O ladrão não respondeu ao desejo de boa tarde
Do morador que com ele se cruzou na escada.
Colou-se ainda mais à parede, desceu depressa
E sumiu-se veloz no fim da Travessa sem gente.
Boa tarde era para ele uma mochila tão repleta
De relógios, ouro, prata, jóias e casquinhas
Sem esquecer o meu computador portátil
Com poemas, crónicas e imagens desde 2002.
A pressa do ladrão era a carrinha à espera
Uns chegam de Espanha e os outros de Itália.
Das obras do telhado o compatriota avisou
E no domingo à tarde se rasgou o aro da porta.
Quarenta e cinco anos de vida na mochila
Valor sentimental escapa às contas do Banco.
Este postal da Polícia até já está impresso
E avisa não se poder avançar no assunto.
No domingo à tarde a vida fica suspensa
Gavetas pelo chão e móveis arrombados.
Alguém que não conheço violou o silêncio
Do espaço onde meus filhos gatinharam.
O ladrão não respondeu ao desejo de boa tarde
Tinha pressa em chegar a Madrid ou a Milão
Para derreter o ouro roubado na minha casa
Em barra com número de série e contraste legal.
uma tragédia na tua casa por conta do ouro certo. se me acontecesse isso – não de me roubarem ouro porque não o tenho – de violarem o silêncio do meu chão, seria um grande desgosto e gastaria muitos litros de lixívia para desinfectar a matéria mexida e a alma de a ver. mas foi-se o ouro, e o resto, e ficaste tu – o tesouro maior do teu chão. :-)
mais uma pepita poética extraída ao abrigo do acordo nacional de garimpagem literária. vai-te catar! tiveste muita sorte em não terem violado a hoover, cagado no tablier do citroen e gamado os gasóleos do picasso, só levaram o ouro e deixaram a mirra. tudo malta do internacional, ala-que-se-faz-tarde-pró-avião, nada de boas tardes ou mesmo deixar um cartão para futuros contactos comerciais. cambada de insensíveis. devem ter ficado ricos com o dinheiro que receberam do teu computador derretido.
És tão bandido como eles, os que roubaram e fugiram na carrinha para Madrid ou Milão. És um doente mental. Vai chamar pepita ao teu avô torto, ó chanfrado!
melão tens tu onde o almirante tinha uma respeitável abóbora. vi uma carrinha que dizia “à milão” ali para os lados de almeirim, se calhar eram os gajos.
Lamento o assalto de que foste vítima. Além das coisas que furtaram, cujo valor, pelo que escreves, não é despiciendo, é uma sensação terrível entrar alguém em casa e ver que violaram a sua intimidade.
Este não é um post para brincar, que é o que tenho feito, sob a capa de provocação, em comentários anteriores.
Quanto ao postal da polícia, sei como é, porque há alguns anos recebi um parecido do Tribunal da Boa Hora, quando me assaltaram o carro.
Aqui deixo a minha solidariedade.
Obrigado pelas palavras amigas. O postal é doloroso de receber pois são tantos que ali já está «impresso». Mais um para a estatística – nada mais.
Percebo bem a tua angústia, a sensação de impotência, de perda irremediável, de ponto de não retorno, quase como se te tivessem cortado um braço. E também a frustração que vem da vontade que sabes irrealizável de agarrar o animal pelo pescoço. Sei que não serve para nada, mas atrevo-me a uma previsão: daqui a uma semana (talvez um pouco menos) só restará a raiva pontual, quando, de vez em quando, a memória da perda te aflorar a consciência. Essa continuará, cada vez mais espaçada, por meses, talvez anos, mas, acredita, dá para aguentar.
E borrifa-te para os cães anónimos que nesta tua casa espalham as caganitas e peidos que lhes enformam a alma. Enquanto as caixas de comentários não tiverem cheiro, o único incómodo é saberes que “coisas” assim existem e, cagando-se tão alarvemente, se juntam às vacas do Cavaco no agravamento do efeito de estufa!
Obrigado, amigo, pelo texto e pelas ideias nele expressas. Vou tentar merecê-las.