Por vezes já tenho concordado imensíssimo com o que diz Ricardo Paes Mamede. Lembro-me de lhe começar a prestar atenção e de gostar de o ouvir quando debatia economia na televisão com o Braga de Macedo. Continuei a lê-lo regularmente. Hoje, neste artigo, não concordo com nada. (transcrevo excertos mais adiante) A tese é que o PS teve duas caras na legislatura que agora termina: uma muito agradável, porque a esquerda radical gostou dela, outra muito desagradável, porque essa mesma esquerda não gostou dela.
Não tendo eu a menor veleidade de defender oficialmente o PS, este artigo, por o considerar abusivo, propositadamente míope e, atendendo à época eleitoral, muito tendencioso, suscita-me as seguintes considerações.
Não foi para “agradar” aos seus parceiros de esquerda que o PS tomou certas medidas na primeira parte da legislatura, ou seja, por oportunismo e calculismo e sem qualquer convicção, segundo se depreende das palavras do Ricardo. Foi, sim, para cumprir o acordado com eles e que representa as matérias em que comungavam do mesmo entendimento.
Mas, obviamente, o PS não é nem o PCP nem o Bloco. Muito longe disso. Com outras lideranças, um quilómetro de distância ainda era muito perto.
Na maioria das restantes matérias da governação existe um profundo desacordo – seja quanto à Europa, seja quanto à organização da economia e organização laboral, seja quanto ao mercado da habitação, seja quanto à liberdade. Não é, portanto, de estranhar que, cumprido o acordado, nas restantes matérias o PS tenha mostrado em que consistem as diferenças.
“O que quer o PS?” – pergunta Ricardo. Sem me substituir aos militantes socialistas, é naturalíssimo que queira seguir os seus próprios princípios e programa, ora essa. O que é que o Ricardo tem contra isso?
“Pouco depois do início da legislatura, o governo denunciou os contratos de associação entre o Estado e os colégios privados, uma medida que não constava dos acordos mas que recebeu o aplauso unânime à esquerda, tanto pela sua coerência na defesa do ensino público como pela coragem em enfrentar interesses instalados. Casos como este levaram a que muitos acreditassem estarmos perante um partido transformado.” – diz o Ricardo.
Pois denunciou. E este é apenas um exemplo de que não é preciso o Bloco ou o PCP arvorarem-se em defensores de certos princípios ditos “de esquerda”, porque o PS já os defende. Pode? Sentem-se desorientados por gostarem deles?
“À medida que a legislatura avançava, a atitude mudou. A polémica em torno da chamada “taxa Robles“, em que o PS afirmou desconhecer uma proposta orçamental que o BE apresentara meses antes, foi o primeiro sinal claro de que os socialistas estavam menos interessados no ambiente de concílio à esquerda. A seguir a esse episódio vieram outros. A decisão de avançar para a revisão da lei laboral sem o envolvimento do PCP e do BE, a tensão em torno da Lei de Bases da Saúde ou as dificuldades em finalizar a proposta de Lei de Bases da Habitação foram outros momentos cruciais em que o PS se mostrou determinado em regressar à sua tradição centrista.“
O PS não tinha que concordar com a “taxa Robles”, ou tinha? Nem com as pretensões da esquerda comunista/extremista sobre a lei laboral, ou a lei de bases da Saúde, ou outras questões. Essa discordância faz do PS um partido “conservador”? Era o que faltava.
[…]O auge do afastamento do PS face ao discurso de esquerda aconteceu no Verão de 2019, no contexto da greve dos motoristas de matérias perigosas, em que as decisões e afirmações do governo contribuíram para pôr em causa o próprio direito à greve.”
Por favor. Pôr em causa o direito à greve? Que visão tão tendenciosa. Uma greve liderada por um advogado de Porsche saído sabe-se lá de onde? ( isto é um aparte meu; não foi pelo aspecto do senhor nem pelo inusitado daquela liderança que a greve teve que ser resolvida de forma “musculada”) Nunca o PS foi contra o direito à greve, que me lembre. Pelo contrário. Na minha modesta opinião, nalguns casos até deixou ir as greves longe demais. Na greve dos motoristas de combustíveis, estava em causa o funcionamento ou a paralisia de um país inteiro. No caso dos enfermeiros, a morte de pessoas. A greve não pode estar acima de tudo. Até o Cunhal o afirmou nos idos do PREC.
“Apesar dos alertas contra os perigos de “pensar como a direita”, a postura de António Costa no último ano e meio sugere estarmos perante o regresso ao antigo PS centrista, após um interregno de aproximação à esquerda nos primeiros anos de geringonça.”
Primeiro, aproximação não é sinónimo de fusão. Segundo, desde quando o centrismo é mau? (Vá lá que não lhe chama “o antigo PS de direita”)
“Uma explicação cínica diz-nos que nada disto tem que ver com hesitações ou opções ideológicas. Que o PS faz o discurso que for necessário para chegar ao governo e nele permanecer, como faria qualquer partido de poder. Demarcar-se da estratégia da troika era necessário para vencer eleições. Agradar ao PCP e ao BE era necessário para aprovar os Orçamentos do Estado. Distanciar-se do discurso das esquerdas permitia aproximar-se do eleitorado ao centro, alargando a base de apoio do governo e até da geringonça. Adoptar uma atitude agressiva contra quem protesta (típica de governos de direita) seria uma opção racional para quem pode aspirar a uma maioria absoluta.”
Não. Totalmente em desacordo, seja o Ricardo o cínico ou outras pessoas com quem fala. Nem tudo é calculismo e estratégia. É mais simples do que isso: o PS não partilha 80% dos pontos de vista da esquerda radical. É novidade?