“Quem se habituou a viver entre os gumes do desespero não lhes escapa pelo mero atenuamento das suas causas. Por muito que o Sol brilhe, o seu vulto permanece escuro, a sua sombra continua a adensar-se. Um volume enorme que cai no mar sob o nadador, arrastando-o num torvelinho irresistível. Até que ele já não distingue o que é cima e o que é baixo. Até que já nem lhe parece importante distinguir. Como se o salto verdadeiro tivesse sido dado muito antes de os seus pés deixarem a ponte; como se a balística do desespero nada tivesse a ver com a gravidade, ignorando o que jaz no lado de fora da vida. O centro está antes em algo que lhe cresce sem cessar dentro do peito, mesmo que privado das antigas raízes de acasos biográficos e outras tragédias menores. Osíris entrou de livre vontade no seu caixão. Pressentiu ali as suas medidas, precisas, magnéticas, predestinadas e letais.”

Anselm Kiefer, “Osiris und Isis”, 1985-1987

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