«O homem do turbante verde» de Mário de Carvalho
Mário de Carvalho (n.1944) celebra 30 anos de vida literária neste seu 21º título. Trata-se do regresso às origens – depois do romance e do teatro, volta ao conto. São dez histórias no estilo que o autor afirmou ao longo dos tempos – o máximo de rigor vernáculo na narrativa com a imaginação mais desenfreada nos lances do enredo.
São vários os tempos destas histórias. No conto que dá titulo ao volume um grupo de arqueólogos aprisionados é trocado por uma criança («várias culatras a serem puxadas») mas tudo acaba bem: «O que lhe valeu é que os tipos daquele lado também têm amor aos miúdos». Tempo africano. A luta política antes de 1974 surge no conto «A rua dos Remolares» com um cadete-aluno a envolver-se nas actividades clandestinas: «Deixo-te dois cheques assinados. Daqui a uns dias alguém telefona a dizer que é o Eduardo Lopes e a dar-te um endereço no estrangeiro. Memorizas, levantas o dinheiro e remete-lo pelo correio para a morada que for indicada. Não tomes nota. Fixa!» Tempo clandestino. Em «O celacanto» o insólito está presente com o peixe que fugiu da Faculdade de Ciências (velha) onde integrava uma exposição/instalação mas «ao chegar junto à galeria entrou decidido, porta adentro, raspando desajeitadamente a ombreira que ficou com brilho de escamas. Tempo imaginário. Os contos finais passam-se no mundo actual povoado de absurdos (burocracia), de morte (pedofilia) e solidão (divórcio). Em «O cochman» existe um edifício de escritórios onde a portaria deixa entrar o empregado sem cochman («O senhor não está dispensado») mas já não o deixa sair e coloca-o numa sala diferente: «Esta é a única sala que não está ligada à rede de multissom». Tempo absurdo. Africano, clandestino, imaginário e absurdo – são os quatro tempos do livro cuja leitura é um prazer.
(Editora: Caminho, Capa: Rui Garrido, Foto: José Carlos Aleixo)
O Mário de Carvalho é um escritor absolutamente fabuloso, e é para mim um paradoxo que ninguém o reconheça. É muito melhor que a maioria dos escritores da sua geração que hoje são celebrados, e extraordinariamente melhor que o Peixoto e esses pequenos.
Ninguém o reconheça? O Luís Gaspar anda a nanar: até o maior prémio de ficção português já lhe foi atribuído, caramba.
escrever o absurdo tem o que se lhe diga – é de se lhe tirar o turbante.:-)
a verdadeira abçorda de abéculas
Caro Luis Gaspar este escritor já ganhou vários prémios da A.P.E. como seja – do conto, do romance e novela, do teatro. Também do Pen Club, Dom Dinis e Cidade de Lisboa. Não é pouco…
O Luis Gaspar quando disse “ninguém” estava a falar do universo das pessoas que não são júris de prémios importantes. E das pessoas que não lêem. E das pessoas que só lêem o José Rodrigues dos Santos e a Maria Rebelo Pinto. E das pessoas que não compram os livros do Mário de Carvalho. E das pessoas que andam distraídas.
Vocês são uns picuinhas, que mania de embirrar.
pois, como se trata de um autor dificil, está longe de ser popular.
mas o Mário de Carvalho é um grande escritor e sem queixas da critica ou de quem atrinui prémios.
meu caro «Branco» longe de mim embirrar; eu apenas tentei explicar algo que pode ajudar a perceber o assunto. Apetece acabar com um título do Mário de Carvalho – «Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto»…
Até prémios Nobel posso citar que não tiveram e não têm o reconhecimento devido. Quanto mais prémios de grémios.
Lanço o tema: o que é o “reconhecimento devido”? Como avaliar o “reconhecimento devido”? Como distinguir entre reconhecimento devido e indevido?
pode ser reconhecido pelo numero de leitores que tem, Branco.
e por aí, Mário de Carvalho não é um escritor de massas, daqueles que vende centenas de milhares de exemplares…
E merecia, Luís. O Mário de Carvalho merecia vender pelo menos tantos livros como o Saramago e ser tão apreciado e elogiado como um Cesariny.
a arte é reconhecida quando não segue o utilitarismo pragmático. e é só. :-)
Como vês Sinhã tenho razão – «Era bom qu etrocássemos umas ideias sobre o assunto»…
explica melhor isso, Zézinho, que estou como uma mula a olhar para o turbante. :-)