Uma das características mais surpreendentes do ciclo Sócrates está a ser a natureza moralizadora da sua governação. Em 2005 – depois de Santana, Barroso, Guterres e Cavaco, os quais se igualaram e ultrapassaram em conivências com o dissoluto alheamento cívico – a sociedade estava no ponto mais baixo do respeito moral por si mesma. Fugir aos impostos, cultivar as cunhas e os compadrios, burlar empresas e particulares, ter o cinismo e o oportunismo como mapa e bússola, não eram apenas práticas correntes e transversais a todas as classes, eram também atitudes e comportamentos celebrados como normativos e doadores de estatuto. Era o tempo em que passava por otário quem não enganava a TV Cabo, recolhia facturas falsas nos restaurantes, pagava sem factura qualquer serviço onde pudesse poupar uns tostões, tentava subornar polícias e soldados da GNR para evitar multas, arranjava atestados médicos falsos para toda a família e ocasiões, arranjava receitas falsas, preferia artigos de contrabando e sei lá que mais que não tenho pachorra para lembrar. Ser mitra era desígnio nacional. No topo da sociedade reinava o deboche: o jet set da tanga e obscenamente chunga, a ética napolitana do cavaquismo onde nasciam ricalhaços de BMW a cada esquina dos fundos europeus, o capitalismo do cartão de crédito de Guterres, o desprezo de Barroso pelo eleitorado a quem pedinchou o cargo de primeiro-ministro, a inépcia e farsa de Santana e sua malta. Em 2004 e começos de 2005 quase ninguém acreditava que fosse possível dar à volta à situação.
Mas foi. O 1º Governo de Sócrates fez o que nunca nenhum outro tinha feito: pegar o boi do atraso económico e social pelos cornos. De repente, a máquina fiscal começou a funcionar, a recuperar e a sancionar. As corporações foram avisadas de que as regras do jogo iam mudar, e não a favor das suas disfuncionalidades e privilégios injustos. A ciência e a tecnologia receberam inaudito investimento. O plano energético pensou em muito grande. A ASAE deixou em estado de choque os ancestrais amigos das bactérias. Até uma alteração que agora todos agradecem penhorados, a lei anti-tabaco, teve de sofrer patéticos e asininos agravos. Não esquecer ainda a renovada importância do Parlamento, com as idas quinzenais do Primeiro-Ministro à prova de fogo. Nunca se tinham visto tantas e tão rápidas mudanças por decisão e influência de um Governo democrático.
Sócrates não nos aborrece com bullshit moral, ideológico ou doutrinário. Concentra-se antes no lado convencional das suas obrigações e trata-o com genuíno, e dedicado, profissionalismo. Esta sua faceta não é isenta de lamento, pois o discurso a respeito da Justiça, o maior problema português, é inexistente. Todavia, até podem ser dadas excelentes razões para essa ausência, sendo que a politização e desmandos do aparelho judiciário mostram um monstro que parece imbatível sem a união das principais forças políticas, Presidente da República incluído. Ora, à oposição interessa esta Justiça pervertida, pois tem sido decisiva para o desgaste de Sócrates e do PS. Azarinho.
Quando Sócrates desejou sorte a Passos Coelho, olhava para si. Teve o azar da crise económica internacional, da decadência do PSD, da irresponsabilidade de Cavaco, do ódio daqueles que não o conseguiram comprar ou assustar, da pulhice das campanhas de assassinato de carácter, da catástrofe de uma oposição miserável. Apesar disso tudo, foi o preferido do eleitorado para governar depois de tamanhas vilanias contra si e aceitou governar em condições de extrema dificuldade nacional e internacional.
Que alguém com esta saúde moral seja pintado como bandido e tirano pelos seus adversários, à esquerda e à direita, não é grotesca coincidência – é uma coincidência dos grotescos.
Todo meu apoio. Excelente texto que lembra os aspectos talvez menos abordados pela desbragada comunicação social (com letra minúscula…). Poderá acontecer que se houver eleições a breve prazo ele não ganhe, porque “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura…”, mas que a tenacidade e a força que imprime à sociedade, terá, necessáriamente, de deixar marcas. Continua Valupi!
grande post, sem dúvida. a lembrar as verdades. e sobretudo recorda. recorda como era a desbunda (cujo clímax foi aquele gajo do benfica, vítor santos, a aparecer em caixa de jornal a dizer que não pagava impostos, apesar do seu imenso património, chofer incluído). obviamente ninguém se lembra disto nas infindáveis discussões da tv.
