Basta de drama sobre «o interior abandonado»

Como foi possível constatar no desenrolar dos últimos incêndios, há, em geral, vantagens incontestáveis em habitar aglomerações maiores, por oposição a pequenos povoados dispersos, razão pela qual eu tendo a repudiar o tom dramático com que se costuma afirmar que o interior do país está desertificado. Não só a evolução da estrutura do povoamento não é nenhum drama, sendo praticamente inevitável, como também o país não está propriamente deserto. Cidades como Lamego, Castelo Branco, Guarda ou Viseu (as que conheço melhor) e numerosas outras pequenas cidades ou vilas do interior do país que também conheço bem ou pelas quais tenho passado conheceram um notável desenvolvimento nas últimas quatro décadas. As pessoas das aldeias, as que não emigraram, aproximaram-se dos centros populacionais maiores. É normal. A agricultura tradicional, de subsistência, rendia muito pouco, as novas gerações tornaram-se mais exigentes e é mais do que compreensível que procurem oportunidades noutras actividades e locais. Mas, mesmo nas muitas (ou muitíssimas, como se viu nas serranias atingidas pelos incêndios) aldeias que restam, hoje em dia já não podemos dizer que os seus habitantes são uns infelizes, abandonados à sua triste sorte. Nem sequer são todos idosos, ao contrário do que as televisões nos querem fazer crer, a nós e aos próprios habitantes (gerando situações caricatas, como pessoas de 52 anos a dizerem que são os mais novos, mas que há também uma vizinha com 24 e outra com 47 e até uma garotinha com 4).

Primeiro aspecto a salientar: as pessoas que ali vivem gostam de ali viver. Vimos até estrangeiros radiantes com o local e a vizinhança. A paisagem é linda. A qualidade do ar invejável. A qualidade das casas melhorou a olhos vistos. Não se trata pois de nenhum fim do mundo. A melhoria dos acessos, a melhoria dos transportes, a melhoria das comunicações e a melhoria das habitações são visíveis até nas minúsculas aldeias. A distância à vila mais próxima não é intransponível e a assistência médica nunca está muito longe. Fiquei agradavelmente surpreendida com aquele lar de idosos. Que bonito. Depois, há indústrias – fiações, serrações, etc. Não vi, mas devia e pode vir a haver centrais de biomassa. Seria importante.

Em suma, a chamada «dinâmica populacional» e as alterações climáticas obrigam, isso sim, a reprogramar as políticas rural e florestal, assim como a política económica regional. Com pragmatismo e sem drama. Sobretudo sem demagogia barata. Mas as pessoas que vivem naqueles locais são tão ou mais felizes do que as que vivem nas grandes metrópoles. Ainda que sejam poucas, ou talvez por serem poucas. E isso é o mais importante.

16 thoughts on “Basta de drama sobre «o interior abandonado»”

  1. é por isso que o imobiliário no chiado custa uma pipa de massa

  2. que lindo. uma pena que muitas pequenas vilas e cidades do interior e não tão do interior estejam condenadas ao mesmo destino das aldeias desertas … porque 3 ou 4 unidades fabris não fazem a primavera e em Figueiró , por exemplo , há canos que a camara é o principal empregador e claro , a malta nova vai , com sorte , para lisboa ou porto , ou com mais sorte ainda , para inglaterra , alemanha e por aí . é como dizes , a dinámica demográfica não perdoa.

  3. Felicidade é o nome da criada do bar.

    Um texto propagandístico . Claro q o interior tem boas condições só que la as pessoas sao tao felizes tao felizes q ninguém quer lá ficar.
    Necessaria uma actualizaçao semantica de felicidade essa é demasiado romantica e idilica, demasiado costista, ou seja uma sintese de contrarios. Felicidade e um carro novo, uma cozinha do Ikea, una selfie com o Marcello, uma boa piada no Twitter, enfim, uma ditadura. Felicidade não é fogo que arde e se vê.

  4. É sempre uma emoção ler um “urbano” a perorar para rústicos !….Esclareça-nos, Penelope: as “centrais de biomasse” servem para quê mesmo ??

  5. lindo o teu texto, Penélope. quem me dera, mesmo com o mundo a chamar-me parola e bicho do mato, poder viver mais feliz assim: acordar com a música tonal dos galos e com as geadas em pontas de branco; quem me dera poder rasgar o dia com o leque dos verdes só para mim; quem me dera cruzar-me com as vacas e vadiar com os socalcos enquanto vos leio.

