Caminhos tortos

A reacção da UE à crise das dívidas soberanas pode ser exasperante, mas não é totalmente desprovida de lógica. Por muita retórica ou entusiasmo europeísta que haja, a “Europa” não é um país, nem sequer uma cultura. É uma colecção de povos, e respectivos países, com tanta história e raízes em comum que os aproximam como velhas histórias  e raízes em comum que os afastam, mas cujo casamento é puramente por interesse estratégico. Poderá mais tarde resultar em amor, como é tão comum neste tipo de uniões, mas ainda não estamos no ponto onde alguém se considere “Europeu” antes de “Português”, ou “Holandês”, e ainda terão que passar muitas gerações antes que isso aconteça. É neste caldo de cultura, interesses e desconfiança mútua que navegam os políticos europeus, sobretudo nos países nórdicos mais desenvolvidos. Os cidadãos desses países, mesmo acreditando no projecto europeu, não vêem propriamente os nossos problemas como deles, e ressentem serem chamados a sacrificar-se para os resolver, tendo em conta que um eleitor alemão, aqui, não manda nada. Embora seja chamado a pagar a “nossa” crise.

É natural então que, mesmo tendo capacidade de sobra para salvar o Euro, a decisão de a usar não seja assim tão simples ou óbvia. Há uma multidão de cidadãos por trás, cujos países são fortes e prósperos, que quer saber exactamente em que é que se está a meter, para quê, e o que é que ganham com isso. Que detestam surpresas e coisas que não controlam. E há adversários políticos à espreita, e uma extrema-direita isolacionista e xenófoba pronta a explorar as insatisfações. A irresponsabilidade e o oportunismo são também valores universais, não é só por cá. Se alguém puder ganhar eleições diabolizando os Gregos, então os Gregos serão diabolizados, disso podem ter a certeza.

Sendo assim, é claro que mesmo existindo uma solução mais simples, eficaz e óbvia para todos os economistas e especialistas, como as Eurobonds, por exemplo, essa pílula não pode ser enfiada pelas gargantas de quem a paga assim sem mais nem menos. Há um intenso trabalho a ser feito para convencer os nossos vizinhos europeus que tem de ser assim, e é do interesse deles sacrificarem-se para manter a UE e o Euro. E por muito que pareça um paradoxo, a natureza sistémica da crise do Euro é uma grande ajuda para que isso aconteça, porque uma coisa é um pequeno país periférico ser “castigado” por ter agido irresponsavelmente, outra é quando essa crise chega perto das nossos portas e ameaça a prosperidade do núcleo duro. E lentamente, susto após susto, turbulência após turbulência, os europeus vão-se convencendo que estamos todos juntos nisto, e que se cairmos vamos todos ao fundo. E soluções que eram inaceitáveis antes tornam-se de repente aceites, mesmo de má vontade.

É desta forma, pelo menos, que vejo as recentes decisões da cimeira da UE e a estratégia de Merkel: um passo, para a seguir dar outro, porque o primeiro não foi suficiente, com cautela para não assustar, mas de maneira a que seja difícil voltar atrás. No fundo, exactamente aquilo que Sócrates fez com os sucessivos PECs, em vez de um tão esperado plano de austeridade que “resolvesse” o défice de uma vez. Nunca chegava, mas era um passo certo no caminho de uma solução mais definitiva. Claro que o FEEF não está neste momento minimamente capitalizado para lidar com Espanha e Itália, para desespero e preocupação de quem vê esses países como as próximas vítimas inevitáveis. Mas está lá, essa porta foi aberta e aceite, onde antes estava fechada. Capitalizar é a seguir, quando os alemães estiverem suficientemente assustados para aceitarem isso, or else…Para mais tarde, quando a inevitável recessão que vem aí nos atingir a todos, vender a tal ideia do “Plano Marshall” para a Europa, que neste momento parece uma despesa absurda e arriscada para quem não tem problemas de crescimento da economia. É, a meu ver, uma estratégia cínica e arriscadíssima que utiliza o medo para vender as soluções aos cidadãos, mas não estou a ver que alternativas haja, numa altura em que o entusiasmo europeu está bastante arrefecido. E o medo é uma arma poderosa.

