«Um dos sucessos da extrema‑direita foi convencer-nos de que a imigração é um tema que separa de forma clara os dois lados do espectro político. Não é assim: tanto à esquerda como à direita sempre coexistiram posições diversas. Reduzir esta diversidade a um confronto entre uns e outros facilita o discurso no Parlamento, nas redes sociais e no comentário televisivo, mas é pouco útil para além disso.
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Há quem defenda o controlo da imigração por motivos que nada têm de xenófobo ou securitário. À esquerda, houve sempre quem fosse favorável a uma regulação dos fluxos migratórios para evitar o agravamento da exploração laboral, a degradação das condições sociais e o crescimento de tensões comunitárias. Este argumento parte da ideia de que a imigração, se for deixada ao sabor do mercado, tende a beneficiar alguns sectores patronais à custa dos trabalhadores — tanto os que chegam como os que já cá estão. Defender a dignidade de quem migra implica garantir condições de acolhimento, integração e protecção laboral — o que dificilmente se compatibiliza com uma política de movimentos sem restrições.
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Uma política migratória consequente tem de reconhecer que há tensões reais a gerir: entre mudança e estabilidade, entre abertura e sentimentos de pertença, entre direitos individuais e bem-estar colectivo, entre eficiência económica e coesão social.
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Destruir o único alojamento de que as pessoas dispõem, fomentar o ódio ao outro (ou ser conivente com isso), restringir ao máximo o reagrupamento familiar ou colocar os direitos dos trabalhadores estrangeiros na mão dos empregadores, pode ser muita coisa. Não é, de certeza, uma política de imigração razoável, nem a construção de uma sociedade decente.»
Quando há um problema tem de se o resolver o mais rápido possível, não é empurrar com a barriga para o governo seguinte até a situação ser insustentável.
Estes académicos beatos são patéticos.
Este escrito do Paes Mamede, por quem já tive muito apreço, mete-me nojo. Já não o leio. Os ecrãs de televisão abastardam as pessoas. Nos 3.º e 4.º parágrafos, num estilo porreiraço, se dermos uma forte e demorada torcedura no escrito, são espremidos os argumentos da extrema-direita. Ou seja: os gajos, bem vistas as coisas, e vamos lá ser realistas, até têm razão.
(Li o público mas não o li. Aqui cliquei no link, e li. Os comentários, regra geral, são catitas. Com alguma similitude com os do X do outro Ricardo)
Fernando, estás a ser vítima do sectarismo. O que ele escreve nesses parágrafos em nada de nadinha de nada se relaciona com a conversa da extrema-direita, sequer com a da direita. Ele tão-só permance objectivo e enquadra as situações no plano mais vasto das políticas públicas e dos casos extraordinários.
Por exemplo, se uma exploração agrícola passa a depender a 90% ou mais de mão-de-obra imigrante, e se de repente centenas de trabalhadores de países indostânicos passam a habitar numa localidade com poucos milhares de residentes, na sua enorme maioria idosos, tal leva a uma drástica alteração social. Essa população local, portanto, torna-se um alvo preferencial da extrema-direita. Reconhecer isto não é estar contra os imigrantes, pelo contrário.
Fernando, Fernando! Ai esse sectarismo! Ai ai ai!
Para contexto: o Paes Mamede é um ‘economista de esquerda’, i.e. mais decente, menos intrujão e menos rendido (ou vendido) às maravilhas do ‘mercado’ que a vasta maioria dos economistas… mas ainda assim liberoca e aburguesado q.b., como é norma nessa classe de xamãs modernos.
Isto que o volupi citou devia ser uma lapalissada; verdades tão evidentes que nem suscitam discussão. E no entanto, aqui temos duas reacções – a da yo e a do Fernando – completamente negativas, por motivos diametralmente opostos. Muita gente deve partilhar delas, sobretudo da da yo.
A visão da yo é a do cidadão que não se imagina numa barraca, nem quer pensar nisso: há que impedi-las, destruí-las, bani-las, o que for preciso para o problema desaparecer da vista dela. Se alguém for tão pobre que prefere vir para uma, deve ser impedido de vir. O país dele/a que resolva.
Esta visão pode dizer-se pragmática – somos também um país pobre a saque por mamões, com a saúde e outros serviços já em rotura – e é verdade que certa ‘esquerda’ dondoca ou caviar, como a Moreira, é mui solidária nas TVs e nas redes merdais, mas não tem solução para estas pessoas.
Já o Fernando não entendeu o Paes Mamede e o volupi, que tentou corrigi-lo, também não muito bem: o ponto não é só a “drástica alteração social” ou o choque cultural, que já seriam bastante, mas também o choque LABORAL – a descida dos salários, a mama dos patrões, estão a ver?
Duvido que estejam, ou que se interessem muito por isso. Por aqui se vê como caiu a esquerda, e como aproveita a direita: supostos esquerdistas ignoram as consequências da entrada massiva de trabalhadores dispostos a tudo – qualquer salário, quaisquer condições, qualquer exploração. Não há tema mais antigo da esquerda – da esquerda a sério, da que defende trabalhadores e não tachos.
Eu queria morar numa favela
O meu sonho é morar numa favela
Eu me chamo de cheiroso como alguém me chamou
Mas pode me chamar do que quiser, Seu Doutor
Eu não tenho nome, eu não tenho identidade
Eu não tenho nem certeza se eu sou gente de verdade
Eu não tenho nada, mas gostaria de ter
Aproveita, Seu Doutor, e dá um trocado pra eu comer
Que trocado o quê, tem vergonha nessa cara suja, não?
Vai trabalhar, ô vagabundo!
Eu gostaria de ter um pingo de orgulho
Mas isso é impossível pra quem come o entulho
Misturado com os ratos e com as baratas
E com o papel higiênico usado, nas latas de lixo
Eu vivo como um bicho ou pior que isso
chorus
Eu sou o resto, o resto do mundo
Eu sou mendigo, um indigente
Um indigesto, um vagabundo
Eu sou… Eu num sou ninguém