O Mal-Amado_Fernando Matos Silva
Os 47 lugares da sala Luís de Pina encheram na noite de 18 de Outubro para o reencontro com a primeira longa-metragem de Fernando Matos Silva. Compareceram o realizador, alguns actores, familiares e amigos variados, preenchendo metade, ou se calhar dois terços, da sala (só bloggers de nomeada presentes éramos dois, pelo menos, o que muito contribuiu para o chic da sessão). Tivemos direito a ouvir o Fernando antes da projecção – a qual começaria com um documentário mui bem esgalhado que marca a sua entrada na realização em 1968, Por um Fio… – e quando a fita acabou o aplauso saiu em modo de quase-ovação.
O texto que a Cinemateca disponibilizou, da autoria do também presente Luís Miguel Oliveira e que recebeu o carimbo de “muito bonito” pela boca de Matos Silva, digressa pela análise historicista, a distracção sociológica, a irrelevante subjectividade psicologista. Quase que não fala de cinema, paradoxalmente. Perpassa nesta escrita uma mal escondida dificuldade afectiva, como se o autor se estivesse a obrigar a ser simpático com a obra por motivos intelectualmente espúrios. Aqui entre nós que ninguém nos lê, Luís, podes limpar as mãos à parede.
A propósito do documentário que iríamos ver em primeiro lugar, filmado na Fábrica Cabos D’Ávila, Matos Silva expressou para a sala o seu regozijo por ter sabido colocar a câmara. Esta poderia ser igualmente uma das lâminas afiadas para trinchar as suculentas carnes que viriam 13 minutos depois do aperitivo. O Mal-Amado surpreende por uma fluência visual, representativa e narrativa que está ao serviço de um naturalismo raro no cinema português – podendo até dar lições ao recentíssimo Sangue do Meu Sangue, onde se buscou um hiper-realismo para melhor servir o artificialismo da composição. No caso do filme de 1973, é manifesto o gosto pela captação do quotidiano nos seus espaços próprios, a rua e o silêncio. É o silêncio entre palavras e ruídos que permite resistir à insustentável leveza dos dias.
De repente, João Mota está ao telefone com a personagem sua mãe e Maria do Céu Guerra simula um broche durante o telefonema. Um excerto desta cena viria a ser repetido perto do final do filme, caso alguém na censura tivesse adormecido e tê-la deixado escapar da primeira vez. Poderíamos facilmente aludir ao carácter moralmente provocatório para um Portugal pré-25 de Abril de assim se tratar a sexualidade, incluindo também as cenas de nu dos protagonistas com vislumbre do pirilau do novel director do Teatro Nacional, mas isso seria falhar completamente o alvo quando se contempla a obra na sua inteireza. É que estamos perante um dos mais alegres filmes portugueses de sempre, de uma força criativa que nem sequer no modo atabalhoado e à pressa como encontra um desfecho convencional se embaraça, conseguindo o feito de terminar com um momento de uma sofisticação memorável.
Tendo como pano de fundo o bairro de Campo de Ourique, de resto não devidamente aproveitado fotograficamente nas suas potencialidades cénicas, aquele broche poderia ter assinalado falicamente a passagem do Rubicão para um cinema português que celebrasse o lado solar da vida libertina e apaixonadamente. Como sabemos, não foram por aí os nossos cineastas, talvez por manifesta falta de tesão.
eu queria muito que, te desarmasses, fosses cineasta, fizesses um filme. seria tesudo, que eu sei. :-) (faz, oh, faz) :-)
essa conversa fez-me lembrar o Boogie Nights , do PT Anderson. um filme inteirinho à espera de ver uma coisa dum tamanho do outro mundo , não se falava noutra coisa , e népia , desespero total . de repente , quase ou no genérico ( não me lembro ) , pimba , vislumbra-se o coiso ! a modos chuva de sapos do magnolia. cool.
Belo texto, sobretudo nos subtextos.
Eu gostava de ser realizador de um filme snuff com a Olinda e o Valupi como protagonistas. :-)
lol , subtexro não pesco , mas para o hipertexto até nem é preciso rede : sangue do meu sangue não presta…
e estava um senhor a apanhar caranguejos , metia-os num balde sem tampa , passa um tipo : eh pá , os caranguejos assim fogem todos! diz o caranguejeiro : nã , são tugas , quando um começa a subir, os outros puxam-no para baixo.
Engraçado, só agora leio este texto. Também estive nesta sessão, mas, como não conheço o Valupi (sou um tipo das berças e não da capital), perdi uma parte do chic da circunstância. Mas gostei de viajar para um tempo em que eu era um miúdo e de que tenho imagens muito filtradas.
Sei bem que estiveste, Porfírio, daí a brincadeira irónica com os “dois bloggers de nomeada, pelo menos”. Aliás, fiquei sentado umas 3 ou 4 cadeiras ao teu lado.
De nomeada eh eh eh !!! Muito boa. Essa “espionagem” blogosférica é o que se pode dizer ser uma grande maldade ! Pensei que a referência era para a Joana, que também lá estava (foi a primeira vez que lhe falei pessoalmente).
http://www.youtube.com/watch?v=3r6dGyTf_ho
Nem me lembrei da Joana, talvez por estar ligada ao filme, enquanto nós estávamos apenas como espectadores.
http://www.youtube.com/watch?v=e-2T5TkKojM&feature=related