É desconcertante começar um debate que afecta milhares e milhares de pessoas, o debate em que o Governo vem anunciar a flexibilização da lei laboral de forma aguda, e não dar com a cara do Ministro da pasta.
Está lá o Secretário de Estado, é ele que faz o discurso do anúncio, e ao espanto de quem sabe quando a forma anda de mãos dadas com o conteúdo, responde o Governo, aí sim, com uma outra coisa, os formalismos vazios: – “o Governo tem o direito de escolher quem vem à AR”.
Pois tem. E que mal que interpreta a prerrogativa, desrespeitando, mais do que o Parlamento, os cidadãos que serão alvo das medidas.
A forma carregada de conteúdo diz da dignidade que se confere a um acto, por exemplo.
Hoje, andou mal o Ministro em não dar a cara por esta reforma.
A indiferença por este institucionalismo carregado de sentido e de respeito pelos eleitores talvez venha do facto de nem sequer haver um “Ministro do Trabalho”; pela primeira vez, desde o 25 de Abril.
Tudo vai mudar, Isabel. Começou um novo ciclo. O 25 de Abril é passado e o regime que se lhe seguiu está a ser desmantelado. Isto foi anunciado profusamente pela direita que está no poder. E o povo aceitou a viragem. Ou acomodou-se a ela.
Ninguém acredita mais num regime que deixou destruir o seu principal pilar: a justiça. O povo pensou: nada pode acontecer pior do que isto.
E votou na mudança, seja lá o que ela for.
Sócrates foi arrastado na lama durante seis anos pela justiça falida. E nem ele, nem ninguém, quis perceber que era o pilar da democracia que estava a ser dinamitado. A democracia foi vítima do estoicismo de Sócrates. Quando um crime como o da noticia falsa mandada plantar num jornal por gente de Belém é considerado por Sócrates como “brincadeira de Verão”, adivinhava-se um desfecho como o que estamos a assistir, de fim de regime. Quando o presidente do Supremo reconhece todas as barbaridades da justiça e aceita passivamente essas barbaridades reconhecendo que “ninguém fez nada”(incluindo ele) que havemos de esperar senão o fim do regime?
Só estranho, Isabel, a sua estranheza.
Absolutamente lapidar, caro Mário!