Por estas e por outras eu não sou PS mas sou por Sócrates. O seu derrube será a vitória das corporações e dos corruptos.
tinhas mais dignidade se lhe fizesses antes um bochecho
a pergunta devia ser,vivias melhor antes ou depois do bandalho?
burns
Um comentário inigualável, obrigado.
Não sei se se vive melhor mas sem dúvida vive-se mais: aumentou a esperança média de vida e diminuiu a mortalidade infantil, entre outras bandalheiras promovidas por Sócrates.
Sobre o resto fala o post.
Há tempos assisti a um documentário sobre universos paralelos. Há quem diga que são onze mas outros defendem que são em número infinito. Agradeço o seu post sobre um deles.
Depois de ler este post fiquei um pouco baralhado. Então não é que o autor nada mais nos apresenta Sócrates como o verdadeiro Salvador da Pátria. Os mais cépticos dirão: é o verdadeiro D. Sebastião. Acho que a caricatura efectuada a estes 25 anos não deixa de ser em parte correcta agora quando chega a Sócrates resvala em algo que a mim me surpreende. Nem sequer quero fazer qualquer alusão a se Sócrates é sério ou não, vou mais para a parte da sua governação e aí, meu caro autor deste post deixe-me que lhe diga que eu não entendi a realidade tal qual a descreve:
– diz-nos que de repente meteu a máquina fiscal a funcionar. Tou pasmado! Ao contrário do que pensa não foi Sócrates que meteu a máquina fiscal a funcionar. O que aconteceu foi que foi introduzido em 2003/2004 um sistema informático que funciona melhor que os milhares de trabalhadores das finanças. Não houve combate à fraude e evasão fiscal: o que aconteceu foi que o sistema informático começou a: fazer penhoras em caso de falta de pagamento de dívida; a calcular multas, juros e coimas nos casos dos incumprimentos, porque meu caro autor a fraude e evasão fiscal ainda anda aí. E se alguem fez alguma coisa relativamente a este sistema informático vai ter que agradecer à Ferreira Leite porque foi ela que foi buscar um homem ao BCP (aquele que todos se indignaram por ganhar 8 mil contos como Director Geral dos Impostos). Como contribuinte acho que o homem mereceu bem os oito mil contos por mês uma vez que foi eficiente e rentável, algo que na nossa administração pública peca por escassez.
– plano energético. Olhe que eu sou daqueles que acha que quando a esmola é grande …….o pobre desconfia. Nisto do Estado quando a esmola é grande…..alguem vai ter que pagar. Então não é que toda a gente anda para aí a instalar painéis solares e a vender a energia produzida mais cara do que o valor que paga no seu consumo doméstico? Excepcional plano energético! Pergunto eu: quem anda a pagar isto?
Muito haveria a dizer embora reconheça que em algumas àreas o Governo Sócrates funcionou bem. Reconheço uma grande capacidade em Sócrates: teve a capacidade de transmitir a muitos portugueses que é um individuo capaz, quando no meu entender não a têm.
“Uma das características mais surpreendentes do ciclo Sócrates está a ser a natureza moralizadora da sua governação.”
Colocar Sócrates e moral na mesma oração (a primera frase do texto) invalida, por si só, a coerência e veracidade do mesmo.
Mas bem, se eu fosse assalariado do governo também não me importava de dar ao luxo destes delírios literários.
E la nave va…
É por tudo isso que descreveste, caro Valupi, que o sistema reage desta maneira, tudo serve e continuará a servir para o tentar demitir do governo. A coragem tem um preço e isto de enfrentar os poderes instalados , não é para qualquer um,agora, não sei se ele vai ter estaleca suficiente para aguentar com mais do mesmo, porque esta gente não vai desistir nunca e tem os meios mais do que suficientes para o continuar a fazer sem o mínimo de pudor.
ui, isto anda mesmo mal. já lhe fazem epitáfios… bom funeral. e que venha o próximo.
Declaro o meu apoio ao comentário do Jorge, ali mais acima.
Tal como diz por debaixo do nome do blogue… coisa que o autor deste escrito já devia ter sido obrigado a ler, sei lá, pela ASAE ou pela GNR:
… Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão. Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.
