Memórias da Terra Nova na Manteigaria da rua D. Antão de Almada
Por uma conversa de acaso com Fausto Bordalo Dias («Por este rio acima») descobri o local onde o autor-intérprete se abastece de bacalhau e fiz uma aquisição de experiência. Gostei e repeti pois este bacalhau recorda-me o sabor antigo do bacalhau da minha infância. Vinha ele em fardos de Alcobaça numa camioneta do armazenista Sebastião dos Santos Vazão. A estrada era de macadame: pó no Verão, lama branca no Inverno. Não digo que seja melhor do que os outros (Noruega, Suécia) mas os bacalhau da Islândia é «diferente» e nisto de sabores o reencontro com a infância é uma coisa especial, um valor acrescentado. Naquele tempo (anos 50) os homens da camioneta contavam histórias espantosas de quem na Terra Nova o pescava para nós. A campanha do bacalhau durava vinte meses e as jovens mulheres desses homens dormiam no chão por promessa ao São Paio dos Pescadores e vestiam de luto fechado com brincos de pano negro nas orelhas. Na Terra Nova os homens aguentavam, sem saber como, sete dias e sete noites no seu pequeno barco. Quando regressavam ao barco-armazém para pesar o peixe, abrir e salgar, dormiam dois dias e duas noites. Acordados, comiam mas não falavam durante horas. Era preciso que os outros lhe tirassem as botas e os despissem. Pouco depois voltavam para o nevoeiro e para a imensidão do mar.
Quando vinham de férias não tinham descanso porque iam trabalhar para o moliço, sempre a pensar no pão dos filhos e na vida triste da mulher a quem pouca atenção davam. Hoje nada é assim mas nos anos 50 eram estas as histórias que os homens da camioneta traziam pela estrada de Alcobaça entre pó e lama.
(foto David de Abreu)
A tua estória não está má, mas eu prefiro esta da Wapedia, sabe mais a sal:
“Voltando ao bacalhau, após regressar ao navio com a captura, o peixe era atirado para dentro de umas caixas, as quêtes, com a ajuda de forquilhas, que se chamavam garfos. Daqui passava para o troteiro que o degolava e abria, com uma faca de dois gumes, a trota. Ambas as denominações derivam do inglês troater. Passa para o quebra-cabeças, que lhe retira as vísceras, com uma pancada na espinha, que separa a cabeça definitivamente, empurrando-o para o escalador. Em cada mesa havia um buraco para o qual se atirava o fígado, lêvas na giria dos pescadores, que depois de reunidos eram colocados em barricas, ficando a decompor-se, separando assim o óleo dos restantes líquidos, que sendo menos densos ficavam por baixo, abrindo uma torneira que existia no fundo das barricas. Cabia ao escalador dar a forma ao bacalhau que nos habituamos, triangular e plano, usando uma faca de um só gume, após o que o atirava para dentro da selha de lavagem. Este trabalho decorre durante todo o dia, sob os rigores do clima, e do mar, que volta não volta tudo inunda com uma vaga. Com o cair da noite e a recolha dos últimos dóris, sob a luz das lanternas de petróleo, baldeia-se o convés, lançando ao mar os restos, a que os pescadores chamam gueira, que no entanto, vai deixando o cheiro entranhado no navio, que todos menos os pescadores notam e referem. Mas sob a coberta o trabalho continua, depois de lavado, o bacalhau vai para o porão para ser salgado, e talvez este seja o trabalho mais duro a bordo, com a escotilha quase sempre meia fechada, para proteger o bacalhau da chuva e dos golpes de mar, com pouca luz e o mau cheiro intenso, de gatas sobre o bacalhau que vão empilhando, os salgadores deitam mão cheia de sal atrás de mão cheia sobre o peixe, que passa então a ser “bacalhau verde”. A memória da dureza deste trabalho ficou marcada na expressão popular que algumas mães usavam quando queriam ameaçar os filhos: “se continuas assim, mando-te embarcar como salgador”. O frio, o sal, as linhas, em suma toda a dureza do trabalho reflectia-se sobretudo nas mãos. Incham, enrijam-nas, enchem-se de frieiras, que com o tempo rebentam, transformando-se em chagas. Nos dóris o trabalho não permite o uso de luvas, pelo que os pescadores usam umas tiras de couro para proteger as palmas a que chamam néplas. Todas as tarefas passam-se entre as 4 horas da manhã e a meia-noite, sem feriados ou fins-de-semana, e mesmo o tempo de vigia é tirado ao tempo de descanso”.