  6. Pois há Penelope. Mas o link não explica é (1) como se transporta os materiais sobrantes de limpezas e desnatações até ás ditas centrais, ( 2) quanto é que isso custa e portanto (3)quem vai estar interessado em pagar a electricidade assim gerada , nem (4) como se repõem os níveis de matéria orgânica assim “exportada”. Em resumo: boa solução de secretaria para gáudio da intelectualidade citadina , para beneficio das empresas que possam vir a adjudicar tais projectos e para enriquecimento futuro do magnifico zoo de “elefantes brancos” que povoam o interior.

  7. Alves Reis, a mais antiga central termoeléctrica foi instalada em 1999 em Mortágua. E continua a funcionar em pleno.
    O link abaixo abre-lhe uma notícia já de 2006. O concelho, largos anos massacrado com os fogos, continua a apostar fortemente na preservação da floresta ( infelizmrnte com muito eucalipto) e na prevenção dos fogos. Numa zona densamente florestada, a central de Biomassa absorve todos os resíduos que resultam do abate de árvores no concelho ou ainda vindos de outros concelhos. E há multas efetivas para quem abandonar esses resíduos. Funciona.
    .
    https://www.publico.pt/local-centro/jornal/central-de-mortagua-vai-duplicar-a-capacidade-de-producao-de-energia-88021

  8. é , as centrais de biomassa para incêndios não interessam nada . é o mato e outra vegetação que tinha de ser limpa , tonelladas a andar por kms para produzir uns kw minúsculos :) e depois ainda resta resolver a coisa da biodiversidade e a erosão dos solos sem mato nenhum.

  9. Alves Reis, Sugestão para uma boa medidada de apoio à floresta: isentar de impostos o gasóleo de veículos que transportam biomassa ou de máquinas que participam na sua recolha.

  10. O Salgado, o gajo do Bpn, o do Bpp e o do Banif, tambem construíram uma central de biomassa em conjunto, e foi um ve se te avias, ficou tudo limpinho! E foram muito felizes!

  11. Que o Portugal interior está despoboado? está em relação há trinta anos, embora há muita,muita, mais povoação no rural que em algún país próximo.
    Se quer ver rural do interior abandonado e despoboado, recomendo uma excursão turística pela Galiza, e outras regiões de Espanha.
    As vezes há que está pior que um mesmo, só é preciso olhar alto.

    Concordo co post.

  12. Nina Santos,
    Centrais de biomassa anexas a parques industriais vocacionados para processamento de madeiras e derivados, fará sentido; como componente de sistema de prevenção de incêndios florestais, tenha dó !

    Lucas Galuxo,
    Pode isentar disso tudo ou subsidiar a 100% a fundo perdido que nem por isso deixa de ser um operação ruinosa. E isto para não falar da magna questão do balanço da matéria orgânica assim exportada: se os residuos florestais forem retirados da floresta, onde vai ela buscar os nutrientes para se alimentar ?

  13. “A melhoria dos acessos, a melhoria dos transportes, a melhoria das comunicações e a melhoria das habitações são visíveis até nas minúsculas aldeias. A distância à vila mais próxima não é intransponível e a assistência médica nunca está muito longe.”
    Sem dúvida! O poder central pode não ter colocado a escola, o hospital e o tribunal junto da habitação de cada um de nós, mas construiu estradas que têm permitido o acesso dos cidadãos a esses bens de interesse público. Mais: o Estado paga às IPSS dessas localidades muito dos serviços prestados na assistência a idosos e carenciados que se encontram distantes dos centros urbanos. As autarquias, por sua vez, também desenvolvem programas de apoio social para aqueles que se encontram mais isolados. Ainda há muito por fazer? Claro que sim!
    O problema é que a agricultura, onde se inclui a floresta, dá pouco emprego. Muitos acabam por emigrar, poucos ficam a cuidar de negócio próprio e/ou da agricultura familiar. A floresta até que necessita que tomem bem conta dela, podendo gerar bastante emprego. O problema é que os seus proprietários, muitas vezes instalados nas cidades, não estão para investir e pagar o preço devido pela mão de obra local. O tempo da mão de obra barata acabou. Longe vão os tempos em que os pobres caseiros e trabalhadores rurais se sujeitavam aos mandos e desmandos dos proprietários rurais. Hoje, estes trabalhadores rurais preferem ir trabalhar na agricultura sazonal na Suiça.
    É por isso que os eucaliptos que agora arderam vão, já na próxima primavera, verdejar e compor a paisagem para que daqui a dez anos sejam novamente chamuscados por bolas de fogo. Este ciclo tem de ser interrompido, custe o que custar. Quem não quer ou não pode cuidar da sua floresta, deve entrega-la ao Estado. O interesse superior da comunidade assim o deve exigir. É uma questão de cidadania.

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