem sido condemnados pelos tribunaes (isto para evitar que operarios d'ideias subversivas que, pela grève e pelo deboche, tramam a destruição do Estado, viessem, em dias de miseria, pedir a esse mesmo Estado que os recolhesse). Deveriam ainda provar a sobriedade dos seus costumes, nunca terem vivido amancebados nem possuírem o hábito de praguejar e blasphemar. Reconhecidas estas qualidades elevadas com documentos dos parochos, dos regedores, etc., seria dada a cada miserável uma cella e uma ração de caldo igual á que têm os presos.

Mas, dir-se-ha, o Estado, então sustenta-os de graça? Não, — poderia exclamar triunphantemente o Conde, mostrando as paginas admiraveis do seu regulamento, em que se estabelecia, com um profundo sentimento dos deveres do cidadão para com a cidade, que todo o pobre admittido seria forçado a uma considerável somma de trabalho, segundo as suas aptidões. O mais útil paragrapho, a meu ver, é aquele que determina que grupos de pobres sejam forçados a calçar as ruas, collocar as canalizações de gaz, trabalhar em monumentos publicos, etc. Taes serviços, todos em favor da Camara Municipal, obrigá-la-ia a concorrer para a despesa d'esta instituição, alliviando assim o Estado d'uma grande parte dos gastos.

Uma vez admittidos, os recolhidos perderiam o direito de sahir — a não ser que provassem que iriam d'alli ser empregados, de tal sorte que não lhes fôsse possivel recahir nos acasos da miseria.»

O Conde d’Abranhos – Notas Biográficas de Z. Zagalo_Eça de Queiroz_1925 (póstumo)

Revolution through evolution

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Dominguice

Em política, podemos apoiar ou reprovar ideias de esquerda e direita (e tudo o que caiba no meio), atitudes decentes e indecentes (e tudo o que se misture no meio), e posições críticas e acríticas (sem nada que caiba no meio).

Na política, o espírito crítico é quem mais ordena. Sem ele, qualquer ideia, seja de esquerda ou direita, acabará fatalmente por se tornar indecente.

Was will das Weib?

«O Chega cresceu em todos os escalões etários e continua a ser um partido mais forte junto dos homens, mas cresceu agora mais entre as mulheres, por comparação com as legislativas anteriores»


Fonte

E sobre o Trump, nas suas duas vitórias, é melhor nem falar nisso.

Perplexidades. Da democracia e da natureza humana.

A percepção (correcta) de que há demasiadas pessoas a viver em barracas

Muito se tem falado nas percepções a propósito do número de imigrantes no país e do que por cá fazem de bom ou de mau. Uns dizem que a criminalidade aumentou por causa dos imigrantes, o que as autoridades policiais desmentem, outros que não há qualquer problema com as comunidades imigrantes, que são necessários braços (de fora) para trabalhar, que todos vêm por bem e que, na sua esmagadora maioria, são pacíficos. Eu estou convicta que sim. Não gosto, porém, como ninguém gosta, da vinda de novas redes criminosas, como o perigoso PCC brasileiro, que podiam bem não se internacionalizar por cá, mas acompanharam a vinda de muitos e pacíficos brasileiros que por cá se têm instalado. Ossos que é preciso roer.

Os números exactos de imigrantes são desconhecidos, o que é de lamentar. Convinha ter um quadro mais preciso para se saber do que se fala. A diferença entre um forte afluxo de estrangeiros que se vêm estabelecer no país e uma invasão é facilmente reconhecível (e explorável). Por exemplo, numa aldeia pacata/definhante de 500 ou 1000 habitantes (ou num bairro lisboeta), a chegada de 500 ou 1000 paquistaneses, nepaleses e indianos aproxima-se do conceito de “invasão”. Aproxima-se, mas não é, pois trata-se de pessoas pobres e sem armas nem poder. Se não estão de passagem (como acontece com as “invasões” de turistas) e começarem a impor os seus hábitos, tradições, culturas e religiões na sociedade pequena em que é suposto integrarem-se, é bem possível e natural que os locais, depois de acharem piada à novidade e até sentirem gratidão pela juventude, reajam mal. Tudo depende também do grau de “acicatamento” dos chamados preconceitos. Mas qualquer preconceito precisa de um período probatório para se desvanecer. Se se desvanece ou não, depende. Mas uma aldeia ou um bairro, por si sós, não podem proclamar-se territórios independentes dentro do país global. Por conseguinte, há a obrigatoriedade de cumprimento das regras em vigor no país. Até agora, é o que tem acontecido. Mas mais ou menos com as barracas… não é?

