6 de Outubro de 1884, segunda-feira
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É difícil recomendar leituras, porque é tudo delicioso, mas aqui vai uma selecção mínima:
– Primeira página, do lado esquerdo, a notícia intitulada “Desordeiro”. Para ficarmos a saber do que aconteceu ao polícia 121 num certo sábado, já madrugada, ali ao Bairro Alto.
– Segunda página, ao fundo do lado direito, peço ajuda para decifrar o “Cancioneiro popular”.
– Terceira página, ao cimo no lado direito, um dos mais surpreendentes textos que já me foi dado ler em língua portuguesa: “As pernas verdes”. Porquê? Por causa disto, daquilo e do que se descobre sobre a tonteira do autor quando surge a expressão “dupla haste”.
– Quarta página, lado esquerdo, o anúncio “A almofada de Holman”. Em abono do publicitário de antanho que gizou a peça, confirma-se ser cada vez mais válida para a ciência, em 2020, a seguinte afirmação: “Quasi todos os males que afligem a humanidade têm a sua origem no estômago”.
Há dias, dei-me ao trabalho, de vasculhar nas coisas antigas, alguns exemplares de jornais -matutinos e vespertinos- do dia 25 de Abril de 1974. Alguns anúncios, o aspeto gráfico, as noticias, é tudo muito “delicioso”, dão bem conta do “confinamento” a que os portugueses estavam sujeitos.
Na secção Cancioneiro popular temos uma quadra de desabafo misógino: a mulher tem sempre a cara torta e ninguém sabe o que ela quer, por isso mais vale amar uma pedra (?!). Não há nada para decifrar, porque não é uma charada.
Já que falas nisso, aqui vai outra quadra do cancioneiro popular, mas com mais sumo:
A mulher do meu vizinho
É uma santa mulher,
Dá os ossos ao marido
E a carne a quem ela quer.
É surpreendente que lhe tenha passada despercebida esta notícia, na secção do High Life.
” O nosso amigo e distinto sportman, Dâmaso Salcede, parte brevemente para uma viagem a Itália. Desejamos ao elegante tourist todas as prosperidades, na sua bela excursão ao país do canto e das artes”
Esta pequena nota chique, direi até chique a valer, saiu depois do figurão se ter declarado um bêbado, evitando assim levar umas bengaladas no lombo gordo e bem tratado.
José Manuel Silva, ai sim?
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Júlio, a parte da misoginia não me causou dificuldade, o contexto histórico e antropológico que leva um jornal a incluir essa manifestação, idem. Ao que aponto é à construção da quadra no plano linguístico.
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Conselheiro Acácio, sem dúvida, surpreendente. Diria até melhor, de ananases.
Podes continuar a semana com isto:
https://youtu.be/fB8UTheTR7s
Não sou de todo especialista em português, no entanto, aqui vai o meu wild guess .
Mais vale amar uma pedra
do que amar uma mulher :
Sempre tem a cara torta,
Ninguem sabe o que ela quer .
O sinal de pontuação : tem a função de explicar a razão de, “ mais vale, do que “.
Assim sendo, a interpretação que faz mais sentido é a de que é à pedra que se refere a oração “ Sempre tem a cara torta, Ninguem sabe o que ela quer . “ Em sentido figurado, claro, pois a pedra não tem cara, nem vontade .
Se essa oração se refere unicamente à mulher, “ sempre tem a cara torta, ninguém sabe o que ela quer” então já não faz tanto sentido, em linguagem muito clara, introduzir, “mais vale do que “ . Mas é uma interpretação também possível, que a explicação, que implica os ( : ), se refere à mulher . Ficaria assim, porque a mulher tem a cara torta e ninguém sabe o que ela quer, mais vale amar uma pedra .
Uma outra interpretação ainda possível é de que “ Sempre tem a cara torta, Ninguem sabe o que ela quer.” se refere a ambas, à pedra e à mulher “ e assim sendo, mal por mal, então mais vale amar a pedra .
Creio que é esta última que o criador do adágio tinha em mente .
Como é um adágio do cancioneiro popular, a construção é creativa, não necessariamente em português académico, e portanto, aberta à livre interpretação do texto e à imaginação do leitor .
também acho que é a primeira explicação que dá , Simplicio : a pedra não é volúvel… é duma constância rochosa -:) dá muito menos trabalho.
e dificilmente o reconhecimento da incapacidade de compreender o humor de uma mulher ( ora ri , ora ,sem motivo aparente, fica fula ; ora parece querer isto , mas afinal era aquilo) poderá ser considerado misógino. -:)