Batatas e versos – um texto de Agostinho de Campos
Quando escrevi o texto cujo título era um verso dum poema de Pedro Homem de Mello («Ninguém nos peça o que não somos») descobri nas últimas páginas do seu livro «Bodas vermelhas» um texto muito curioso e bem disposto de Agostinho de Campos. Aí vai: «Existe desde longa data uma concorrência das batatas com os versos. Concorrência feroz na qual as batatas triunfam sempre. Vendem-se mais batatas do que versos porque aquelas são mais necessárias e mais úteis à saúde de cada um e de todos. E esta situação agravou-se nos últimos tempos, por causa da crise, ou antes, das crises: da económica e da poética. As batatas são cada vez mais necessárias e os verso cada vez mais supérfluos. Materialismo. E outra coisa: as batatas conservam sempre o mesmo gosto, o que lhes assegura a fidelidade dos mercados: os versos, salvo honrosas excepções, dizem sempre o mesmo, donde resulta que, antes de lê-los já se conhece de cor e salteado o sabor que eles têm. Dá-se então a injustiça flagrante de que ninguém já compra versos pela mesmíssima razão por que toda a gente continua a comprar batatas. Acresce a isto que ninguém sabe hoje ao certo o que sejam versos e poesia. Surgiu a poesia pura que relegou para os limbos da prosa quase tudo o que ainda há poucos anos considerávamos verso; além disso chegou no aeroplano o modernismo que aboliu os velhos códigos da versificação e da métrica, a ponto de que, muitos versos de agora, sem rima, sem ritmo e sem regra, parecem prosa a muita gente». A data do texto há-de ser 1933 mais ou menos pois Pedro Homem de Mello nasceu em 1904 e é apresentado como um «menos-de-trinta-anos». A crise é a de 1929 que provocou suicídios em Nova Iorque e muitos pobres no Mundo.
Se quem escreveu isso pretendia comparar mercados, esteve a comparar alhos com bugalhos.
Se pretendia comparar alimentos para as duas indiscutíveis fomes que existem: quem tem fome pode plantar as suas batatas e os seus versos, não os comprar nem os vender. Pode comprar e vender batatas e versos a outros.
Mas é mil vezes mais difícil encontrar versos que nos saciem do que batatas. Porque a fome é nos dois casos fome, mas uma tem que ser à nossa inteira medida e a outra tem que ser apenas à medida do nosso estômago.
E depois há quem come só de ver uns únicos alguéns comer os seus versos!, e que bem lhe sabe!, tantas vezes é o melhor negócio!
Exemplo: …«basta um leitor ou uma leitora para ter valido a pena ter escrito»…
E e isto toda a gente entende!
A lenor é uma jovem, às vezes, é sim senhor.
:)
Atenção que este texto tem uma componente irónica muito forte. Só o trouxe aqui porque ele está integrado num livro que eu referi para ir buscar o verso de Pedro Homem de Mello. Tudo tem a ver com a circuntância. O Agostinho de Campos era mais velho que o Pedro Homem de Melo e daí o tom. Mas olha que não é um autor qualquer – se fores ver à antologia do Fernando Venâncio sobre as melhores crónicas portuguesas do século XX lá está na página 101 Agostinho de Campos 1870-1944. A edição é do Circulo de Leitores e foi um exito. Se puderes não percas.
Fui ver quem foi o Pedro e o Agostinho à Wiki. O Fernando aqui do Aspirina, já tinha ido ver noutros lados. Mais que isto “não posso”. Só poderia se fosse preciso para não ter menos que 10 nalgum exame.
Já agora quando digo se puderes não percas é porque tratando-se de uma edição Círculo de Leitores pode ser que tenhas alguém no teu circulo de amizade que seja sócio e tenha o livro. O livro é um espectáculo – tem 100 crónicas escolhidas sobre os mais diversos aspectos do ´seculo XX em Portugal.
Não. Mas podes mandar-me uma ficha de inscrição para eu depois mandar vir. O pior vai ser ler!
“A crise é a de 1929 que provocou suicídios em Nova Iorque e muitos pobres no Mundo.”
A nota explicativa típica do empregado da Carris com umas noções de Economia. As criancinhas das creches sabem agora porque razão começou a faltar mandioca nos pratos dos meninos há tantos anos.
Saiste-me cá um matateu…