Na caixa postal da tua idade
Deposito aos poucos a memória
Sei coisas que tu não imaginas:
A fome diária mal disfarçada
Ao longo das batatas da semana.
Os pés descalços na missa de domingo
Entre botas de quem podia mais.
A lágrima numa medalha ao sol
Num dia dez de Junho na TV.
Sei coisas que tu não imaginas:
A morte a instalar o luto
Por telefone e telegrama à porta.
A Europa num comboio nocturno
Sem fronteiras para a dor.
As prisões como navios pedidos
À procura duma chave ou da luz.
Podia ser um pedaço de pão
Hoje não se curvam já a ele
Nem o beijam em respeito à vida.
Perdem-se em buracos de som
Sapatos de ténis debaixo da terra.
E não escrevem cartas nem escrevem
O que não sabem nem procuram.
In «Leme de Luz» (edição Sol XXI Poesia – 1993)
as coisas que tu sabes e que eu não imagino – mas só porque quando me meto a imaginar são coisas boas, sem prisões e sem dor. mas sim, às vezes é preciso viver para contar. :-)
Na Rua Sacadura Cabral no MOntijo prenderam em 1958 todos os operários de um «fabrico» de rolhas e o dono também – para não andar a apoiar o Humberto Delgado. No mesmo ano foram presos os moços do conjunto «Lua Azul» perto do tempo das festas de São Pedro. Agora…
Não estarás atrasado no tempo? Só agora te chegou a febre da intervenção? Tu, um poeta sempre virado para o seu próprio umbigo, sempre a falar de banalidades, da terrinha, dos petiscos, das baladas a esta e àquela menina, vens agora armado em bom apregoar o que nunca te interessou? É estranho. Alguma tens na manga. «Agora…», terminas tu. Agora o quê, pergunto eu?
ó pá, deixa-te de cantigas, pareces os gajos do festival da canção, é viró disco e tocó mesmo, se calhar pá, no tempo dos outros ou da outra senhora, meu, comias à mesa com os bufos, olha lá, pá, gajos comó cunhal que deram o litro pela merda em que acreditavam há poucos, agora, como tu dizes, AGORA como tu há muitos, de tal forma macacos que o objectivo meu cagamelo é terem uma hoover e anunciarem ao povo «eu tenho e tu não», tás a ver ó trambolho?! é a trampa discursiva à la poète de merde como tu, que fez deste país o charco de incompetentes em que laboram sob o olhar cego da foleirada, os bestas como Cavavos, sócrates e as merdas menores mas tão grandes quanto os primeiros, tás a perceber ó engagé do caraças pá!?bebe água de vez em quando, prós ter petit cerveau poder desmaiar a porcaria, fogo, pá, não móbrigues a escrever meu, que tu não mereces ó bandalho!
«Trova do Vento que Passa»
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
fogo, este não foi à escola comercial.