Há uma rosa a arder. Já não é lume
Apenas foco de luz sem combustão
No fósforo mal aceso deste ciúme
Só sobejaram os sinais da tua mão
A tua boca foi o botão anunciado
Os teus dedos o que ficou da haste
Procurei a tua voz em todo o lado
Mas foi na rosa ardida que ficaste
Meu Caro JCF
É pena que estrague belíssimos poemas com o pouco cuidado nas sílabas e na acentuação. Ora repare como isto assim, por exemplo, fica com muito mais ritmo:
Há uma rosa a arder, já não é lume
Mas um foco de luz sem combustão
No fósforo mortiço do ciúme
Sobejaram sinais da tua mão
Teus lábios o botão anunciado
Teus dedos a memória duma haste
Busquei a tua voz por todo o lado
Mas foi na rosa ardida que ficaste
Daniel: só há uma coisa que ultrapassa o teu atrevimento e a tua arrogância – a genialidade das alterações que propões. Não diria que a versão do jcf está estragada (longe disso, até vinha aqui comentar o quão belos são esses versos), mas a tua versão é de uma leveza incrível. Relojoaria pura.
JPC
Sou demasiado amigo do JCF para ser atrevido e arrogante em relação a ele. O poema era demasiado belo para que eu me coíbisse de correr o risco de apanhar uma reprimenda como a tua, que acaba por ser até muito benevolente.
Toma lá um abraço.
Concordo com o meu primo, o poema do Daniel canta-se com mais doçura. Mas discordo do meu primo, nem isso justifica o sacrilégio de se pretender corrigir o amor.
Pelo dia de hoje, pelo amor à verdade, junto-lhe esta continuação mal-amanhada:
Ao fogo que queimou a minha alma
Quero juntar-lhe, nesta noite calma
As esperanças adiadas de alegria
Aos pobres a quem o pão não chega
Aos párias a quem Abril relega
Vamos esperar que venha um dia…
Também achei o poema bastante bom, tal como está. A única alteração que faria era trocar «deste ciúme» por «do ciúme». Como JCF o escreveu, fica com uma sílaba a mais que estraga, desnecessáriamente, o rigor, a musicalidade e a “mensagem” do autor – que, me parece, trocando os cravos por uma rosa, não deixa de se associar, com alguma crítica e desilusão, à data hoje comemorada.
Daniel de Sá:
Gosto bastante dos seus poemas, mas concordo ser demasiada imiscuência «trabalhar» ao seu jeito um poema alheio. Cada um tem o seu estilo e a sua forma poética de se expressar. Que me desculpe, mas prefiro o poema do JCF ao poema «renovado» que se deu ao trabalho de escrever.
Há um cravo a murchar,apenas cinza
Da robusta braseira dum vulcão
Mas mortiço,ainda o cravo inspira
Uma acesa e literária discussão.
a segunda versão é tecnicamente melhor. mas é precisamente por isso que a “correcção” me parece um gesto imperdoável. nem em privado se faz uma coisa destas a um amigo.
Excelente, jcf.
Os critérios de excelência nestes comentários andam ao nível do ponto mais baixo da Fossa das Marianas.
Pois eu cá para mim prefiro de longe a versão do Daniel. Genial!
JCF,
também fui alvo de correcção por parte de um amigo. mostrei muitos dos poemas e textos que escrevi ao Cesariny. num deles, que terei a liberdade de aqui colocar, apenas mudou uma palavra, que assenta bem ao Daniel ;)
Álvaro de Campos
…ressuscitou…
nos telhados as cabeças
nas cabeças a demência que os projectou
janelas paredes muros – estruturas
exemplos de exclusividade, de solidão
devido à vulnerabilidade
a protecção teve necessidade e protegeu-se
faço por entender o que não entendo
porém, o que entendo nunca foi o que quis entender
estranho, este mundo das ideias…
poderá a ideia criar e não ser criada?
risos… a ideia deixou de ser contínua
é um processo descontínuo que continua
farei jus a este mundo fragmentado
neste saltitar ininterrupto
neste não ser nada
por ser várias coisas ao mesmo tempo
meus (teus) poetas fingem-se
fingem-se todos da mesma maneira e modo
auxiliam-se mutuamente – são um todo disfarçado
procuraram dar beleza – falseá-la
não posso ser bom porque vos suportei
ó, aturei-vos como algo, alternativa em reciprocidade
estou farto de tricô – de rendilhados eufemistas
de falsos sentimentos, de falsos sentires
de ser indirecto quando posso ser *directo
… puta que o pariu…
e agora, eis a palavra que o malandro me alterou: * discreto
AS, eu prefiro a versão do post, a do jcf.
JCF
Tinha gostado muito do poema quando o li ontem. Não comentei porque não calhou; não vi defeitos nem andei à procura deles, até porque nem sou meio-poeta e de crítico tenho ainda menos. Mas tenho duas pernas. As perguntas, no entanto, ficam. Como é que se vai convencer estas correctores de poesia de que não há um único poeta ou prosador que não possa ser corrigido naquilo que escreve, incluindo Aligheris e Vazes? Se aqui forem postos versos dum “consagrado”, incluindo as poesias de estado de alma de merda do Pessoa, não há nenhum maricas que abra o bico para pôr defeitos. Pior, muitos deles entram em orgasmo. Pelo menos entre a maricagem. Ou se gosta ou se não gosta daquilo que se lê. Assunto arrumado. E quem é que nos diz que o poeta mais tarde não modificaria o poema ou não se aperceberia dos seus defeitos de rima, pontuação, métrica, ritmo, etc e tal?
Segue a minha contribuição (completamente “estragada”, evidentemente):
Vejo uma merda a arder, não é lume.
Fico intrigado, não vislumbro combustão.
Olho para o lado, não fosse ser ciume,
E nisto topo o Daniel de caralho na mão
É curioso, o poema do JCF esteve aqui um dia sem que ninguém lhe prestasse atenção. Eu, como seu amigo e talvez abusando da confiança que temos um com o outro, sugeri-lhe correcções como hipótese de melhorar o poema. Aliás já não é a primeira vez que isto acontece, nem só da minha parte, e o JCF até agradeceu. Na maior parte dos seus poemas eu gosto do seu ritmo irregular, fazendo lembrar o inesperado dos ritmos de Strawinsky. Mas aqui essa falta de ritmo (chega a ter treze sílabas num dos versos) quebra a subtileza do poema. Além disso, não o fiz às escâncaras, mas no espaço mais reservado dos comentários, que em princípio se destinam sobretudo ao autor do “post”. No entanto, como é habitual, aqui discute-se mais acerca dos comentários do que do tema. E, se há gente que parece perceber muito de honra, nota-se que de poesia pouco sabe. Eu não sou mestre de nada, e já deveria ter percebido que é perigoso ter opinião aqui.
Só me resta pedir sinceramente desculpa ao meu amigo JCF, se de algum modo o magoei. Só ele me importa.
Daniel, se só o JCF, teu amigo, te importa, para quê usar as caixas de um blogue, que é público, para comunicares com ele? Porque não mandar-lhe um email ou uma carta ou um sms ou fazer um telefonema? Porque não uma visita, um encontro, uma tarde ou noite bem passada discutindo a métrica da poesia e outros assuntos elísios?
Chamo a tua atenção para o lado oposto: os blogues, e o nosso em especial, vivem desta animação, riqueza, até selvajaria, das caixas de comentários. São os contributos do grupo, que é dinâmico e plástico, a darem motivos de leitura, releitura e pensamento. Foi precisamente o que tu fizeste, em boa hora: apresentaste uma segunda versão do texto em poste. Excelente! Tão excelente que até conseguiste levar o meu primo a botar faladura. Só por isso, já merecias uma medalha. Como, ainda por cima, recebeste rasgados elogios, podes também levar a taça. Mas não cometas o pecado de te revoltar contra a liberdade de cada um dizer o que lhe der na gana. Isso, convirás, não é de poeta.
Muito bem, Valupi. Há gente, inteligente, sensível até, que não entende a blogosfera, nem a internet, nem a liberdade.
O meu primito disse tudo, Daniel. Estiveste bem, muito bem mesmo.