A democracia é assim, creio eu: complicada, bizantina, desarrumada, muitas vezes sem lógica aparente, com enormes desperdícios e mal-entendidos até se chegar ao caminho certo, e nem isso é assegurado. A multiplicar por 10 no caso de uma estrutura tão complexa como a UE. E com grandes factores de risco. Tudo isto pode desabar ainda. Mas esse é o preço que pagamos para ter uma voz no nosso destino. Nós, que que nós não somos especialistas, e demoramos tempo a perceber no meio da gritaria de quem diz que percebe.  Se o Krugman mandasse sem oposição, não tenho dúvidas que a crise já estaria para trás, e o mundo estava agora a crescer alegremente, sem necessidade do sofrimento a que estão expostos tantos cidadãos de tantos países. Mas felizmente que, no meu país e na Europa, ninguém manda sem oposição. Mesmo que isso tenha custos elevados e o futuro seja incerto.

23 thoughts on “Caminhos tortos”

  1. muito bem. a referência ao socrates e aos pcs é que era excusada. nada acrescenta à história e são linhas que a gente tem de ler amais e prejuducam a produtividadde.
    numera as linhas e põe um aviso : da linha tal à tal é sobre o querido líder. e eu passo.

  2. Certíssimo. Nunca se tinha enfrentado, no Mundo, problema igual a este das dívidas soberanas adentro de um corpo político tão complexo como o da Zona Euro. Problema agravado por se estar a recuperar, com muitas incertezas, de uma recessão global, e também pela ameaça de implosão financeira dos EUA. Naturalmente, as soluções terão de ser inventadas a partir desta original e desvairada realidade, não havendo exemplos a que recorrer para colher lições ou imitar.

  3. Excelente texto. Muito bom, mesmo. E embora concordando em parte com ela, a referência a José Sócrates e aos PEC’s neste contexto era mesmo escusada, num Artigo tão pedagógico e bem estruturado (e bem escrito).

    Os meus Parabéns.

  4. Caro Vega,
    muito embora possa concordar na generalidade com o que dizes, não acredito nesta política de pequenos passos, pois para além de estar a sair demasiado cara a uns está simultaneamente a encher os bolsos a outros, e o curioso é que quem enche os bolsos é quem mais protesta!
    A UE ía de vento em popa até ao momento em que se optou por colocar muita gente a decidir o seu destino.
    Foi inevitável cada um puxar a brasa para a sua sardinha, e os que têm mais força puxaram as brasas rapidamente ficando os restantes à espera que a sua vez chegasse.
    O consórcio franco-alemão que ultimamente tem dirigido a Europa, continuará a fazê-lo enquanto o senhor do fraque não lhes bater à porta.
    Quando Portuga, Irlanda e Grécia deixam de importar a crise aguenta-se bem nos restantes países, o problema é que se as exportações baixam na Espanha, as importações também, e aí já a porca começa a torcer o rabo, pois começa a fazer-se sentir por essa Europa fora a crise. Se a isto juntarmos a Itália, o Benelux leva um tiro no porta-aviões e parte da batalha naval já fica decidida. A América fecha-se, a Indía, Brasil e China, afirmam-se, a Rússia abatece-se a si própria (grosso modo), a quem é que os Ingleses, Franceses e Alemães vão vender as suas maravilhosas mercadorias? Aos africanos? Ao sudoeste asiático?
    Chegarão a tempo de fechar as escotilhas para a água não entrar no barco? Duvido.
    Talvez por isso, seria melhor a Europa estugar o passo e começar a andar mais depressa pois começa a faltar-lhe terreno para se manter.

  5. Caro Teófilo, não estou a dizer que é a politica ideal, está longe disso, estou a dizer que é a possível no contexto do que é a UE, e que há muito boas razões para isso. Claro que dá cabo dos nervos, e cria situações que são aproveitadas por muitos, e muito sofrimento que poderia ser evitado. A questão no entanto mantém-se: qual é a alternativa?
    Estamos a meu ver perante um exemplo da famosa frase: a democracia é o pior dos sistemas, se descontarmos todos os outros.
    Como diz, e bem, o Valupi, estamos em águas desconhecidas no meio do mar revolto. Podemos perfeitamente naufragar, como no teu cenário, mas digo-te que já estive mais pessimista.

  6. “mas ainda não estamos no ponto onde alguém se considere “Europeu” antes de “Português”, ou “Holandês””.

    Não sei. Eu acho que me sinto mais Europeu do que Português.

    Serei uma ave rara ?

    E’ heresia dizer isso mas, é a realidade. Sinto-me Português no sentido em que gosto de pensar no pais das minhas “raizes” (que partilho com o Borges, que era argentino), acho piada a isto, ensinei a lingua às minhas filhas, leio, escrevo na minha lingua materna e tal, mas sera que isso me determina ?

    Como tantos outros Portugueses, resido e trabalho fora do territorio nacional. Trato ocasionalmente de um ou outro assunto que tenha a ver com Portugal, mas não mais do que um trabalhador lisboeta trata de assuntos que têm a ver com a terra…

    Tirando o folclore da politica nacional e do futebol, acho que muito do que se passa em Portugal é decidido fora do pais. Acho que é uma pena os Portugueses não terem grande voto na matéria, como também tenho pena que os Gregos, ou mesmo os Franceses, não contem realmente nas grandes decisões tomadas em nome deles e, pretensamente, para o seu bem. Manias minhas de ser democrata e tal.

    Sou Português como podia ser da Guarda, ou de Marvão.

    Como eu, existem milhões de Europeus. Culturas nacionais ? Havera assim tantas que existiam antes do século XIX ? E mesmo essas, significam o quê ? Contam mesmo para as pessoas ? Contam apenas na medida em que lhes permitem olhar de alto para ciganos. Mas isso arranja-se sempre. Um preto em quem bater não tem necessariamente de ser estrangeiro. Quando a sede de pancadaria aperta, um adepto do sporting (do benfica, do porto) serve perfeitamente.

    Estou preocupado com “o meu pais”, “o meu povo” (metade dele vive fora do territorio) ?

    Balelas.

    Reparem que também não ha mistica nenhuma quando digo que me sinto “Europeu”. Apenas uma realidade factual : os responsaveis politicos que eu elejo escolheram, democraticamente, que fizéssemos parte de uma união europeia. Isso começou mais ou menos a seguir à segunda guerra (em Portugal, a seguir à revolução) e, tanto quanto percebo, acho que não foi nenhum disparate. Hoje a realidade é essa. As empresas para as quais trabalho, para as quais a minha mulher trabalha, onde espero (para elas) que as minhas filhas encontrem emprego, têm uma dimensão europeia. Trabalham para clientes na Europa. Se precisam de materiais, de prestações, de obras, de serviços, é cada vez mais natural virarem-se para o espaço Europeu. Não é para “Bruxelas”, reparem, é para a Europa mesmo. Para parceiros, ou para clientes, belgas, italianos, alemães, galegos, ou mesmo de Braga.

    Se calhar amanhã pertenceremos a outro grupo, a Africa, às Américas, não sei.

    Estou-me nas tintas.

    O que me interessa é a realidade, a de hoje. Temos provincias, parvonias, hinos nacionais, clubes e claques de futebol, cerveja Sagres, tremoços. Não falo dessa realidade. Falo antes do espaço politico e economico onde estamos inseridos. O espaço onde se decidem as coisas que têm mesmo uma incidência sobre a minha vida. Se me vou reformar mais cedo ou mais tarde, por exemplo. Se vamos ou não ter uma politica de retoma, ou se vamos continuar a sugar o zé povinho para que as grandes empresas conquistem mercados nas Indias. Esse tipo de coisas.

    Este espaço, para mim, que sou Português, talvez não “representativo”, mas ainda assim relativamente banal (no espaço onde trabalho trabalham ou trabalharam recentemente : um italiano, três franceses, uma paquistanesa, um americano, uma rapariga dos Camarões, um corso, etc.), é muito mais o espaço europeu do que o espaço português.

