SICários

No Código Deontológico dos jornalistas portugueses — aprovado no 4º Congresso dos Jornalistas a 15 de janeiro de 2017 e confirmado em referendo realizado a 26, 27 e 28 de outubro de 2017 — não há a mais vaga referência a qualquer temática ou problemática de saúde mental. Imagino que os jornalistas responsáveis pela elaboração e aprovação do código dirão não terem de assumir deveres nesse domínio, dado não serem médicos nem familiares das pessoas com quem interagem para produzirem e realizarem o seu trabalho de jornalistas — o chamado, porque suposto, jornalismo.

Os jornalistas, por atacado, estão-se a marimbar para o seu código deontológico, tenha lá ele o que tiver escarrapachado. Por uma simples razão: é impeditivo do modelo de negócio que lhes dá emprego. Então, por que perdem tempo a aprovar versões da coisa com décadas de intervalo? Aqui imagino que perante essa interrogação os jornalistas ficariam em silêncio. A farsa é de uma dimensão tal que provoca algum pudor, até nos caluniadores profissionais.

Acresce que a psiquiatria é a disciplina médica que exige a maior complexidade informativa e cognitiva para chegar a diagnósticos e tratamentos. Porque convoca conhecimentos que vão da neurologia e da neuropsicologia até à sociologia, antropologia, história. E porque lida com o que é objectivamente um mistério: a subjectividade humana. É também a prática clínica onde a ética é um imperativo do princípio ao fim da relação entre médico e paciente.

Para cúmulo, a tradição milenar cristã é responsável pelo estigma que ainda rodeia a doença mental. A somar à falta de escolaridade e às iliteracias reinantes a respeito da ciência e da medicina, esta juliana cultural e sociológica leva o jornalismo para uma inumana devassa. Filmar e meter o microfone à frente de pessoas que estão sob o efeito de choques emocionais, potencialmente traumáticos, para lhes fazer a ignóbil pergunta “como se sente?”, ou deixar pessoas afundarem-se em estados de raiva e/ou delírio com a cumplicidade de um entrevistador, é o pão nosso de cada dia nas televisões. O espectador aprova, consome voraz esse tipo de violação da fragilidade alheia, lambuza-se com a miséria moral. A violência como espectáculo de massas não começou com os romanos nem deixou de nos distrair desde eles.

Vem este relambório a propósito de uma decisão de Ricardo Costa, Chief Content Officer na Impresa: voltar a chamar, agora em 2025, Manuela Moura Guedes para falar sobre Sócrates.

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4 thoughts on “SICários”

  1. ” Vem este relambório a propósito de uma decisão de Ricardo Costa, Chief Content Officer na Impresa: voltar a chamar, agora em 2025, Manuela Moura Guedes para falar sobre Sócrates. “

  2. as pessoas que têm ataques de raiva têm de ir a cursos de controlo de raiva.

    ah , o menino reconhece finalmente que há ali vários parafusos à solta ? custou , mas foi.

  3. O retonho é ao contrário do big bang, primeiro não havia nada e depois explodiu tudo.
    Ele aparecia em tudo o que não era especialmente grave, quando foi grave desapareceu, e só voltou para dizer que não tinha desaparecido, antes pelo contrário.

    Votem no gajo outra vez, pode ser que o metro venha á superfície.

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