TABACARIA

Ela, mascando a chicla de boquinha aberta, os óculos arrumados no toucado. Ele, a bermuda abaixo do joelho, de barriga precoce a desabar.
Ela vai à escola de Comunicação Social, ele à Sociologia.
– Tás a ver?! Álvaro de Campos! Não gostas?
– Quê, o das odes?! Não, sou mais o outro, o Caeiro! É mais coisa!
Ontem, na festa, ele bebeu, gritou, curtiu o homem do chapéu. Ela apenas riu muito, pulou, os braços a adejar.
Ambos são o futuro, mas ainda é cedo.

Jorge Carvalheira

2 thoughts on “TABACARIA”

  1. Acabei de passar devagarinho com o meu carro pelo Marquês de Pombal.

    Um grupo de uns 15 fach@s fazia guarda ao cartaz do PNR…

    Uns deviam estar a pensar: “Nós devíamos aproveitar esta noite que somos muitos para ir bater nuns pretos”. Outros: “Sou mesmo um valente Viriato, aqui, de pé, toda a noite a defender a nação!”. Mas havia também quem fizesse a seguinte reflexão: “Isto é um bocado triste, estar aqui feito parvo, a guardar uma porcaria de um cartaz, a dizer ‘Portugal precisa de nós’ quando pelos vistos Portugal quer é foder este cartaz… Não podia estar a fazer qualquer coisa de mais produtivo?”

  2. Não basta abrir a janela

    Não basta abrir a janela
    Para ver os campos e o rio.
    Não é bastante não ser cego
    Para ver as árvores e as flores.
    É preciso também não ter filosofia nenhuma.
    Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
    Há só cada um de nós, como uma cave.
    Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
    E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
    Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

    Falas de civilização, e de não dever ser,
    Ou de não dever ser assim.
    Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
    Com as cousas humanas postas desta maneira.
    Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
    Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
    Escuto sem te ouvir.
    Para que te quereria eu ouvir?
    Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
    Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
    Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
    Ai de ti e de todos que levam a vida
    A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

    Entre o que vejo de um campo e o que vejo de outro campo
    Passa um momento uma figura de homem.
    Os seus passos vão com «ele» na mesma realidade,
    Mas eu reparo para ele e para eles, e são duas cousas:
    O «homem» vai andando com as suas ideias, falso e estrangeiro,
    E os passos vão com o sistema antigo que faz pernas andar,
    Olho-o de longe sem opinião nenhuma.
    Que perfeito que é nele o que ele é – o seu corpo,
    A sua verdadeira realidade que não tem desejos nem esperanças,
    Mas músculos e a maneira certa e impessoal de os usar.

    Alberto Caeiro

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *