Porque não há locutores ou apresentadores negros na TV portuguesa?

Muito mais do que mil manifs de rua ou inflamados discursos “anti-racistas”, vale a análise séria dos fenómenos do preconceito racial e, sobretudo, das práticas quotidianas de discriminação racial em Portugal, pondo com rigor o dedo na ferida e apresentando, com serenidade e inteligência, propostas de reformas viáveis e realistas. O racismo propriamente dito também existe em Portugal, mas, para combater as suas principais expressões, que são principalmente casos de polícia, temos a lei penal e a Constituição.

Um dos casos mais patentes de preconceito e discriminação racial é, em Portugal como numa nação tão multirracial como o Brasil, a invisibilidade dos afro-descendentes na comunicação audio-visual, muito especialmente na informação, programas de debate e talk-shows. Ora a televisão é (ou podia ser) um dos meios mais eficientes, se não o mais eficiente, do combate ao preconceito e à discriminação racial.

Ao contrário de um país dito “racista” como os EUA, os canais de televisão portugueses (e brasileiros), públicos ou privados, não têm locutores de notícias, comentadores, entrevistadores ou pivôs de talk-shows negros, nem sequer apresentadores de programas de entretenimento, desporto ou meteorologia, salvo raríssimas excepções. A RTP 2, que quase ninguém vê, apresenta de longe em longe filmes de realizadores africanos e acha cumprida a sua missão. Se quisermos ver negros que não sejam atletas, futebolistas ou músicos nos canais de televisão de grande público, a solução é ver a CNN, o 60 Minutes da CBS, filmes americanos, séries americanas, inglesas, francesas ou escandinavas, telejornais franceses ou até alemães. Até a NHK japonesa e a CGTN chinesa têm apresentadores negros.

A RTP África, onde predominam os profissionais portugueses brancos, é um curiosíssimo canal onde alguns jornalistas afro-descendentes também podem fazer trabalhos destinados… aos africanos dos PALOPs (ia quase a dizer: aos povos das colónias). Na RTP 1, 2 e 3, que eu saiba, não há jornalistas negros a fazer programas para portugueses (brancos ou negros) e sobre a realidade portuguesa (negra ou branca). Como se esses jornalistas — se é que os há por lá — não fossem também portugueses e não tivessem legitimidade para trabalhar e falar sobre a sociedade, a política ou a cultura portuguesa. O preconceito consciente ou inconsciente está aqui presente em toda a sua força.

A situação em Portugal nas últimas décadas melhorou quase exclusivamente em alguns programas de entretenimento, com a participação de actores e outros profissionais afro-descendentes. Até no tempo do Estado Novo havia um locutor de notícias da RTP que era negro. Dir-se-á que era propaganda conveniente no tempo da guerra colonial, mas depois do 25 de Abril os locutores negros simplesmente desapareceram da televisão. Interessante efeito da descolonização!

Tudo isto e muito mais é exposto numa tese de mestrado apresentada há dez meses no ISCTE por Helena Patrícia Vicente, “Presença e percepções dos profissionais negros nos programas de informação e entretenimento na televisão portuguesa”, baseada numa investigação que abrange o período 1992-2017 e que se pode ler aqui. Faz o diagnóstico e apresenta propostas e estratégias para uma mudança. Não me lembro, na minha inocência, de a autora ter sido entrevistada por nenhum canal da televisão portuguesa sobre o tema da sua tese…

20 thoughts on “Porque não há locutores ou apresentadores negros na TV portuguesa?”

  1. será a excepção que confirma a regra pois o problema que referes é sem duvida real mas como disseste que não há nenhum e isso é um pouco discriminatório em relação a ela (até parece que não a consegues ver) vim aqui so informar-te que há uma apresentadora de telejornal da tvi negra e já há bastante tempo

  2. Não há porque não há. Não é por causa disso que, na opinião impressionista de muita gente somos um povo racista (já agora, por que razão nunca perguntaram ao Marcelo o que acha sobre este tema: somos ou não racistas, o melhor povo do mundo. E depois da resposta dele – que seria muito próxima, senão igual, à de Rui Rio, gostaria também de ver os “paineleiros” encartados a comentar o “disparate” do senhor presidente). Caso contrário, os EUA seriam – esses sim – o melhor povo do mundo, pois jornalistas, pivots, polícias, juízes… negros não faltam.

  3. não há, porque não há concorrência profissional e a admissão é elitista. são admitidos por cunha e por assédio como as hospedeiras da tap nos gloriosos tempos em que os pilotos andavam de botas altas. depois não temos ou não queremos saber da audiência negra em portugal, no dia em que a cmtv descobrir que dá audiências até enfeita os suportes de microfone com conguitos.

  4. Teste: a autora da obra que citei também refere que a tv em Portugal emprega alguns jornalistas afro-descendentes, mas de preferência de tez clara, como é o caso da senhora que referes, Conceição Queiroz, que o Osvaldo aí descreve como mulata.

    Firmino: “não há porque não há” é uma razão?
    Sim, os EUA estão muitíssimo mais avançados do que Portugal tanto em matéria de integração de afro-descendentes em funções relevantes dos media como em integração e mobilidade social dos mesmos a qualquer nível da sociedade.

  5. entretanto fui informado que a alberta marques fernandes tem ascendência angolana e resolvi partilhar. é capaz de ser das pivots mais antigas em portugal

  6. ” Sim, os EUA estão muitíssimo mais avançados do que Portugal tanto em matéria de integração de afro-descendentes em funções relevantes dos media como em integração e mobilidade social dos mesmos a qualquer nível da sociedade.”

    até já elegeram um negro para presidente, mas têm kkk e polícia a matá-los todos os dias e depois? são muitos, fazem bué de barulho e são um grande mercado. por cá são poucos e quem faz barulho são os partidos minoritários, nomeadamente be e chega, para ganharem mais uns votos. o costa teve a ideia de integrar minorias étnicas e emigrantes ali para os lados do mem martins mas não ganhou nada com isso, só sarilhos.

  7. julio: espero que estejas ciente dos problemas em que te enfias quando começas a distinguir não só raças e etnias mas tons de pele dentro dessas categorias.
    nem vou pela injustiça que cometes para com os negros “mais claros”, digo-te só que acabas a confirmar que a continuada segregação e estratificação da sociedade não é devido ao racismo (ou sexismo ou ou ou), mas sim devido a um sistema económico e social cuja premissa é essa mesma estratificação e segregação chamado capitalismo. depois a desculpa utilizada para discriminar e oprimir é que vai variando consoante o caso.

  8. Aqui está mais um caso paradigmático da Comunicação Social. Sem dúvida alguma e nomeadamente nas televisões, que é do que trata o post. Também ele com uma resposta paradigmática. A RTP depois da Revolução passou a funcionar como um lobby de retornados. E eles próprios faziam gala desse paradigma. Quem não se lembra de os ouvir a gabarem-se que a Comunicação Social nas ex-colónias era muito mais avançada? Porque se sentiam muito mais livres e tal. Talvez com menos PIDE. Ficava-se logo com a ideia que só em Angola deviam operar para aí 10 televisões privadas, cada uma delas com 10 canais no mínimo. Tal não foi a percentagem de retornados que a RTP, à data ainda a única televisão em Portugal, passou a incorporar de um dia para o outro. E o mesmo nas rádios oficiais. E que toda a África portuguesa era uma verdadeira fraternidade entre brancos e negros. Claro que nunca passou de um juízo em casa própria. Até porque ninguém conhece nenhum fazendeiro retornado que tenha trazido com ele um negro ou dois como quem traz dois macaquinhos. Inclusive sem quaisquer documentos, que só se viram obrigados a legalizar muito mais tarde. Também para que é que eles queriam documentos para carregar as compras da praça?

    E já agora, entre outros lobbies sociais que não é muito politicamente correcto abordar. Como aliás noutras repartições públicas. Na repartição das finanças do meu bairro fiscal ainda hoje e depois de várias reformas, contam-se pelos dedos de uma mão os funcionários que não tenham qualquer ligação ao movimento dos retornados. Já negros… Também é bom dizer que eu fiz a faculdade muito depois da Revolução – no ISE – onde os únicos negros eram os bolseiros dos Palops, a maioria dos quais voltou depois aos países de origem.

    E o paradigma continuou com o advento das televisões privadas em Portugal. Quando até foram recrutar muitos profissionais às radio pirata – muito mais que às escolas superiores de comunicação social ainda imberbes e onde os negros mais uma vez também não deviam abundar – e que até operavam na sua esmagadora maioria nos subúrbios de Lisboa com grande predominância de afro-descendendentes mas nem esse refresh da televisão em Portugal alterou o verdadeiro paradigma racial das televisões em Portugal. Talvez porque também não abundassem negros nas famosas rádios piratas. Que algum português branco financiava.

    O Racismo estrutural em Portugal hoje já poucas vezes é declarado como no mais recente homicídio do actor negro. É um racismo latente em que todos fomos educados, quer queiramos quer não. Ninguém tem nada contra os negros mas na hora de escolher um profissional…Como é que se combate? Sem dúvida alguma e como qualquer problema estrutural, através da escola pública. Mas também sem sombra de dúvida alguma que a maior visibilidade que todas as televisões podiam acrescentar, era uma ajuda preciosíssima no curto prazo. O pior é acabar com o preconceito no meio de comunicação social com mais audiências em Portugal. Precisamente as televisões.

  9. Depois do que a Frelimo,o Mpla e o Paigc fizeram aos fascistas portugueses, estes,os fascistas, não querem ver nada mais escuro que a cal !
    Que a vejam no próprio caixão,onde a cal se espalha,generosamente,para que o cadáver se decomponha mais depressa !!!

  10. Depois do que a Frelimo,o Mpla e o Paigc fizeram aos fascistas portugueses, estes,os fascistas, não querem ver nada mais escuro que a cal !
    Que a vejam no próprio caixão,onde a cal se espalha,generosamente,para que o cadáver se decomponha mais depressa !!!

  11. *** Claro que nunca passou de um juízo em casa própria ***

    quererias dizer em causa própria, ou é mesmo da série “ uma faca de dois legumes “, “ninguém está alheio de estar imune ao erro “, e por aí mais além ?

    *** Na repartição das finanças do meu bairro fiscal ainda hoje e depois de várias reformas, contam-se pelos dedos de uma mão os funcionários que não tenham qualquer ligação ao movimento dos retornados. Já negros… ***

    Na minha não. Foram todos “entregados” mas nenhum tinha passado de trabalho em repartições públicas. Um era carteiro, outra, professora de posto – sei lá o que isso era – outro, funcionário do caminho de ferro privado de benguela, até tinha um, que tinha sido porteiro de fábrica e que se gabava de ter comprado 50 contos em garrafas de vinho de pasto, isto em 76 ! é obra, vinho IARN-ó-subsidiado, era de Lamego, bom sujeito por sinal, trabalhar, está quieto . Mas não duraram muito tempo . Após consultas secretas entre eles, que todos ouvimos, combinaram dar 20, 25 anos, e num caso, 30 de servico – não chegaram a consenso . Os papéis tinham ficado todos em Angola ou então foram queimados na fogueira da revolução. De modos que após 5 anos, no máximo, de serviço, digo, sorna efectiva, já estavam todos aposentados . Um alívio!

    ***Também é bom dizer que eu fiz a faculdade muito depois da Revolução – no ISE – onde os únicos negros eram os bolseiros dos Palops, a maioria dos quais voltou depois aos países de origem.***

    Eu também fiz, bons tempos, que saudades eu tenho do Instituto Súpero de Entegração .
    Pois foi, depois foram todos devolvidos em modalidade de pro cedencia .
    Good riddance!
    Nunca deviam era de lá ter saído, nem os brancos nem os negros …

  12. P
    5 de Agosto de 2020 às 18:53

    “LOBBY DE RETORNADOS” até que enfim “oiço” alguém apontar o grande problema da RTP.

  13. júlio. o meu “não há porque não há” quer simplesmente demonstrar que, neste tema, andamos todos em avaliações impressionistas. não temos produzido estudos científicos suficientes para responder cabalmente à pergunta. daí que, quando a sra. Clara Ferreira Alves se lembra destas “boutades” (claro que somos racistas: não há comentadores negros, políticos negros, cozinheiros negros, polícias negros, deputados negros, etc. etc.) como forma de provar o nosso racismo estrutural, o mesmo argumento impressionista ao contrário vale o mesmo: os EUA não é um país estruturalmente racista porque os negros estão em todo o lado, inclusivamente na presidência da república. Acontece que os EUA é um país estruturalmente racista, pois existem estudos válidos que o comprovam.
    estando eu a léguas desse tal Ventura, estou propenso a crer que não somos estruturalmente racistas. seremos até dos melhores europeus a este respeito. mas repito: estou propenso a crer. nada mais do que isso.