Fazer a apologia da superioridade moral do Zézito?!
Desculpabilizar a incompetência do dito com “o azar da crise económica internacional”?!
É preciso ter cuidado com a auto-medicação. Pelos vistos, pode provocar estados alucinatórios graves.
Aconselho uma ida urgente ao médico. De família. Caso o MS ainda não tenha encerrado o Centro da Saúde a área onde habita.
Entre Sócrates e um panarício… muita gente escolheria o panarício: o sofrimento seria certamente menor.
A única conclusão possível tirar deste texto é que muitos portugueses merecem mesmo o primeiro-ministro que têm.
http://outubro10.spaces.live.com/blog/cns!E0B1952B675A321D!2205.entry
Valupi olha que a crise internacional era previsível, em abstracto desde 2003, no concreto só depois do petróleo disparar com o tricheur a agravar os juros, lá se o Sócrates previu não sei, também compreendo a análise fina da turbulência implica o conhecimento do número de Reynolds que eu próprio já pouco me lembro,
ele sabe que a vHistória é implacável e essa é a sua segurança.
zedeportugal, se “Entre Sócrates e um panarício… muita gente escolheria o panarício”, como explica a vitória de Sócrates nas últimas eleições?
Não me diga que a maioria dos eleitores pensou que o sofrimento causado por um governo PSD, liderado pela Ferreira Leite, seria pior do que o provocado por um panarício.
Não me diga que a maioria dos eleitores pensou que o sofrimento causado por um governo PSD, liderado pela Ferreira Leite, seria pior do que o provocado por um panarício.
Cara Guida,
– A vitória de Sócrates nas últimas eleições está plenamente explicada no meu último parágrafo do comentário anterior:
“A única conclusão possível tirar deste texto é que muitos portugueses merecem mesmo o primeiro-ministro que têm.”
– Não me diga que a maioria dos eleitores pensou que o sofrimento causado por um governo PSD, liderado pela Ferreira Leite, seria pior do que o provocado por um panarício.
Pediu-me para eu não lhe dizer… pronto, eu não digo. Mas lá que os eleitores terão pensado isso… é quase certo.
zedeportugal, pois eu não sei se todos os portugueses merecem o Governo que têm, mas penso que nenhum merecia um governo da Ferreira Leite. :)
Está tudo louco!!! E eu não vivo no mesmo Portugal que vocês… Deve ser noutra dimensão!!!
Val,
contra os factos que apontas ainda não vi argumentos…Contra os argumentos, ainda não vi factos (boring)
O país está doente!
P´ra próxima vou votar no médico!
“Uma das características mais surpreendentes do ciclo Sócrates está a ser a natureza moralizadora da sua governação”
A partir daqui foi só rir
Posso saber onde é o país onde vives? Não é no meu com certeza. Sou professor e vi a destruição da Escola Pública numa só legislatura, a saída dos melhores professores, a quase loucura dos que ficaram, a injecção desnecessária em obras megalómanas de milhares de milhões de euros nas obras que deixam/deixarão as Escolas Secundárias em piores condições, um deitar dinheiro à rua em Magallanes e e-escolas usados só para brincar, a destruição da autoridade dos docentes e funcionários, a massificação da burocracia e do laisser faire – laisser passer nos exames e nas actividades das Escolas e muito mais.
Já pensou em mudar o nome disto para Branca ou Chamon?
“a quase loucura dos que ficaram”. Loucos??!! só se for por serem dos mais bem pagos da Europa.
Deviam ganhar o mesmo que milhões de trabalhadores que dentro e fora deste país se esfolam para sobreviver sem qualquer apoio seja de quem for, ai passava-vos a “loucura”.
Repetindo o que o autor deste post aqui tantas vezes disse: larga o vinho !!
Eu que sou estrangeiro só tenho uma questão:
Está-se a falar de que país?
É que não é Portugal de certeza…ou então eu sou mesmo estrangeiro e pensava que estava a viver em Portugal, mas devo estar noutro país qualquer…porque esse país que o post fala não é o mesmo em que vivo…
“Loucos??!! só se for por serem dos mais bem pagos da Europa.”
Tem a certeza do que diz? Repetir uma mentira não a torna verdade – eu sou professor há 20 anos e ganho menos de metade do que ganha um colega espanhol com metade do meu tempo de serviço e menos 1/3 de horas de trabalho…
Ah! ah! ah! O lambe-botas do Valupi no seu melhor.
ah bramão que agarramos, já me fartei de rir com esse anedotário :))
“Há tempos assisti a um documentário sobre universos paralelos. Há quem diga que são onze mas outros defendem que são em número infinito. Agradeço o seu post sobre um deles.”
Ah Ah Ah!!!!!
Caro “edie”:
Agarra, agarra, se puderes (gostos não se discutem…).
Fico contente por os factos que aqui coloquei não suscitem dúvidas – contra factos não há argumentos.
E se nas Escolas o(a) Ministro(a) da Educação (que era e continua a ser, por procuração, José Sócrates) fez as asneiras que fez, há que entender que o pouco de bom que o “engenheiro” fez é contrabalançado com uma série de projectos falhados, despesismo e apoio aos “Mexias, Gomes & Coelhos” para chuparem tudo o que pudessem que nos conduziu ao fundo do poço onde estamos e estaremos nos próximos dez ou vinte anos.
E, tal como na Educação, o caos actual, com a criação de uma geração de analfabetos preguiçosos, noutros sectores há aldrabices similares (reparem que os Tribunais não estão melhores, a polícia está está a passar 1/3 das multas nas estradas, a Segurança Social está a mudar as regras todos os anos e muitos outros casos).
E não há texto de ficção científica que branqueie esta situação, por muito que o Valupi sonhe ou consuma substâncias psico-activas (e ele que deixe de cortar a “Branca” com a Aspirina – meta-a pura na veia pois o texto sai muito melhor).
abramãoagarramos,
“Fico contente por os factos que aqui coloquei não suscitem dúvidas “.. são estes exemplos de português que dás aos teus alunos?
E não os trates assim…”geração de preguiçosos analfabetos” (estavas a falar dos alunos, certo?) :-D
“Era o tempo em que passava por otário quem não enganava a TV Cabo, recolhia facturas falsas nos restaurantes, pagava sem factura qualquer serviço onde pudesse poupar uns tostões, tentava subornar polícias e soldados da GNR para evitar multas, arranjava atestados médicos falsos para toda a família e ocasiões, arranjava receitas falsas, preferia artigos de contrabando e sei lá que mais que não tenho pachorra para lembrar.”
Ficamos a saber que:
-Com Sócrates ninguém engana a TV Cabo
-Com Sócrates ninguém recolhe facturas falsas nos restaurantes
-Com Sócrates ninguém ninguém paga sem factura
-Com Sócrates ninguém suborna policias nem GNR
-Com Sócrates ninguém arranja atestatos medicos nem receitas falsas
-Com Sócrates ninguém prefere artigos de contrabando
– … e por ai fora
Vale a pena ler mais deste ridiculo texto?
Claro que vale, Adolfo Dias! Tudo vale a pena quando a alma não é piquena.
Mas em que país é que vive o autor deste post?! Mudou-se em 2005 foi?! É que por cá continua tudo igual ou pior. Ah! E os tais xicos espertos estão cada vez mais espertos…e mais ricos!
o Valupi já deixou a vinhaça … agora é mais ecstasy
Caro “edie”:
Escrever rápido sem reler dá para ter pequenos lapsos (devias reler também o que escreveste – é curioso que vejas nos outros o que não vês em ti…). Quando falo numa ”geração de preguiçosos analfabetos” estava a falar, entre outros, nos alunos que sou obrigado a passar às vezes com 5 ou mais níveis inferiores a 3 ou nos Cursos de Educação e Formação em que tenho de repetir testes até o aluno fazer o módulo (há casos de colegas meus que foram pressionados para passar alunos com 8 repetências no mesmo módulo), nos alunos das Novas Oportunidades, que em 99% fazem (ou compram…) uns dossiês e fica tudo feito (há uns tempos um energúmeno com o 6º Ano conseguiu, num ano, fazer o 12º Ano e entrar num curso de ensino superior – esperemos que as Novas Oportunidades se ficam pela Universidade Independente, de outro modo um dia deste ainda temos mais engenheiros deste calibre…).
Quanto ao resto dos meus argumentos, comeste, embrulhaste e engoliste, tanto quanto nos diz o teu silêncio.