Por exemplo, não é permitido por lei desviar electricidade ou água das redes de abastecimento, nem é permitido construir sem licença nem condições sanitárias, e muito menos é permitido ocupar terrenos privados para esse fim. Tudo isto é o que fazem os moradores das barracas que começaram a surgir nos arredores de Lisboa quase sem que ninguém se apercebesse. Os movimentos/associações ditas humanistas dizem que, por pena dessas pessoas, há que fechar os olhos. Não têm posses para mais. Nem alternativas (será mesmo assim?). Claro está, não são essas associações nem nenhum dos seus membros os donos dos terrenos nem seus vizinhos. Por outro lado, sabemos que, uma vez permitidas 50 barracas, depressa se avolumarão 5000, o que não pode ser aceite.

Acontece que, neste caso, não estamos no domínio das percepções. As barracas existem mesmo, são muitas e não podem ser aceites nem à face da lei nem à face dos nossos valores civilizacionais e níveis sanitários. O autarca de Loures está a ser bruto? Não me parece. Em Almada faz-se o que ele fez. É um problema. Toda a gente tem que saber o que pode ou não fazer à face da lei. Nenhuma das pessoas que vi entrevistadas me pareceu destituída. O mal já vem de trás, claro. Não devia ter vindo para Portugal nenhum adulto (incluindo as “esposas”) que não tivesse perspectivas de trabalho e de sobrevivência tal como a sociedade, os municípios e o mercado se apresentam. Digo sobrevivência para si e para os filhos também.

E agora que cá estão? Agora, há um trabalho a fazer. Nem todas as pessoas que vivem nas barracas o fazem pelas mesmas razões. Já dei por mim a pensar que o dinheiro que muitos gastaram a comprar as placas de zinco, madeira e outros materiais daria bem para vários meses de renda e de contas de água e luz num apartamento com condições. Nem todos os que ali estão são incapazes de pagar rendas. Ouvi uma senhora moradora dizer que estão melhor ali, nas barracas, porque assim estão mais perto dos seus países, dos seus “iguais”. Enfim. Assim é difícil. E também muito fácil responder o que todos estamos a pensar.

Neste momento, tudo deve ser discutido de forma clara, deixando de lado os chavões do ódio, de um lado, e as acusações de extremismo esquerdista que se alimenta da pobreza e das barracas, do outro. A base deve ser a inadmissibilidade das barracas num país do primeiro mundo, a recusa da indignidade daquelas condições sanitárias, a inadmissibilidade dos roubos e também, sim, o respeito pelo sentir das populações do concelho. Ricardo Leão irá ganhar a Câmara de Loures e não será por “o ódio” ter vencido. Não sejamos básicos. A imigração sem condições deve, de facto, ser resolvida. Sem prejuízo de se resolver ao mesmo tempo o problema dos preços da habitação e da falta dela (que afecta também os não imigrantes) e o da distribuição dos imigrantes por outras regiões que não a grande capital. Cada caso daquelas pessoas é um caso e assim deve ser avaliado e tratado (havendo também oportunistas), de modo a que apenas reste um número residual de barracas até poderem ser eliminadas. Não posso, pois, estar contra os autarcas que querem pôr fim a tanta ilegalidade e falta de higiene.

Revolution through evolution

7000 steps a day cuts death risk by 47% — and that might be all you need
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‘Toothless’ Compulsory Voting Can Increase Voter Turnout
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Dominguice

Num conflito militar, a parte forte não tem qualquer motivo para escolher a paz. Em vez disso, tenta infligir os maiores sofrimentos que conseguir na parte fraca até que esta capitule. Aceitando um acordo de paz, a parte forte imporá condições vitoriosas. A parte forte ganha sempre, como sempre.

Mas quantos tipos de força existem? Eis o que nem a parte forte pode saber.

Saiu a sorte grande à Ghislaine?

A degradação da democracia americana está a atingir um nível quase inimaginável. Diria que as chamadas “Repúblicas da Bananas” eram, apesar de tudo, mais discretas.

Quem, como eu, segue no X um punhado de ilustres democratas com as entranhas revolvidas desde a reeleição do Trump, constata dia após dia, mês após mês, a repetida e crescente indignação destas pessoas com o discurso, as políticas, o comportamento e os abusos de Donald Trump ao ponto de já quase lhes faltarem as palavras para comentarem o que veem. Esperavam o pior, é claro, mas não com esta gravidade.

Trump, recordemos, é um indivíduo que, alegadamente rico, se julga acima da lei, aliás julga ter todo o direito de não a cumprir, muito menos agora que é presidente e descobriu que pode fazer o que quer, e que, tendo extensa matéria criminal a persegui-lo, resolve passar a controlar as instâncias judiciais do país e garantir assim que não será mais na sua vida incomodado. Mas mais: que, se possível, irá silenciar os adversários com ameaças e acções judiciais (se as chantagens não funcionarem) com desfechos favoráveis garantidos, pois terá os juízes na mão, nomeadamente os do Supremo. É o caso agora com a perseguição a Obama, após se ver “entalado” com o caso Epstein. Pelo caminho, procurará garantir que ninguém o tirará da Casa Branca. Entretanto, transformou a sede do Governo na sede dos seus negócios, ganhando milhões com esquemas vários.

 

Temos então que o homem enche os bolsos na Casa Branca, internacionalmente admira ditadores e assassinos da índole de Putin e Kim Jong Un, desconhece o conceito de aliados, ignora a História, desrespeita todo o mundo (menos os tais ídolos), rodeia-se de fiéis incompetentes, desde que fiéis, manda para prisões rodeadas de jacarés e outras de enorme violência em El Salvador ou no Sudão pessoas estrangeiras que não cometeram qualquer crime enquanto trabalhavam nos Estados Unidos, gaba-se disso e goza, perdoou aos bandidos que assaltaram o Capitólio, enfim. O rol de enormidades e alarvidades é extenso. São abusos e escândalos permanentes de que não há memória num país considerado democrático.

Nas últimas semanas, na iminência de ver comprovadas as suas ligações ao falecido pedófilo Epstein e, suspeita-se, a sua participação nos crimes de abusos sexuais de menores por este cometidos, tornou-se evidente que arrisca perder a sua base de apoiantes, mesmo os mais brutos e fanáticos, incluindo os que por ele invadiram o Capitólio sem problemas em matar pessoas. Tudo isto porque a grande teoria da conspiração abraçada por muitos desses seus apoiantes dizia que os democratas lideravam uma rede de pedofilia a nível mundial, com Hillary Clinton à cabeça, e Trump seria o único ser à superfície da Terra capaz de a destruir. Dizia o Guardian em 2020:

The QAnon conspiracy theory is vast, complicated and ever changing, and its adherents are constantly folding new events and personalities into its master narrative. But the gist of it is that national Democrats, aided by Hollywood and a group of “global elites”, are running a massive ring devoted to the abduction, trafficking, torture, sexual abuse and cannibalization of children, all with the purpose of fulfilling the rituals of their Satanic faith. Donald Trump, according to this fantasy, is the only person willing and able to mount an attack against them.

link

 

Fantástica teoria! Agora, ser ele o pedófilo é que não pode ser. Seria o fim. Ser “impeached”, impensável.

A “Madame” que recrutava as miúdas para consumo de Epstein, Ghislaine Maxwell, encontra-se presa e a cumprir uma pena de 20 anos de cadeia. Está, obviamente, por dentro do esquema todo, sabendo sem dúvida quem eram os outros clientes das jovens prostitutas (que ela angariava) para além do Jeffrey. A Advogada Geral, Pam Bondi (trumpista), disse (em Maio) que tinha diante de si a lista de clientes e que o nome de Trump constava da mesma. Como o ruído e a pressão se tornaram demasiados (apesar dos desmentidos posteriores de Bondi) e vergonha é coisa que não assiste ao Donald, a ideia será agora levar o Departamento de Justiça (totalmente dominado) a interrogar a “Madame” Maxwell (algo totalmente inédito) para, aparentemente, que esta diga que nunca na vida viu Donald Trump a fazer fosse o que fosse de errado, muito menos que fosse cliente ou sequer frequentador dos círculos de Epstein. A paga para esta operação de limpeza, penso eu, será o perdão da pena. Assim, à descarada. Tudo indica que será esta a escapatória escolhida por Trump. Aliás, já hoje lhe perguntaram se iria perdoar a Ghislaine, ao que ele respondeu que o pode fazer, mas que ainda não pensou nisso (para rir).

E os americanos nada poderão fazer a não ser, mais uma vez, escandalizar-se. Até porque o mal está feito: como é que naquele país se pode admitir como candidato a Presidente um vigarista com o currículo e o cadastro do Trump? Como?

 

 

Montenegro assustou-me

Confesso que fiquei assustado. Quando li Montenegro admite que “decisão do Governo pode ser reconduzir o atual governador” do Banco de Portugal: “Centeno reúne todos os requisitos”, no domingo, achei que Montenegro estava na iminência de se revelar um político brilhante. Logo ele, um hino à inanidade intelectual que está na política para servir os seus negócios, e faz negócios graças a estar na política.

Manter Centeno como governador do Banco de Portugal seria quase genial. Porque permitiria dizer que o Governo agia verdadeira e exemplarmente no interesse nacional, imune a pressões partidárias vindas do bloco que o suporta — e, acto contínuo, reforçar a carta-branca para ser, realmente, o governo-assombrado pelo Chega. E depois ainda poderia estar sempre a mandar à cara do PS que tinha mantido uma das suas mais importantes referências políticas num cargo de altíssimo prestígio e influência, deixando os socialistas sem saber como responder.

Felizmente, Montenegro revelou que continua igual a si próprio, e tratou de ir buscar o pastel de nata com sabor a laranja. Sosseguei.

Nas muralhas da cidade

«Ouvimos João Almeida dizer que acabou o tempo em que “nós” tratávamos imigrantes e nacionais da mesma forma (aquela imposição do artigo 15º da Constituição) e ouvimo-lo dizer que o país está a reconfigurar-se, já não o reconhece. Nunca tinha visto no CDS esta pontada súbita de teoria de substituição e parece-me evidente que não é no Príncipe Real que João Almeida se sente ameaçado na sua nacionalidade. O critério, de resto plasmado na obscena proposta de lei da nacionalidade, é cromático, é de sangue: querem, como nacionais, bisnetos de um português distante e não querem os que aqui estão há 5 anos por adesão. De onde vem a sensação de reconfiguração do país? Pergunto se João Almeida sentiria alguma reconfiguração se visse António Costa ou Francisca Van Unem numa rua qualquer do país e fossem ambos pessoas anónimas. Que sensação é essa? Não houve sobressalto geral. O limite do PAR é “fanfarrão”.»


Já está — vai demorar muito

Carneiro, já mediste bem a bocarra deste Leão?

Acabo de ouvir Ricardo Leão a justificar a acção da Câmara que lidera, no Bairro do Talude, com o argumento de que há pessoas a vender barracas por 2 e 3 mil euros. Até custa fazer esta pergunta, mas a câmara prejudicou em alguma coisa quem andou a fazer barracas para vender?

O que o Leão nos está a dizer é que, perante este negócio ilícito, a câmara decidiu castigar quem em desespero de causa pagou um balúrdio por uma barraca. Ora, estas pessoas continuam a não poder pagar por uma casa, no concelho de Loures, ou nos concelhos vizinhos. É, portanto, legítimo pensar que alguns terão de voltar a pagar por outra barraca, ali ou noutro local. Estará o Leão a dar um empurrãozinho a este negócio local?

Exactissimamente

«Um dos sucessos da extrema‑direita foi convencer-nos de que a imigração é um tema que separa de forma clara os dois lados do espectro político. Não é assim: tanto à esquerda como à direita sempre coexistiram posições diversas. Reduzir esta diversidade a um confronto entre uns e outros facilita o discurso no Parlamento, nas redes sociais e no comentário televisivo, mas é pouco útil para além disso.

[...]

Há quem defenda o controlo da imigração por motivos que nada têm de xenófobo ou securitário. À esquerda, houve sempre quem fosse favorável a uma regulação dos fluxos migratórios para evitar o agravamento da exploração laboral, a degradação das condições sociais e o crescimento de tensões comunitárias. Este argumento parte da ideia de que a imigração, se for deixada ao sabor do mercado, tende a beneficiar alguns sectores patronais à custa dos trabalhadores — tanto os que chegam como os que já cá estão. Defender a dignidade de quem migra implica garantir condições de acolhimento, integração e protecção laboral — o que dificilmente se compatibiliza com uma política de movimentos sem restrições.

[...]

Uma política migratória consequente tem de reconhecer que há tensões reais a gerir: entre mudança e estabilidade, entre abertura e sentimentos de pertença, entre direitos individuais e bem-estar colectivo, entre eficiência económica e coesão social.

[...]

Destruir o único alojamento de que as pessoas dispõem, fomentar o ódio ao outro (ou ser conivente com isso), restringir ao máximo o reagrupamento familiar ou colocar os direitos dos trabalhadores estrangeiros na mão dos empregadores, pode ser muita coisa. Não é, de certeza, uma política de imigração razoável, nem a construção de uma sociedade decente.»


Ricardo Paes Mamede

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório