Olhando para o programa do Syriza, a primeira reacção é naturalmente a risota de gozo. Extrema-esquerda marxista típica. Uns segundos depois, recordamos que estes tipos têm sérias hipóteses de ganhar um mandato para governar um país da zona Euro, e passamos à fase seguinte: o espanto. Em primeiro lugar pelo disparate. Pura e simplesmente não há, nem vai haver, dinheiro para pagar aquilo tudo, nem nada que se aproxime. Em segundo, pelo que revela de audácia, ambição, uma boa dose de descaramento mas, sobretudo, capacidade negocial.
Vamos por pontos, e tirando já do caminho o mais óbvio: Alex Tsipras e o Syriza estão a mentir com quantos dentes têm na boca. Comparado com o que lá está prometido, a campanha de Passos Coelho foi um exemplo de honestidade e realismo. Alguns pontos mais populistas como exemplo:
- acesso a cuidados de saúde gratuitos para todos os gregos (como é que se pagam os médicos, equipamentos e medicamentos não está explicado)
- Alívio dos encargos com habitação para famílias em dificuldades, de modo a que a prestação não ultrapasse 30% do rendimento (mais uma vez, como se paga não está explicado)
- Introdução imediata do rendimento mínimo garantido (idem)
- Aumento do subsídio de desemprego, e prolongamento de um para dois anos (ibidem)
- Negociar com a Suíça a tributação do dinheiro grego existente nos bancos desse país (mais facilmente os suíços concordariam em fazer Toblerones quadrados)
Por muito justas que pareçam as medidas, voltamos sempre à mesma questão: isto representa um aumento brutal dos encargos do estado grego. Quanto custa tudo isto? Quem paga? De onde esperam obter o dinheiro? Tudo questões sobre as quais o programa é totalmente omisso.
Depois, as grandes questões: a nacionalização dos bancos, a paragem imediata de todas as privatizações em curso, e finalmente o ponto fulcral do programa: a imediata anulação do memorando e cancelamento da dívida grega.
Ou seja, trocado por miúdos: o Syriza promete cancelar a dívida, renegar os termos do memorando que permite o acesso da Grécia a dinheiro que os mercados lhe negam, ao mesmo tempo que expande as necessidades de financiamento do estado para aplicar em programas sociais. À primeira vista, “lunático” é uma palavra demasiado branda para descrever isto. A questão nem é, como seria legítimo pensar, que os lunáticos terão na mão o botão da bomba atómica: a desagregação do Euro, da UE, e uma recessão mundial com custos incomparavelmente superiores a tudo o que exigem, o que tem o condão de fazer parecer algumas das exigências razoáveis. Embora isso seja importante. A questão central vem descrita neste excelente artigo (via João Galamba, bolds meus) :
Should we be afraid of Syriza’s ‘ultra-leftism’? My answer is a resounding No. I recommend that (even those who have Greek amongst their languages) you do not read their manifesto. It is not worth the paper it is written on. While replete with good intentions, it is short on detail, full of promises that cannot, and will not be fulfilled (the greatest one is that austerity will be cancelled), a hotchpotch of policies that are neither here nor there. Just ignore it. Syriza is a party that had to progress, within weeks, from a fringe political agglomeration struggling to get into Parliament (at around the 4% mark) to a major party that may have to form government in a few short weeks. It is, in important ways, a ‘work in progress’; and so is its unappetising Manifesto. No, the reason it is safe to take a gamble on Syriza is threefold:
First, because it is probably the only party that ‘gets it’; that understands (a) that Greece must stay in the Eurozone (despite the latter’s obvious failures), and (b) that the Eurozone will not survive unless someone forces Europe to put an immediate halt on this “march off the cliff of competitive austerity”.
Secondly, because the small team of political economists that will negotiate on Syriza’s behalf are good. moderate people with a decent grasp of the grim reality that Greece and the Eurozone are facing (and, no, I am not part of that team – but I know the ones I am referring to).
Thirdly, because, in any case, a vote for Syriza is not going to establish a purely Syriza government. No party, including Syriza, will be in a position to form a government outright. So, the question is whether Europe is better off with a government in Athens which includes Syriza as a pivot or one which is supported by discredited pro-bailout parties, with Syriza leading from the opposition benches. I have no doubt whatsoever that Europe’s interests are best served by the first option
E é precisamente isto que Alex Tsipras tem revelado, e que tem faltado a todos os outros: uma compreensão profunda da situação grega no contexto do Euro e da UE, o reconhecimento que os gregos têm ainda um poder negocial considerável, uma audácia e ambição à escala europeia que vão ser necessários para o que virá a seguir e, mais importante que tudo, aquilo que falta aos nossos radicais caseiros do BE: a vontade de negociar o programa. Já se viu em algumas pistas. De um mês para o outro, a nacionalização da banca passou de “geral” para “apenas os que recebem ajuda do estado”. As nacionalizações passaram de imediatas para “mais tarde”. Tudo sinais de que o “radical” poderá ser, afinal, mais moderado do que se pensa. Resta saber se terá o sangue-frio necessário. Se quer salvar a Grécia, vai precisar dele, e de que maneira.
Excelentes análises as que vens fazendo do Syriza. E faz todo o sentido apostar na racionalidade, mesmo porque é sempre a ela que se volta para os ciclos longos após breves fogachos da irracionalidade.
ainda dará bom-primeiro o tsipras.UMa esquerda corajosa a dele
O Aspirina B está para Syriza como o PSD esteve para o PS. Para os PSD tudo o que o PS defendia eram ilusões, impossibilidades, mentiras, etc e a resposta dos srs, como sempre no que respeita à esquerda, é ser igual à direita.
Enfim, é por isso que eu me inclino para o PCP. O PS é um partido de direita a fingir que é de esquerda, como este post mesmo indica.
Concordo, como é obvio, que propostas sérias devem dar indicações crediveis em relação à forma como serão financiadas e não estou obviamente a dizer que concordo com o programa do Syrisa, que não conheço.
Ainda assim, a tua lista deixa-me desconfortavel, pelas seguintes razões :
•acesso a cuidados de saúde gratuitos para todos os gregos (como é que se pagam os médicos, equipamentos e medicamentos não está explicado) — Não é esse o pressuposto de base do NHS e dos sistemas afins ? Que eu saiba esses sistemas (que nem sempre funcionam bem, mas isso ja é outro assunto) são financiados pelo imposto sobre o rendimento. Não vejo aqui nenhuma impossibilidade, a não ser que excluas por principio todas as propostas politicas que impliquem um aumento do IR (neste caso, provavelmente em correlação com a diminuição dos custos directos para os utentes), mas então, é melhor dizer logo que não pode have hoje proposta politica de esquerda.
•Alívio dos encargos com habitação para famílias em dificuldades, de modo a que a prestação não ultrapasse 30% do rendimento (mais uma vez, como se paga não está explicado). — Bom, isto sim, é pura demagogia se fôr dito assim. Mas tenho duvidas : não havera condições para aferir o que são familias em dificuldades e para o tipo de habitação em causa. Eu tenho um rendimento médio-baixo e acabei de subscrever um empréstimo para morar com a minha familia no Parténon (depois de remodelado), portanto posso contar com um cheque do Estado para tudo o que exceda 30 % do meu rendimento, é isso que propõe o Syriza ? Hmmm.
•Introdução imediata do rendimento mínimo garantido (idem) — O que tem isso de mal ? Existem medidas destas em varios paises da Europa. Estamos a falar de uma ajuda para pessoas em grande precariedade (sem subsidio de desemprego nem rendimentos nenhuns), num objectivo de reinserção social, com prestações que em regra são uma pechincha e cujo custo não põe necessariamente em perigo as contas publicas. A não ser que excluas à partida qualquer proposta que implique custos, mas nesse caso, não vale a pena haver partidos de esquerda a concorrer…
•Aumento do subsídio de desemprego, e prolongamento de um para dois anos (ibidem) — Ha paises na Europa onde o subsidio de desemprego dura dois anos. Como é obvio, o custo depende essencialmente do sucesso da politica de retoma economica.