É preciso compreender uma coisa: a minha história do bacalhau é a única que eu podia escrever porque me foi transmitida via oral por homens que o distribuíam na zona de Alcobaça por esses tempos da década de 50. Esta pode até ser mais completa mas mal de mim se andasse a ir pesquisar: oresultado seroa assim uma espécie de trabalho de campo para um estudo antropológico. Não sou antropólogo.
.. e as campanhas não eram de vinte meses. Que me recorde na decada de 50, do seculo passado, as campanhas eram de cerca 8/9 meses, dependia da nave. Na decada de 60, devido á tecnologia, já havia navios que faziam 3 campanhas por ano ( ex: Srª dos Mareantes – Viana do Castelo).
Quanta historia e estòrias da pesca do bacalhau por contar…. E as fontes orais estão a desaparecer. Um desperdicio…
Meuse amiguse,
Já k afalamus de vacalhau, e ka pracisamus todus de nus cultibarmus. Bá leiam o ka baie a çaguire e aprendam keu num duru cempre.
Beja, 5 de Fevereiro 2006.
Eu, Maria José Pau, gostaria de saber da possibilidade de se
abolir o sobrenome Pau do meu nome, já que a presença do Pau me tem deixado
embaraçada em várias situações. Desde já agradeço a atenção despendida.
Peço deferimento,
Maria José Pau.
Em resposta, recebeu a seguinte mensagem:
Cara Senhora Pau:
Sobre a sua solicitação da remoção do Pau, gostaríamos de lhe
dizer que a nova legislação permite a remoção do Pau, mas o processo é
complicado e moroso.
Se o Pau tiver sido adquirido após o casamento, a remoção é
mais fácil, pois, afinal de contas, ninguém é obrigado a usar o Pau do
cônjuge se não quiser. Se o Pau for do seu pai, torna-se mais difícil, pois
o Pau a que nos referimos é de família e tem sido utilizado há várias
gerações.
Se a senhora tiver irmãos ou irmãs, a remoção do Pau
torná-la-ia diferente do resto da família.
Cortar o Pau do seu pai pode ser algo muito desagradável para
ele. Outro senão está no facto do seu nome conter apenas nomes próprios, e
poderá ficar esquisito, caso não haja nada para colocar no lugar do Pau.
Isto sem mencionar que as pessoas estranharão muito ao saber que a senhora
não possui mais o Pau do seu marido.
Uma opção viável seria a troca da ordem dos nomes. Se a senhora
colocar o Pau na frente da Maria e atrás do José, o Pau pode ser escondido,
pois poderia assinar o seu nome como ‘Maria P. José’.
A nossa opinião é a de que o preconceito contra este nome já
acabou há muito tempo e visto que a senhora já usou o Pau do seu marido por
tanto tempo, não custa nada usá-lo um pouco mais.
Eu mesmo possuo Pau, sempre o usei e muito poucas vezes o Pau
me causou embaraços.
Atenciosamente,
Bernardo Romeu Pau Grosso
Registo Civil de Beja
Giroflé,
Um encanto, lê-lo. Simplesmente um encanto.
Cometi um errro ao escrever a palavra «seroa» em vez de «seria». Por acaso até existe a palavra «seroar» como verbo de «fazer serão». Acontece só a quem cá anda. Quem nada faz não erra nunca.
Senhor JFK, não é importante. Fez, porém, uma intervenção didática.
toute a ber o nome do funcionário é Bernardo H. Romeu Pau Grosso, é assim que ele gosta de ser chamado em voz alta.
Como o mundo é pequeno! Afinal parece que muita gente conhece os Pau.
Bem, eu não conheço o homem, mas o requerimento e resposta fazem história, naturalmente. Com todas as consequências irónicas que se retiram daqueles. Uma questão de português e de língua portuguesa, vastíssima, abrangente, em palavras e sentidos.