Clique na imagem.
Andei com ele cinco, seis horas. Não na mão, não no bolso, mas entalado entre as calças e peça mais íntima. Sabia que ele era valioso, muito valioso. Para falar mais claro: era caríssimo.
Eu já o lera. E até sabia dele coisas de cor, como «O mostrengo que está no fim do mar», e «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce», e «Ó mar salgado, quanto do teu sal…», e «Cadáver adiado que procria», e «Tudo vale a pena / Se a alma não é…», e nem me atrevo a rimar. É a colecção dos nossos lugares-comuns, quando as palavras nos faltam ou nos vemos mais preguiçosos.
Mas o livro era caríssimo, caríssimo. Quanto? Tratei de sabê-lo. Não porque quisesse aliená-lo (ele nem era meu), mas porque queria dizer, a quem o entregasse, quanto a oferta de outro valia. Eu era só o transporte. Entre um amigo falecido e um amigo vivo.
A Mensagem de Fernando Pessoa, numa primeira edição, exemplar impecável e, para mais, com dedicatória, data e assinatura do autor, vale hoje cerca de € 5.000. É o mínimo que se paga por ele a um antiquário. Mas, levado a leilão, pode facilmente render € 10.000, ou dois mil contos. Se não mais. Há sempre uma universidade americana que não olha a dinheiro.
Eu mantinha-me quieto quanto podia, naquele comboio, para não estragar o material. Ninguém sonhava o que eu ali tinha. Mas um percalço ferroviário, um assalto a carteiras e telemóveis, uma súbita loucura colectiva em meu redor, qualquer coisa igualmente horrível e imaginável, teria de encontrar-me preparado.
Cheguei vivo ao destino. Entreguei o livro. Ele queimava-me nas mãos e já no corpo todo. Mas tudo vale a pena, se… Não, por favor. Tudo menos isso.
A inspiração também queima. O corpo todo. E este delicioso postal é o seu fumo. E fogo.
com essa proximidade e localização, não admira que tenhas ficado a arder, fernando. concordo com o valupi e suspeito de algum processo de osmose.
A inspiração queima, arde e lembra-me Pepe Carvalho. Pepe Carvalho e livros que queimam. Que faria Carvalho com este livro? Teria o destino carinhoso dos outros todos ou seria guardado para o dia que nunca chega por tão especial se esperar?
âncio,
conheço quem guarde a mensagem do pessoa no coração, mas tu, meu amigo, és definitivamente um original!
abraço-te a uma distância segura.
Vocês não são capazes de falar de modo que a gente entenda? Então o FV escreve um texto tão belo e eu quero lá saber onde é que ele leva o livro! Assim como “Finis Terra, Paisagem e Povoamento”, que eu desisti de perceber o que acontecia, se é que acontecia alguma coisa, só para me deliciar com a leitura. Já quanto ao “Ulysses”,como eu nem sequer percebia se o homemm estava num talho comprando rins ou num lupanar fazendo coisas inconfessáveis, desisti mesmo. Por isso fiquei sempre bruto e inculto como era toda a humanidade antes do Joyce.
daniel,
duas coisas rápidas.
em primeiro menosprezar a virilha do nosso benâncio não está de acordo com a tua delicadeza habitual que eu julgava extensiva a todas as partes do corpo. Desiludes-me assim nesse particular.
A segunda é de arromba, caraças!! Dizes tu que depois de Joyce a humanidade já não é bruta e inculta? Bebes, amigo?
daniel,
E eu que sempre tive vergonha de reconhecer que o Ulysses foi o Cabo das Tormentas que nunca consegui dobrar… São só vinte e quatro horas, eu sei, mas muito antes do meio dia já eu bocejava de cansaço. Joyce sim, mas o Ulysses faz parte do meu rol de inconquistáveis. Já quanto ao outro Ulisses apaixonei-me por ele num Verão qualquer e foi de seguida. Lido, relido, e guardado na frente da estante pelo sim pelo não.
Junto-me a si, e que melhor companhia podia querer? que desejar é palavra matreira, no tal rol dos brutos. ( já que confessei o Ulysses, e em público, também posso reconhecer que a fita vermelha de cetim está, desde há muito mais de vinte anos, amarrada a meio do primeiro volume do Guerra e Paz. E essa vai continuar lá, que ter um marcador numa página de um livro, durante tanto tempo, dá-me um dos pontos cardeais qiue preciso quando acordo todos os dias)
RVN
Eu não desprezo a virilha de ninguém. Simplesmente não as prezo. A não ser que…
Homem, não foi o Joyce que nos fez cultos, pelo menos comigo não resultou. Mas há quem celebre ainda o Bloom’s Day. Que, se estás esquecido, é a 16 de Junho.
