No tempo em que havia apenas caminhos de cabras, os portugueses saíam de Lisboa e levavam sete horas até chegar a Braga. Iam de Faro a Bragança seguindo as curvas de nível, e antes acautelavam testamento, para o caso de falecerem no caminho.
Um dia chegou a Europa e trouxe-lhes vias rápidas, e auto-estradas que rasgavam as montanhas, e tinham terceira via nas subidas. A ideia era poupar tempo, era habituá-los lentamente ao caos da civilização, ao moderno frenesi de quem tem pressa e um horário para cumprir. Porém eles, deformados pela história, esquivaram-se ao conceito. E ninguém lhes tira da cabeça que a terceira via das estradas é a dos romeiros que vão a pé a Fátima. Porque cumprir, só as promessas à Virgem.
Agora, indo para a estrada, os condutores portugueses ainda afivelam a máscara do frenesi moderno. Porém, atacados de piedade, oitenta por cento deles reservam a terceira via aos peregrinos. Alguns lá se lembram da Europa, esse hipermercado da civilização. Mas quanto a modernidade, a faixa do meio é-lhes mais que bastante. Encostam os cotovelos ao balcão, mudam de vez em quando de quadril de apoio, e ficam-se a ver passar algum civismo que passa.
Vivem muito bem assim, na alegre inconsciência dos cretinos. E quando calha matam-se uns aos outros, com uma tranquilidade ainda maior.
Jorge Carvalheira
Ena!
Gostava de ter dito algumas destas coisas… especialmente o “Vivem muito bem assim, na alegre inconsciência dos cretinos.”
Excelente!
Nesse tempo, o tempo dava tempo para tudo. Deveria ter uma dimensão diferente. Ou então Deus dava o tempo conforme o tempo de que se precisava. E, com umas capitanias pelo Atlântico, Brasil e África, e um vice-rei na Índia, D. João III governava tudo sem necessidade de maior regionalização do que essa.
Ora aqui temos um rapaz que vai às autoestradas para ver como é que param as modas e fazer umas ultrapassagens. Lá coragem hiperbólica não lhe falta.
Cresça, menino, abra o olho e não deite a sua raça abaixo sem se informar primeiro. As estradas e os “viajantes” são iguais em todo o lado.
É cretino a mais para ser verdade. Nenhum país do mundo tem esse artigo em circulação à taxa de 80%. E, já agora, eu sou mais sensível a uma espécie de cretinos que anda pela faixa esquerda.
Cada faixa tem o seu cretino, aliás. A de Fátima também.
E cada cretino tem a sua faixa, pois então.