Henrique Raposo e as suas ideias requentadas

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Quando faltam iguarias novas, é só ir ao congelador buscar uma velharia qualquer e apresentá-la de novo aos comensais. O que o Nuno ali em baixo chama “revelação” é apenas uma ressuscitação de um post já publicado pelo próprio Henrique Raposo. E já aqui analisado.
Agora, aí o temos de volta, a pregar a encíclica costumeira: o terrorismo é invenção de leninistas, o Islão radical idem, Che Guevara era um maluco apostado em disseminar “actos de terror dantescos”.
Para disfarçar o sabor rançoso do left-over, ele acrescenta mais dois dos seus “factos”, mais uma vez com a falta de rigor habitual: “facto um: o terror revolucionário é uma invenção moderna; foi introduzido em 1789 e, no século XX, foi a arma de leninistas e fascistas. Facto dois: antes dos anos 70, o terrorismo era sinónimo apenas de ideologias europeias e não do Islão. A cronologia é uma velhaca, não é?” É pois! O bom Henrique esqueceu-se, mui convenientemente, da campanha de terror levada a cabo pelos fundadores de Israel na década de 40 (seriam leninistas ou fascistas?). Fala de al-Banna (na realidade grande admirador dos fascistas italianos e aliado dos nazis), mas omite o facto de este ter fundado a sua Ikhwan al-Muslimun ainda em 1928, tendo o seu braço armado, o al-jihaz al-sirri, surgido pouco depois, com óbvia inspiração nos camicia nera de Mussolini. A cronologia voltou ao ataque e deu cabo dos “factos” do Henrique.
Ele ainda tem tempo e persistência para de novo recomendar um artigo já antes prescrito. A brilhante peça de prosa onde se prova que o iraniano Rafsanjani é herdeiro da Revolução francesa por… ter usado a palavra “terror” num discurso.
A fechar, vem a “conclusão”, não menos alienada: “tal como o leninista, o islamita é senhor de uma doutrina armada”. Não interessa que Lenine tenha escrito condenações do terrorismo. O que interessa mesmo é deixar, selado pelo infalível e científico “tal como”, a certeza que os terroristas muçulmanos são é filhos do comunismo. E, claro está, muitos deles nunca receberam treino e financiamento dos EUA, quando se chamavam “combatentes da liberdade”…

3 thoughts on “Henrique Raposo e as suas ideias requentadas”

  1. O que o Henrique Raposo está a fazer é tentar usar o terrorismo islâmico internacional para ajustes de contas portugas. E daí entrar em paralelismos desvairados entre o leninismo e o islamismo qutbista. Efectivamente, o mais parecido que temos, cá na Europa, com os qutbistas, até são os neo-nazis. Mas o Henrique Raposo deve ser daqueles que acha que os neo-nazis são de esquerda.

  2. Hmm… e Sheik Issedine Al Kassam morto em 1930’s que “honra” o braço militar do Hamas?
    A esquerda foi muito muito mais perversa. Os grupos terroristas tinham entre outros “popular” “povo” “frente” no nome e organização tinham “comité central” até aqui nada de especial…mas o sucesso que tiveram politica e publicamente ao serem reconhecidos primeiro na comunicação social e depois pelos governos tornou-se numa droga que atingiu especialmente o Medio Oriente. Foi a esquerda que politicamente legitimou as acções dos grupos terroristas e só assim lhes permitiu a vitória. Beslan foi um sucedâneo de Maloot. Maloot foi obra de um grupo da FPLP com quem muita gente na esquerda gostava de privar.
    Por interesse, julgamento nunca desenharam uma linha na areia.

    O que quer dizer o ZI de NAZI?

  3. Semear e colher
    Blowback.

    Esta palavra tem um significado estrito, profissional, e um outro mais abrangente.

    No significado mais estrito, blowback é o jargão da Central Intelligence Agency norte-americana para se referir à possibilidade de ocorrência de atos violentos, sem causa aparente, que são na verdade respostas ou represálias a atos “encobertos” da agência. A primeira vez que o termo foi registrado _ não por coincidência _ foi em um relatório desclassificado da CIA sobre as ações da agência na deposição de Mohammed Mossadegh no Irã _ e sua substituição pela monarquia Reza Pahlavi.

    No sentido mais amplo, tornou-se o codinome para as consequências imprevistas destas operações encobertas.

    O historiador Chamers Johnson, em seu livro Blowback (que é do ano 2000…), advogava a tese de que os principais antagonismos da primeira metade do Séc. XXI serão manifestações do blowback de ações realizadas na segunda metade do Séc. XX.