•Negociar com a Suíça a tributação do dinheiro grego existente nos bancos desse país (mais facilmente os suíços concordariam em fazer Toblerones quadrados) — Também acho esta mal contada. Um Estado não costuma encarregar-se de cobrar dividas fiscais em beneficio de outro Estado. Estamos provavelmente a falar de uma proposta visando a obrigar os bancos suiços a permitir que o Estado grego possa controlar o patrimonio que os Gregos fazem sair do pais. Ou então de um problema de dupla tributação. Gostava de perceber antes de achar escandaloso (ou pelo menos de ter a certeza que a proposta não tem nada de compreensivel).
Não tenho grande ideia sobre o Siriza, mas também não tenho a certeza que os pontos acima cheguem para bradar aos céus. Ou então, teremos de aceitar que o debate politico esta hoje limitado a saber qual é o actor mais convincente para desempenhar o papel de pequena Margareth Thatcher local…
Boas
João., fazer perguntas sobre se certas promessas serão exequíveis, tendo em conta o contexto, é algo que beneficia o debate sobre elas. Queres pompoms, há blogues especializados.
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joão viegas, uma das dificuldades de comentar (ou tentar comentar) a politica grega é a barreira da linguagem, até mais neste caso por causa do alfabeto. O Google tradutor ajuda até um ponto, mas algum contexto perde-se inevitavelmente. O caso das ajudas para o pagamento da casa é um onde esse contexto deve sem dúvida existir, mas é complicado descobri-lo. Mas de qualquer maneira estamos a falar de um programa eleitoral, o que significa que é necessariamente vago, como aliás é suposto ser.
Dito isto, repara que não me oponho, por princípio, a nenhuma destas medidas, às quais reconheço a bondade e justiça. Simplesmente me pergunto, tendo em conta que o verdadeiro défice que levou ao pedido de ajuda da Grécia andava à volta dos 13%, e que o estado actual da economia grega é calamitoso, como é que se pagam.
Sim. De facto disso é que deviamos estar a debater “como é que se paga”. A partida, paga-se com aquilo que se produz. Ai é que esta o ponto : como voltar a um crescimento sustentavel.
Digo apenas que a questão deve ser encarada de forma aberta, e não admitindo à partida que a unica possibilidade é continuar num trilho que tem precisamente levado à crise e à consequente diminuição da criação de riqueza. Mas, como é obvio, devemos excluir a politica que consiste em distribuir fartura sem medida nem rigor, na fé de que as gerações vindouras descobrirão o mana.
Boas
Parece-me que o Programa eleitoral da CER/Coligação da Esquerda Radical (SY.RIZ.A, ou SYNASPISMOS RIZOSPASTIKIS ARISTERAS, em Grego), seja lá o que for, será sempre o que menos vai interessar aos Eleitores gregos no dia 17… Toda a gente já sabe que na Política, como no Futebol, o que menos conta é mesmo o “fair-play” e o que está em jogo para a Europa, nestas Legislativas gregas, é o equivalente a nada menos do que a Liga dos Campeões! Quem se interesará pela discussão dos erros do árbitro quando os vencedores erguerem a Taça?
Assim, todo o cinismo é compreensível, mas insuficiente, de parte a parte, nestas circunstâncias, e após 17 de Junho, estejamos todos preparados, “o caminho ir-se-á” mesmo “fazendo caminhando”. O que importam as promessas eleitorais do SYRIZA, quando podemos estar prestes a assistir ao nascimento de uma Nova Europa?
Sejamos realistas: TORÇAMOS TODOS JUNTOS PELA GRÉCIA, neste “Europeu”!
Que comecem em beleza já hoje, contra a Polónia, e que nos façam vibrar de orgulho europeu ERGUENDO A TAÇA, COMO EM LISBOA!