Ernesta
Ufa! Fiquei descansado com essa confissão… Assim sei que não sou o único. E posso confessar mais? Aqui vai, com todo o despudor. Só li “Mau Tempo no Canal” para não desperdiçar o dinheiro que o livro custara.
esse li, mas não deixou memória nenhuma… últimamente tenho lido é o Mau Tempo no Canil.
O Benáncio é maluco. Podia-se ter mijado acidentalemente e lá se ia a assinatura do Pessoa pró galheiro.
Nik,
A 2500 km de ti (suponho) soou uma gargalhada. Ainda tremem ondas de choque.
Ernesta
Aquele livro, que para muitos é de culto, foi um exercício literário em que o Nemésio tentou esgotar todas as virtuosidades da escrita. Uma espécie de “tese de doutoramento” em literatura. Não sei se sabe que a história que lhe serve de ponto de partida tem muito de autobiográfico. O Nemésio transferiu-a para o Faial, Pico e um pouco S. Jorge (cuidado, o “canal” do título é o que fica entre o Pico e S. Jorge) para disfarçar.
Ó Ernesta! Lá dei cabo do Antonio Soler de Ayala y Espasa sem querer! Esqueci-me de o desviar da minha frente!
daniel,
tás cada vez mais menente, corisco!
Deixa lá Daniel, só não viu o Ayala porque tinha o Soler a bater-lhe nos olhos.
Senhor Daniel de Sá,
Era um “deixe” e não deixa, que respeito é bonito.
ASAE, ou António etc e tal,
Esgotar as virtuosidades não pode ser considerado crime de açambarcamento?
Fernando, cuidado com os tesouros que mais à frente é uma trabalheira! Mas pronto, isso é só depois
Mais à frente chegou o Jasão e os Argonautas e levaram-no. A trabalheira nem foi muita.
Estavas a falar do Tosão de Ouro, não era Z ?
Ernesta, deixa lá o “deixa” que eu deixei o meu agora. E para ficar, se não te importas.
Aquela do açambarcamento é crítica ou elogio? Agradeço qualquer dos casos.
Rui, o que vale é que esta gente não deve saber o que significa menente. Se assim não fosse, eu punha-te uma esquemunhão.
Daniel,
Os 10 de Junho ainda vem longe, mas esta gentileza do tutear, vinda de quem vem, é uma espécie de Cruz e Espada.
Quanto ao açambarcamento, dirigido ao Sr. ASAE, era só uma constatação de facto, já que me parece que tentar esgotar virtuosidades, seja do que fôr, ou é pesporrência ou tacanhez. E o Nemésio, que não tem culpa nenhuma, que me perdoe.
Enfiei o barrete, Ernesta. E não o tiro nem na tua presença porque já nos tratamos por tu.
Daniel
Espero que não seja o de dormir, que conversas e cerejas têm aquele problema comum. Mas para ti, e só por me teres dado a alegria de também não teres lido o Ulysses, açambarco as virtuosidades ao Tonito e deposito-as a teus pés, que tenho esperança que sejam de barro.
Com o desejo de boa noite, declaro que vou tentar dormir. Mas tirarei o barrete para o fazer. Para barrete de dormir bastou o de um homem que o Gaspar Frutuoso diz que vendeu um cerrado por um barrete vermelho para usar na cama. E, segundo a minha avó paterna, tive um avô de há várias gerações que fez igual negócio.
Quanto aos meus pés, os da metáfora são mesmo de barro. Os outros são como o normal das pessoas. Número 40.
Um barrete vermelho é coisa fina e vale bem um cerrado. Mesmo assim eu ainda prefiro as carapuças por onde andou um tal de piolho que gostava de viajar. Mil e uma, segundo um tal de Policarpo de que só me resta a boa memória, que as carapuças e o piolho desapareceram-me misteriosamente numa das desvoltas da vida.
Ernesta,
Essa das «desvoltas da vida» é Mia Couto puro, puro Guimarães Rosa.
De noite tornas-te clássica?
Bom dia. Pois essa do Velo de Ouro ainda ando à caça. Mas tenho ali uma foto da corte de Borgonha no dia da instituição.
mas para o caso de ser comigo é só para avisar que é pyolho
e agora Sol
(agora é espirross)
z,
não é só a vertical que te salva, z, é também o que vais dizendo. só assim tanto z seguido não dá zzzzzzzzzz.
amanhã apresento um comunicado dos dedinhos dos pés
Fernando, desvoltas não é Mia Couto, é Mia Vida.
z, como era aquela do what’s in a name?… mas pronto, fica o “i grego” que sempre está mais de acordo com o Velo…
(fechado para balanço até amanhã: assembleia geral dos orgãos, internos e externos)
(o camarada baço que dirige a assembleia, secretariado pela camarada pituitária, informou de imediato que as votações só se realizam amanhã e que até lá é tudo matéria reservada, pelo que nós, mindinhos, cá nos aguentamos…)
comunicado dos dedinhos dos pés
camaradas:
Podemos anunciar que acabou de se realizar a votação ao Sol nascente, e que por larga maioria o neocortex foi obrigado a usar hoje o gold para marcar viagem. Infelizmente o pedido de um amigo obriga a que o embarque seja só daqui a uma semana.