    Ele não sabia o quanto estava certo, como ficou demonstrado menos de um ano depois.

    No livro, ele transcreve uma curiosa entrevista, concedida à revista francesa Nouvel Observatour (Jan 15-21, 1998, p. 76*) por ninguém menos que Zbigniew Brzezinsk.

    Brzezinski foi conselheiro de segurança nacional de Jimmy Carter. Na entrevista, ele admite publicamente que os EUA começaram a armar os mujahedins afegãos antes da invasão soviética ao Afeganistão _ na verdade, o objetivo era justamente provocar a invasão:

    “Q: The former director of the CIA, Robert Gates, stated in his memoirs [“From the Shadows”], that American intelligence services began to aid the Mujahadeen in Afghanistan 6 months before the Soviet intervention. In this period you were the national security adviser to President Carter. You therefore played a role in this affair. Is that correct?

    Brzezinski: Yes. According to the official version of history, CIA aid to the Mujahadeen began during 1980, that is to say, after the Soviet army invaded Afghanistan, 24 Dec 1979.
    But the reality, secretly guarded until now, is completely otherwise: Indeed, it was July 3, 1979 that President Carter signed the first directive for secret aid to the opponents of the pro-Soviet regime in Kabul. And that very day, I wrote a note to the president in which I explained to him that in my opinion this aid was going to induce a Soviet military intervention.

    Q: Despite this risk, you were an advocate of this covert action. But perhaps you yourself desired this Soviet entry into war and looked to provoke it?

    B: It isn’t quite that. We didn’t push the Russians to intervene, but we knowingly increased the probability that they would.

    Q: When the Soviets justified their intervention by asserting that they intended to fight against a secret involvement of the United States in Afghanistan, people didn’t believe them. However, there was a basis of truth. You don’t regret anything today?

    B: Regret what? That secret operation was an excellent idea. It had the effect of drawing the Russians into the Afghan trap and you want me to regret it? The day that the Soviets officially crossed the border, I wrote to President Carter: We now have the opportunity of giving to the USSR its Vietnam war. Indeed, for almost 10 years, Moscow had to carry on a war unsupportable by the government, a conflict that brought about the demoralization and finally the breakup of the Soviet empire.

    Q: And neither do you regret having supported the Islamic fundementalists, having given arms and advice to future terrorists?

    B: What is most important to the history of the world? The Taliban or the collapse of the Soviet empire? Some stirred-up Moslems or the liberation of Central Europe and the end of the cold war?

    Q: Some stirred-up Moslems? But it has been said and repeated: Islamic fundamentalism represents a world menace today.

    B: Nonsense! It is said that the West had a global policy in regard to Islam. That is stupid. There isn’t a global Islam. Look at Islam in a rational manner and without demagoguery or emotion. It is the leading religion of the world with 1.5 billion followers. But what is there in common among Saudi Arabian fundamentalism, moderate Morocco, Pakistan militarism, Egyptian pro-Western or Central Asian secularism? Nothing more than what unites the Christian countries. ” (grifos SSoB)

    A entrevista é útil na demolição de um mito alimentado pela direita blogueira, o de que os EUA nada têm a ver com a ascenção de Osama Bin Laden (na verdade, Osama foi treinado pela CIA, que também ajudou a construir os campos de treinamento no Afeganistão).

    De fato, os próprios EUA criaram um monstro: a Al-Qaeda, uma organização bem treinada que depois voltou-se contra a mão que a alimentou. O estopim dessa revolta foi a presença de forças americanas e bases americanas na Arábia Saudita, considerada terra sagrada e abrigo das cidades santas pelos wahhabitas. Um outro monstro alimentado pela CIA foi Saddam Hussein, cuja guerra contra o Irã visava desestabilizar (de novo) um governo hostil aos EUA naquele país.

    Gostaríamos de pensar que tudo isso pudesse nos levar a uma só constatação: a de que a elite política neocon norte-americana ou é idiota, ou é incompetente.

    Infelizmente, não creio que eles sejam incompetentes.

    Assim, ou eles são idiotas (e não acreditam em lições da história), ou têm outra coisa em mente. A outra coisa que eles poderiam ter em mente é a necessidade de criar um novo inimigo, após a queda da URSS, de forma a conseguir uma polarização do eleitorado norte-americano que os permita permanecer, consolidar e perenizar seu poder.

    Até que ponto os neocons estão dispostos a cruzar o Rubicão, só o tempo dirá.

    (http://smartshadeofblue.brblog.com/archives/2005_07.html)

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