Há 30 anos, eu tinha a idade que hoje o meu filho mais velho tem. Treze anos; o suficiente para então entender parte do que se passou, para me assustar com as notícias de combates, com o tremor dentro das vozes adultas que gaguejavam em surdina a temida “guerra civil”.
Mas de que me lembro mesmo, desse dia? De algumas imagens a preto-e-branco que desconfio ter surripiado bem depois à televisão, de bailados de helicópteros nos céus aflitos de Lisboa. Pouco mais. Estranho: nem como figurantes menores consigo extrair da memória as silhuetas dos meus pais nesse dia. Por certo que a minha mãe se preocupou, sem saber de mim; talvez o meu pai até tenha saído à minha procura. Terei levado uma descompostura aliviada no regresso? Não sei.
Agora, olho para o meu filho e tento adivinhar o que irá ele guardar, daqui a outros trinta anos, do 25 de Novembro de 2005, dia sem qualquer evento notável. Que fantasmas irrelevantes e puídos sobrarão dos meus abraços, das pequenas aventuras que hoje me parecem mais vitais que o bater do meu coração?
Eu, se o improvável acontecer, talvez venha a esforçar-me — em 2035 — por recordar que estranha deficiência da alma me levava a conceder tanta atenção e tão pouca confiança à memória.
Dia sem qualquer evento notável? Então e o fecho do BdE, ó meu monstro insensível e sem memória?
Acho que não vais lá com Aspirinas, B ou C. Tens mesmo que arranjar um medicamento qualquer contra o Alzheimer…
É verdade! A modéstia ataca-me sempre nas piores alturas!
Ou pode ser um caso de amnésia funcional, há trinta anos e agora: um gajo esquece as coisas desagradáveis…
Há 30 anos, pouco mais de quinze anos de idade e mais um grupo de alunos do Liceu da Amadora que não era mais velho que eu, distribuíamos comunicados junto à estação de caminhos-de-ferro local. Conseguimos ludibriar as patrulhas dos comandos e saír impunes, bem perto de nós um operário da UDP foi abatido a tiro por ter feito o mesmo.
Regressei à casa em Benfica, e à minha mãe aflita, sob a escuridão das árvores que ladeavam a estrada da Quinta do Estado (a tal que o Durão Barroso vendeu a um amigo antes de ir para a Bruxelas), deitando-me no chão ao som das “chaimites”.
Para recordação, também, as invasões das salas de aulas do liceu por essa escória de camuflado que lamentava que o “Eanes não fosse o Pinochet”.
No outro dia de manhã vim a saber que os “GI Joe” tinham ganho. Pude confirmar isso nos sorrisos aliviados de quem já tinha mudado de calças de alguns que vi na TV.
13 anos no 25 de Novembro…?
Uummmm….
Pois é, ML, pois é…