Ricardo Parreira e a OML em homenagem a Carlos Paredes
Na noite de 2-10-2010 no Largo de São Carlos aconteceu um concerto extraordinário de um músico que eu desconhecia em absoluto e que passo a considerar um intérprete absolutamente excepcional no difícil instrumento que é a guitarra portuguesa. Trata-se de Ricardo Parreira que, em parceria feliz com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direcção de Pedro Neves, homenageou Carlos Paredes – e com ele a cidade de Lisboa. O concerto arrancou com Saint-Saens, Frederico de Freitas e Darius Milhaud mas o ponto mais alto em termos de emoção foi a «suite» para Carlos Paredes. A orquestração é de Tiago Derriça.
A minha emoção advém do facto de ter conhecido Carlos Paredes a partir de 1980 (foi-me apresentado na FIL por José Gomes Ferreira e Wanda Ramos) e de me ter dado a ideia (talvez errada) que o notável intérprete Ricardo Parreira mantém a pose discreta, modesta e simples do grande músico que homenageou. Ao ouvir a música dos «Verdes anos» e de outros clássicos de Carlos Paredes, foi como se estivesse a ouvir de novo a música de seu pai Artur Paredes e de seu avô Gonçalo Paredes lá pelas bandas de Coimbra. Foi como se tivesse ouvido de novo as campainhas daqueles eléctricos da Estrada de Benfica (o 5 e o 1) onde morava o Carlos Paredes. Foi como se tivesse voltado de novo àquela noite na FIL na Junqueira em que Carlos Paredes, perante aplausos que não terminavam, se voltou para José Gomes Ferreira e para Wanda Ramos a dizer da sua estranheza pelo volume e duração dos aplausos. Simples, modesto e discreto como sempre e como na noite de Lisboa Ricardo Parreira tão bem o recordou.
Freternal lembrança!
És dos que moram cá dentro,
no peito dos que amam magnificamente,
no coração daqueles que caminham sobre
a terra com a serenidade dos pássaros.
Não há biombos nos teus gestos
nem certezas nos teus passos:
é a vida inteira que te interessa,
é a simplicidades que te orienta,
é a musicalidade das canseiras
dos corpos suados que te agita;
numa perpétua dança de sons
que se cruzam com as vozes
dos que acenam aos deuses
o que seja o seu lugar;
sons que galgam do talento
sobre as marcas do improviso
e repousam puros e coloridos
onde a alma nos doi.
Ao escutar esses sons,
ao sentir o frémito volumoso e nobre
que sai da tua guitarra,
até o silêncio se arrepia.