Esta assembleia foi convocada por iniciativa dos mindinhos, fartos de estar encafuados dentro de uma trilogia variável de hi-tec, portside e cohibas. O paroxismo aconteceu quando foram invocadas um dkny felpudas que ali anam no armário e os mindinhos lembraram-se de um esquentamento de outros tempos. Acontece que já há dois meses que nos andam a prometer ir namorar com outros mindinhos na fresca, e que nos andaram a endrominar com umas aventuras engraçadas, vai numa andámos metidos numas antiguidades à caça de uma coroa, vai noutra e andámos a brincar com o valor complexo de um habitat e ainda de repente apareceu uma mistura de asterix com tintin, com romanos, celtas e fenícios.
Pois é, mas nós mindinhos é que aguentamos com isto tudo!
O neocortex compareceu na assembleia de beca negra e placa de diamantes, estadão, o que foi logo mau sinal. O sacro veio de linho branco e avisou que não falava. A camarada pituitária que normalmente é uma alegria, muito boa rapariga, sempre a animar o pessoal, andou a fazer de odalisca há uns tempos e apnhou uma constipa tal que coitada, agora só faz de pitonisa e é um pau, mas fez a acta da reunião.
O pâncreas anunciou que nada atascado de mon chéri’s e que quer passar ao lethos porque as cerejas só chegam em Maio. A camarada vesícula também estava com olheiras a beber vitalis.
O neocortex fez uma intervenção a explicar que além dos trabalhos mencionados haavia que andar a morder o tricheur por causa das taxas de juro. Mas nós mindinhos perguntámos porque raio é que se andava nessa coisa quase psicótica quando calha que devemos ser dos poucos que não temos nenhum crédito à habitação nem nenhuma porra dessas. O neocortex explicou que era solidariedade com a rapaziada contra as manobras gerontocráticas. Ora, nós com essa da rapaziada somos muito sensíveis, porque gostamos muito dos mindinhos deles, mas fizémos ver que já tínhamos feito a nossa parte, e que não há que confundir ser pai com paternalista. O bolbo raquidiano informou que o cérebro reptiliano não compareceu e que andam por lá uns ruídos suspeitos na cave.
Nós mindinhos anunciámos que já não estamos para mais expedientes dilatórios e que armadilhámos um ataque de armas de destruição massiva, preparadas para detonar daqui a uma semana, com programação trancada: uma eclosão de esporos de pé de atleta que em 24 horas chega aos tomates. Fizémos a intervenção armados com os nosssos lasers, um vermelho e outro verde porque somos muito patriotas e além disso desde que lemos o Niestzch ficámos um pouco baratinados.
Ora o dragão estava meio a xonar, que ele detesta reuniões, mas ouviu! Começou a sair um fuminho e inscreveu-se para falar.
O resto é reservado.
Posto à votação, foi votado o requerimento que insta o neocortex junto com o cerebelo e camarada pituitária a irem proceder em conformidade que nós os levamos. O camarada baço encerrou a assembleia. Também anda cansado, coitado.
No entanto, nós, mindinhos prudentes e esquentados, achamos que até ao lavar dos cestos é vindimas portanto é ver para crer. Vamos lá ao despacho. Unidos venceremos!
booked :-)
a luta continua!
(só esperar pelo mail do meu amigo, por causa duma coisa dele, e vamos obrigar o neocortex a passar de booked a bought – ele anda com cara de Sto Agostinho, danado, mas nós, mindinhos, não esmorecemos)
failed today :-(
expediente dilatório de última hora e máxima prioridade
amanhã, nós, mindinhos, vamos de mota com o neocortex na mochila!
(e é porque ainda precisamos dele por causa da mala, senão era porrada, que o dragão não está confiado também)
z,
pronto, pronto, pronto. ora sente-se um bocadinho aqui, (eu tiro os livros, espere, já está) e diga-me: quando é que começou com esses sintomas? e dormir, dorme bem? fale-me dos seus sonhos…
(a família está lá fora? avisem que o paciente vai ter de ficar, por favor, dois meses, pelo menos)
ora continuemos: tem tomado a medicação?
que estranhas perguntas você faz a si próprio, rvn, …
Por mim é: won, today!