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O seu carro descontrola-se, e você atropela o seu escritor favorito, digamos José Rodrigues dos Santos? Em legítima defesa, você dispara um laser paralisante, e atinge, por estúpida coincidência, o seu cantor favorito, digamos Mickael Carreira? Chato, muito chato. Foi o que sucedeu a um piloto de guerra alemão, que abateu – sem sabê-lo – o escritor que mais o deleitava: Antoine de Saint-Exupéry. O nome soa-lhe familiar, mas não o liga a nada? Pense n’O Principezinho, e está lá.
Pois foi. Num voo de patrulha, na costa sul de França, a 31 de Julho de 1944, Antoine, com 44 anos, pilotava um Lockheed P38 Lightning (na imagem). Terá visto um Messerschmidt Me109, que andava perto, colocar-se atrás dele. O que sentiu depois – «c’est ça, la fin» – já não pôde contar-no-lo, ele que em Vol de Nuit descrevera angústias de arrepiar.
Não se suicidou, como se chegou a pensar. Matou-o Horst Rippert, piloto da Luftwaffe, que, hoje com 88 anos, revelou o caso. Passou sessenta e quatro deles, consciente dia e noite de que, sem sabê-lo, pusera fim à vida de alguém que tanto adorava ler.
Por nós, havemos de saber tudo em Saint-Exupéry, l’ultime secret, um livro a aparecer brevemente.
Fernando, eu tenho boa pontaria. Se calhar, matei-o eu sem querer.
Ah, então foste tu, Cláudia!
Ou era eu, ou era ele. Foi em legítima defesa. Era bom escritor, mas mau aviador. Antes que viesse contra mim, enquadrei-o na minha objectiva e disparei.
E isso é mesmo verdade ou é só o tipo a facturar com essa história? Quem pode saber, não é…
Pode ser verdade… Nem tudo é com vista ao lucro. Só que não devia ser muito incómodo dizer ao mundo inteiro: Matei o Saint-Exupéry!
errata: muito cómodo
FMV, é mesmo José Eduardo dos Santos ou queria dizer José Rodrigues dos Santos?
Elypse,
Ui, ui!
Esqueça :) (não tinha lido o restante)
Os que chegarem a partir de agora, vão pensar que sou maluco :)
Não, Elypse. Tem mais auto-confiança.
Toda a gente suporá, e bem, que me advertiste e que eu corrigi.
“Dessine-moi un mouton”… E afinal, de um modo ou de outro, o “Zeca Péry” (como era chamado na ilha de Santa Catarina, no Brasil) acabou por ser outro “mouton” no altar dos holocaustos da barbaridade humana.
Desculpa, FMV, “forçar-te” a isso.
e tinha lá uma cobrinha bem esperta
e um cachecol
Hoje em dia já não há príncipes que percam tempo com rosas. Mal vêem os espinhos, fogem logo.
ainda há sim, são é raros, logo valiosos
Acabaste de inventar o silogismo do amor.
(embora eu seja apenas um rafeiro com costela de visconde)
LOL
Matamos tantos sem querer, todos os dias com meras palavras.
Eu até sou de Espinho, calha bem…
fernando,
Se o ‘petit prince’ foi uma das minhas pancadas de adolescente, o seu autor não o foi menos. Um grande amigo e mentor que tive, ele próprio ao tempo praticante de voo à vela, era obsecado pelo mistério da morte de St Exupey, lia tudo e pegava-me o vício, também. Em Sintra, onde ele tirava o brevet nos fins de semana, as conversas dos carolas dos aviões tinham teorias várias e eram habituais, frequentes. Um registo de interesse que me ficou, sempre que ouço alguma coisa de novo arrebito as orelhas. Tudo isto para dizer que desconhecia em absoluto esta reivindicação do senhor Rippert, que lhe garante esta fama de gosto duvidoso. No meu imaginário, até hoje, Exupery despenhou-se no deserto, não chegou a morrer, entrou planando no céus dos pequenos principes. Não sei se me apetece um boche assassino neste filme.
Já agora calço aqui as pantufas para a confidência: foi para ‘O Principezinho’ que eu compus o meu primeiro e único tema para banda sonora de uma peça de teatro, há mais de vinte anos, no Teatro Aberto. Foi uma carreira curta, é certo, (e a da peça também, acho que não foi pela música), mas lembro-me que pus todo o meu entusiasmo juvenil na produção, um verdadeiro Loyd Webber, e que me soube ainda melhor escrevê-la do que a paixoneta da altura pela encenadora que quis impressionar.
Deixo-vos o poema, chama-se ‘Amigos a valer’. A música vou assobiando enquanto lêem, ok?
Começou pela magia de um encontro
que acontece uma vez cada milhão
ai, é que os olhos
não vêem como vê o coração
Devagar, pintei as cores da minha vida
pouco a pouco deste o tom do teu viver
ai, e o tempo
levou-nos na aventura de crescer
descobrir cada gesto,
amar, esquecer o resto,
e fez de nós
amigos a valer
Muita vez busquei o abrigo dos teus braços
que os fracassos doem mais se estamos sós
ai, e hoje
não passo sem o som da tua voz
E se um dia fores no rasto de uma estrela
ninguém vai notar que outra luz se acendeu
ai, e eu ao vê-la
serena entre o azul escuro do céu
vou sentir a magia
o encontro e a alegria
que fez de nós
amigos a valer
Vem à minha estrela
ver um palmo só de chão
vem sentar-te nela e ver o mundo
rodar, sofrer, amar, nascer, morrer
e nós ali
amigos a valer
errata:
obcecado e outras
Que segredo será esse? Só pode ser o de que o avião foi “pescado” aqui há tempo e não apresentava sinais de que tivesse participado em combate. Lá se vai a tese sentimentalista do piloto alemão mais a partidinha de ironia do destino…
Sabe Deus quem será, se é, Michael Carreira. O cantor chama-se Mickael Carreira, Fernando.
Chico,
Gosto desse cepticismo. Life is fiction, diz-se aí nos teus sítios.
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Orlando,
Nem mais. Amanhã (não hoje, por motivos técnicos que superam o meu entendimento) corrigirei.
Fui conferir no site oficial do indivíduo, que não é dos meus deuses do lar. A androginia daqueles requebros até tem graça. É a absoluta falta de convicção que o mata.
âncio,
vou ficar sem saber se saltaste o comentário para me poupar o arraso desta minha fantasia juvenil..
Rui,
Com o pé no estribo, deixei o teu poema, e sua introdução, para ler com outra calma.
Li-o agora. O teu assobio dispensava-se. No melhor sentido.