    E por favor, não me caiam em cima com heroisdomariquices, que isto é apenas, um testemunho. Como eu, somos centenas, milhares, talvez milhões…

    O déficit democratico que existe actualmente na Europa, e que alguns comentadores aqui em cima julgam uma boa coisa, se percebi bem, faz de mim muito mais do que um Europeu.

    Faz de mim um Europeu parvo.

    Nesse aspecto também posso dizer que somos, milhares, e mesmo milhões. E, feliz ou infelizmente, estamos a caminho de sermos cada vez mais numerosos !

    Boas

  7. eu tenho uma pergunta, sem querer mexer na tua opinião mas antes colocá-la numa outra perspectiva, para ti, João Viegas: consegues fazer de uma anedota, daquelas típicas, em que entra um português, um espanhol, um italiano, um inglês e um alemão numa em que entra um europeu, um americano, um africano e um australiano – sem lhe alterar o sentido?

    (olá) :-)

  8. Como tantos outros Portugueses, resido e trabalho fora do territorio nacional.

    Acho que respondeste à tua própria pergunta, joão viegas. A identidade é tramada, não é?

    Acho que é uma pena os Portugueses não terem grande voto na matéria, como também tenho pena que os Gregos, ou mesmo os Franceses, não contem realmente nas grandes decisões tomadas em nome deles e, pretensamente, para o seu bem.

    Neste ponto, perfeitamente de acordo. E é este, precisamente, uma das raízes do problema.

  9. Ola. Duas notas apenas :

    Para a Sinhã : Existem anedotas sobre os alentejanos. Isso faz do Alentejo um pais ? O que eu penso é que essas noções (o que é “um amercicano” ?, ou alias “um chinês” ?) não têm grande sentido assim em abstrato. Existem espaços economicos com uma certa homogeneidade, onde se tomam decisões politicas, economicas, administrativas, fiscais, etc. E’ claro que não se trata de nenhum exclusivo. Temos um poder local, e temos instâncias internacionais acima da Europa. No entanto, se formos ver, a Europa tornou-se, inquestionavelmente, um centro de decisões politicas e economicas da maior importância para o nosso quotidiano. E isso não aconteceu por magia. Aconteceu porque nos quisemos. Isso basta para que eu, como muitos outros, me sinta “europeu”, da mesma maneira do que, algures no século XIX, muitos labregos europeus tomaram de repente consciência de que tinham uma “nacionalidade”. Não foi porque um dia desataram a ler frenéticamente os Lusiadas ou a Divina Comédia. Foi por causa da repartição de finanças, do serviço militar e dessas merdas. O resto é poesia.

    Para o Vega : Sim, resido e trabalho fora do territorio nacional. Isso por acaso torna-me menos português ? (estar-me-ia nas tintas se assim fosse, este reparo não mete pathos nenhum, nada de confusões) Acho que não. Acho mesmo que me aproxima de uma realidade que muitos Portugueses conhecem bem, e que até podia servir de cimento para construir algo de novo em Portugal : serem oriundos de um pais (uma região) que não lhes deu até agora grandes perspectivas de vida e que os tem empurrado para fora. Mas, é claro que ha quem ache que sim. E também é claro, infelizmente, que de facto as probabilidades de eu, ou de os meus descendentes, vivermos amanhã no territorio nacional, são relativamente escassas. Reparem so que não é por falta de vontade. De forma algo surpreendente, tanto eu como a minha esposa (ela também portuguesa) organizamos as nossas vidas profissionais por forma a ser possivel voltar para Portugal, ou trabalhar com Portugueses. Provavelmente seria mais facil fazê-lo se o pais tivesse atingido os niveis de desenvolvimento esperados. Veremos. Como dizer, bom, para ser sincero, devo dizer que também organizamos as nossas vidas profissionais para o caso do pais não passar da cepa torta e de não ser possivel, ou desejavel, voltarmos para la. Apesar de Camões e de Sa de Miranda, que ninguém nos tira e que, por acaso, se cultivam tão bem, e mesmo algumas vezes melhor, em Paris, Roma ou Lovaina.

