«Antecedentes criminais» de Amadeu Baptista
Autor que se estreou em 1982 (com «As passagens secretas») Amadeu Baptista celebra em 2007 25 anos de vida literária com esta antologia pessoal. Não é fácil noticiar 263 páginas de um livro com um quarto de século de trabalho literário. Vejamos dois dos aspectos. O poeta regista o seu mundo pessoal no poema da página 10:
«Até que um dia, já adolescente / Descobri o poder da poesia que, a par com o mar / aprendi a fitar com imprudência por serem / revoltosas essas águas em que o dia / e a noite se confundem. Era essa imprudência / o desassombro de ouvir o longínquo e o genesíaco / com homens e mulheres a recortarem-se / da imensidão dos tempos, a cantar a dolência / e o sublime, a invectivar o mistério e a ampliar / o enigma que há entre os enigmas ou o surto / de sentidos que, num sopro, agrega ao infinito / o infinito, para que haja mais infinito no sentido.»
Mas regista também o Mundo e a História como em «Kefiah»:
«Sobrevivemos acossados, o mar como única fronteira, deserto / e reminiscência do labor da alegria, soldados entrincheirados / esperando a bandeira neutral da morte, o retorno às origens / o sal do sangue, as costas voltadas para a fosforescência da pureza / uma tristeza de matizes carregados pelo vínculo de uma cumplicidade / espoliada e incorrespondida. / Sobrevivemos na rebelião transfigurada, adubo e excremento dos que / sangram, energia debilitada esperando que alguém chegue, partilhe / do nosso pão, durma na nossa cama / e dê um passo em frente, em direcção à nossa sede apaziguada e pelo vinagre / a ferida aberta de onde jorra sangue e água purificadora, a coroa / de espinhos perfurando-nos as têmporas, o chicote / queimando-nos o dorso arquejante»
(Editora: Edições Quasi, Apoio: Câmara Municipal de Almada)