  14. Atenção que eu não tenho nada contra a generalidade dos retornados. E até lamento que muitas famílias tenham passado por situações muito complicadas. Sou humano. Como também é aliás normal no contexto que as fez retornadas. Como concordo que o Estado não podia deixar de se responsabilizar pelo fenómeno. Sobretudo pela Administração Pública nas ex-colónias. Ou pelo menos com essas famílias logo à cabeça. O salto que eu nunca acompanhei foi a alienação total de largos sectores da Administração pública. Onde não entraram só os retornados da administração pública nas ex-colónias. E ainda acompanho menos os saltos nos anos subsequentes com filhos, sobrinhos e enteados.

    Outro plano da questão dos retornados que também merece discussão, como aliás os próprios estão sempre a reclamar que os retornados nunca foram devidamente discutidos em Portugal, é que os nossos retornados não foram os únicos portugueses convidados para irem subjugar e explorar outros povos. Que é mais ou menos a definição de colónias. Muitos que já tinham dificuldade em respirar em Portugal também foram convidados e disseram logo que não! Tão simples como isto. Mesmo que também corresse o mito que respirava-se melhor em África que em Portugal. O problema é que o oxigénio também não era nosso. E não estou a falar de convites para ir plantar cacau em São Tomé. Já para não falar dos muitos portugueses que passaram anos no Aljube para nós vivermos hoje em liberdade e a quem o Estado nunca ofereceu um emprego na sua máquina. Já para não falar de uma dos episódios mais nojentas da nossa ainda muito jovem Democracia, com uma múmia que preferiu atribuir duas pensão por serviços prestados a dois pides que a um dos maiores heróis da Revolução, de seu nome Salgueiro Maia.

    E mesmo aqueles analfabetos – e nada de pejorativo mas a maioria no Portugal de Salazar – que nem sequer precisaram de ser convidados, tiveram muito tempo para pensar no que andavam por lá a fazer. E quiçá fazer outra escolha depois de já não irem ao engano. Portugal foi o último país europeu a abdicar das suas colónias ultramarinas. Passaram as últimas décadas a assistir a tantas guerras de independência e estavam à espera de quê? Que Portugal era melhor que algumas das maiores potências europeias? Que no Portugal ultramarino nunca se ia passar nada? E tanto assim é que muitos depois da descolonização ainda foram até ao apartheid da África do Sul. Só podiam gostar de estar entre uma minoria que subjuga e explora a grande maioria. E como a vida também são as escolhas que fazemos individualmente e como comunidade…

  15. “E mesmo aqueles analfabetos – e nada de pejorativo mas a maioria no Portugal de Salazar – que nem sequer precisaram de ser convidados, tiveram muito tempo para pensar no que andavam por lá a fazer. E quiçá fazer outra escolha depois de já não irem ao engano.”

    a grande maioria foi ganhar a vida como os que imigraram para frança e alemanha, se tivessem condições para viver decentemente tinham ficado. houve quem lá ficasse depois da independência e quem viesse embora com receio da guerra civil que entretanto estoirou, mas em nenhum dos casos isso foi crime ou retira direitos às pessoas.

    “Portugal foi o último país europeu a abdicar das suas colónias ultramarinas. Passaram as últimas décadas a assistir a tantas guerras de independência e estavam à espera de quê? Que Portugal era melhor que algumas das maiores potências europeias? Que no Portugal ultramarino nunca se ia passar nada?”

    se a tropa, maioritáriamente miliciana, não tivesse retirado, angola e moçambique ainda aguentavam mais uns anitos. bora lá chamar nomes aos militares que andaram por lá a defender os colonos.

    “E tanto assim é que muitos depois da descolonização ainda foram até ao apartheid da África do Sul. Só podiam gostar de estar entre uma minoria que subjuga e explora a grande maioria. E como a vida também são as escolhas que fazemos individualmente e como comunidade…”

    hoje há minorias portuguesas espalhadas por todo o mundo, de acordo com os teus brilhantes raciocínios andamos a colonizar o planeta e não avisámos o marx.

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