    Boas

  10. joão viegas, o meu comentário era em resposta à tua tese que te sentes “mais Europeu do que Português”, quando tudo o que dizes a partir daí, inclusivamente no uso da linguagem, prova o contrário. És europeu, sim, mas antes de mais português. Por isso é que, mesmo residindo e trabalhando em França, a palavra “nacional” para ti só tem um sentido.
    Se fosses mesmo “Europeu”, o território nacional ia desde Utsjoki, Finlândia até Ceuta, e nota que não há nada que te impeça de residires e trabalhares onde quiseres.

  11. bom dia.:-) isto dá pano para mangas, joão. mas vou fixar-me na identidade que é, bem visto, do que aqui se trata. ser alentejano não faz do alentejo um país mas faz com que se reconheça um português – na europa e no mundo. antes que me esqueça deixa-me dizer-te, também, que não é nem poesia nem é prosa dizeres que és um cidadão da europa e do mundo antes de falares na tua aldeia, a aldeia que te pariu – e esta aldeia tanto pode ser aqui como aí: será o sentimento de pertença e de paridade que o determina: entenda-se parir como fazer nascer. curiosamente até o facto de estares a ler e a comentar um blogue português em português do portugal já é um forte indício, o interesse e não apenas a curiosidade, da tal pertença e paridade. a poesia. a poesia é o dia a dia onde se vive, onde se amealha, onde estamos com quem gostamos e amamos e na poesia pouco importa o serviço das finanças e a tropa. mas na prosa da vida, onde nascemos e onde morremos, é impossível deixarmos de ser português ou chinês – antes de sermos cadáveres europeus, ou do mundo, somos sempre aldeões. e ainda bem que existem aldeias. (deixo, porém, a nota de que esta aldeia, a da minha boca, é poética visto que não se coaduna com a do dicionário que a retrata como sem autonomia, camponesa, quase nula. a minha aldeia é a mesma de camões e de gil vicente e até, vê lá tu, do que dizem misógino, de eça.)

    lembrei-me, entretanto, de outras coisas interessantes: tu paras na estrada, para ver o sangue, quando há um acidente? e depois contas que o homem está vivo mas que quase morreu? e ao domingo, depois de almoçares uma feijoada, vais dar uma volta a pé até ao café mais próximo e levas o palito enfiado nos dentes, entre um e outro esgar de satisfação, enquanto coças a fruta? e trocas uma brincadeira ou uma tarde de beijos por um jogo de futebol?
    :-)

  12. Ola. Vou responder aos dois ao mesmo tempo :

    Atenção que eu não disse, nem penso, que “não sou Português”. Sei que sou Português. Orgulho-me de o ser. Nunca pedi para ser naturalizado, embora fosse perfeitamente possivel fazê-lo e embora goste imenso do pais onde resido. Curiosamente, se não fosse a União europeia, quase de certeza que não teria sido possivel isso suceder. Se não houvesse União europeia, a pressão e os interesses praticos teriam provavelmente sido ja mais do que suficientes para eu pedir a nacionalidade do pais onde resido.

    O que eu digo é que a minha qualidade de “português” não me determina tanto, politicamente, profissionalmente, economicamente, como a minha qualidade de Europeu. E’ curioso o Vega referir a “nação”. Se bem me lembro, no Leal Conselheiro ha um trecho onde se diz “recebi dos meus pais a nação” sem que isso tenha nada a ver com identidade politica ou com “cidadania”. Portanto a ideia de que a cidadania é primeiramente “nacional” e que so teremos Europa politica quando esta substituir o que temos hoje por “nação” é debativel.

    Mas isso daria pano para mangas. Por ora, vou apenas responder, de forma neutra e o mais breve possivel, às perguntas da Sinhã e deixo-vos decidir se isso faz de mim alguém de “mais Português do que Europeu”, ou se é o contrario.

    tu paras na estrada, para ver o sangue, quando há um acidente? não e irrita-me que o façam, sobretudo se forem proximos, envergonham-me.

    depois contas que o homem está vivo mas que quase morreu? nem por isso.

    e ao domingo, depois de almoçares uma feijoada, vais dar uma volta a pé até ao café mais próximo ? raramente almoço e nunca aos domingos, mas vou muito ao café, menos quando estou em Lisboa porque ha cada vez menos.

    e levas o palito enfiado nos dentes, entre um e outro esgar de satisfação, enquanto coças a fruta? tenho péssimos dentes, se calhar porque não uso palitos. Coçar a fruta ? Por quem é que me tomas ? Por um estafermo inglês daqueles que lêm o Sun, ou quê ?

    e trocas uma brincadeira ou uma tarde de beijos por um jogo de futebol? nem por isso (nunca fui à bola, mas por acaso tenho pena, acho que o espectaculo vale a pena)

    Observação final : um dia, um colega meu disse-me, antes de mudar de escritorio : olha, foi um prazer conhecer-te, apreciei muito a tua fleuma portuguesa, até hoje pensei que so existisse uma fleuma britânica, passei a saber que existe também uma fleuma portuguesa. Senti-me lisonjeado mas sobretudo pensei “este nunca viu um Britânico na vida, em contrapartida, percebeu perfeitamente o que é um Português”.

    Boas

  13. chegamos a um entendimento: és português e a tua nação será sempre onde te sintas melhor – o que só é possível pela livre circulação de pessoas, e tudo o que nela está inerente, na bola chamada europa.

    (e parabéns: reprovaste o teste do que é ser português-cromo. é isso mesmo seres português no nosso melhor: simpático, assertivo, bom anfitrião, valorizador da família e do bem estar estejas onde estiveres. essa do fleuma terá sido num dia de gripe – gripe dele, claro.) :-)

  14. “…tenho péssimos dentes, se calhar porque não uso palitos.”

    oh viegas! francamente, isso é publicidade enganosa das caixas de palitos, escarafunchar faz mal à saúde dental, além de politicamente incorrecto.

  15. O “pano para mangas” já quase vai num lençol e ainda não serviu de nada.

    Cada um sente o que lhe dá na gana, não é esse o ponto. Eu até posso sentir-me celta, vândalo, turco, ou o raio que me parta, mas seria imbecil se não reconhecesse o óbvio: as identidades nacionais valem ainda mais que 90% do todo e a titubeante identidade europeia dos europeus actuais não ultrapassará, no máximo, uns 5% (pela minha própria medição científica…). Também posso argumentar com o meu exemplo pessoal, ou só se aceitam os do clã Viegas? Eu sinto-me para aí, no mínimo, uns 65% português e uns 15% europeu (sou uma excepção, bem sei). O resto divido irmãmente entre as sub-identidades lisboeta, alentejana e uma outra, muito esquecida de todos, mas bem importante: a mediterrânica (sim, sinto-me muito mais turco, napolitano, ou marroquino, do que dinamarquês, bávaro, ou eslovaco, tenho de o admitir)!

    E só para terminar, antes de meter férias disto, discordo profundamente desta “blague” do João Viegas: «(…) “europeu”, da mesma maneira do que, algures no século XIX, muitos labregos europeus tomaram de repente consciência de que tinham uma “nacionalidade”. Não foi porque um dia desataram a ler frenéticamente os Lusiadas ou a Divina Comédia. Foi por causa da repartição de finanças, do serviço militar e dessas merdas. O resto é poesia.»!

    Mentira: foi por causa da LÍNGUA, da CULTURA (Música, tradição oral, etc.) e também da RELIGIÃO, pois repartições de finanças, serviço militar e mil e uma outras merdas também os impérios otomano e austro-húngaro tinham. Faltava-lhes era o resto…

  16. então não serviu, Marco – serviu para vires escarafunchar: o que, ao contrário do que diz o anonimo, é óptimo para a saúde oral. :-)

    (deixaste-me passar que és um bom prato – e que bem que fazes) :-)

  17. ó pás eu cá sou do Mundo, da Terra, que Deus Nosso Senhor deu a todos e que os lutadores pela igualdade, fraternidade e liberdade, dividiram, alocando-se egoisticamente grossa parte da coisa. Portantos, meus, o resto é apenas fabrico de matéria para discussão.

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